sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A minha Ceia de Natal (2 de 2)

Finalmente consegui que todos se reunissem na sala de jantar, mas ninguém tomou a iniciativa de se sentar. Sai a pergunta habitual “Há lugares marcados?”, e respondo “Só o meu, porque preciso de estar aqui para poder ir à cozinha sem incomodar ninguém”.
E fico deliciado a observar os olhares e as movimentações. O quererem ficar aqui ou ali, ao lado deste mas não com aquele ao lado. Se o casal está bem, ficam juntos, mas se não está, fica cada um no seu canto. O habitual.
A minha Ceia de Natal é digna de um filme. Todos alegres, contentes, sorridentes, a comer, a beber e a brindar. Tomara que fossemos sempre assim, mas infelizmente não somos. Por isso é tão importante a minha Ceia de Natal para mim e para esta cambada de cabeçudos. Para podermos ser assim, nem que seja uma vez por ano.
Reparo que a Mónica nem tocou no peru, e muito menos deixou que o filho o comesse. Malandro, eu quis servi-la, mas a sacana disse logo que tanto ela como o filho estavam já muito cheios do bacalhau. O puto estranhou e disse que queria peru, estendendo-me o prato, mas levou logo uma cotovelada da mãe para ficar quieto e calado.
Já o marido dela lambuzou-se todo do peru debochado. E a Mónica ainda o serviu mais umas duas vezes, pelo menos. Cabra do caraças. A regra dos três segundos serve para o teu marido, mas não para ti nem para a tua cria.
O repasto continua, com tudo o que de normal acontece, inclusive o derramar de vinho tinto na toalha. Raio que os parta a todos. Dizem que significa dinheiro, mas para mim significa é que tenho de lavar a toalha umas trezentas vezes para ver se sai esta nódoa de vinho tinto gigante.
Vendo-os tão animados, decido que é a altura. Vou à cozinha e pego numa garrafa de Moet e Chandon. Os convidados ouvem o barulho característico da abertura do champagne, e quedam, expectantes. Vem aí coisa boa.
Apareço com a garrafa de Moet e Chandon numa bandeja e com copos cheios de champagne borbulhante. Ofereço o primeiro copo à pessoa que mais dá ares de entendido em vinhos, e que olhando mais para o rótulo do que para o líquido, diz “Excelente”. E sirvo a todos.
Resolvo não dizer a ninguém que afinal o "excelente" Moet e Chandon é apenas uma garrafa vazia, e que a enchi de champagne do Lidl que me custou 4,50€. Pelas vezes que repetiram, gostaram muito, e pelo menos assim já podem dizer “Eu até bebi Moet e Chandon na Ceia de Natal!
Para finalizar o jantar, e como prenda antecipada, o cão larga uma bufa tão nauseabunda que metade se levanta para fugir, enquanto a outra corre atrás do desgraçado. E eu fiquei sentado, impávido e sereno, com desejos de castrar o bicho. Mas fiquei-me apenas pelos pensamentos.
Ao aproximar-se a meia-noite, as crianças, com a antecipação da abertura das prendas, começam a guinchar de excitação, como se fossem ratos a serem espremidos. Uma delas não aguenta mais e precipita-se para a pirâmide de prendas. E as outras seguem-na, em catadupa.
Perante esta guinchadeira, os convidados toparam logo que os meus copos de champagne não eram de cristal, senão tinham-se partido, tais as notas estridentes. As crianças começam a rasgar papel como se não houvesse amanhã, enquanto os seus babados pais faziam vídeos.
No meio do ruido do rasgar de papel, de guinchos e amuos, do ladrar do cão, de pessoas que se alhearam e das que são piores que os miúdos, aqui estou eu, à espera que me calhe alguma coisita, sentado, a beberricar um Moscatel.
Aparece-me o marido da Mónica com uma prenda que, pelo formato e peso, só pode indiciar um livro. Abro-o, com um sorriso, e vejo claramente que é daqueles que estavam com um desconto de 80%, no molho dos autores desgraçados e desesperados, à entrada do Continente.
Dou-lhe um abraço e digo, falso como Judas “Grande amigo, tens muito bom gosto. Já andava de olho neste livro. Obrigado”. Acho que nem ele acreditou nos meus “sinceros” agradecimentos. Só desperto da minha própria falsidade quando levo com um pacote leve na cabeça, o que significa que acabo de receber o que mais desejo.
Meias”, e abro um grande sorriso, desta vez totalmente sincero. Não é que adore meias, que precise de meias, que tenha algum fetiche por meias. É que todos os anos, pelo Natal, recebia meias. E para mim não há Natal sem meias. Só por isto valeu a pena toda esta confusão. Finalmente tenho Natal. “Obrigado a todos!
Desejo a todos vocês uma excelente Ceia de Natal. E muitas e boas prendas no sapatinho.
(fim)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A minha Ceia de Natal (1 de 2)

Estou deitado na minha cama a olhar para o tecto. Nem sei se estou a dormir ou acordado. Só sei que as horas teimam em não passar, e eu aqui, a pensar na minha vida, e especialmente na pergunta, à qual não consegui obter qualquer resposta:
Onde estava eu com a cabeça para convidar esta cambada toda para a minha Ceia de Natal?
Pouco passa das seis e meia da tarde e toca a campainha da porta, significando que pelo menos uns convidados acabaram de chegar. Raio que os parta, pois toda a gente sabe que, nestas ocasiões, quando se marca para as sete da tarde é para chegarem lá para as oito.
Afinal era só a vizinha da frente a avisar-me que tenho a luz da escada acesa. E também para me desejar um Feliz Natal e blá blá blá. Está bem, está bem, igualmente, etc etc. Simpática. Mas fez-me perder tempo que não tenho para assar o meu peru gigante.
Passados uns minutos toca outra vez a campainha, mas agora sei que são já uns caraças de convidados, que por julgarem que Lisboa tem sempre imensas filas de trânsito, teimam em sair cedo de casa. E é escusado dizer-lhe alguma coisa. Ponto.
Chegam carregados de prendas, de doces, de casacos, de gritaria, a pedir e a dar abraços e beijos, como se não me tivessem visto há, pelo menos, uns oito meses. Porra, estivemos juntos na semana passada, cabeçudos de um raio.
Bem antes das sete da tarde já lá estava todo o maralhal, aos pulos. E eu sem ter o recheio pronto, com um sorriso amarelo, sem conseguir prestar a devida atenção a todos, pois ainda tinha tanto ainda para fazer. Eles bem falavam comigo, mas eu só olhava para o lado, inquieto.
A coisa acalmou-se quando todos se cumprimentaram, e eu, de fininho, escapuli-me para a cozinha para ultimar as coisas. Recheio de peru e o próprio, batatas, bacalhau, peru, arroz, molhos, aperitivos, vinho, sumos, água. Fora os doces, que são sempre por conta dos convidados.
A coisa parece estar a correr bem. A pouca ajuda que se disponibilizou para fazer alguma coisa mostra-se eficaz e eficiente, tratando de tudo o que eu não deitei a mão. O resto da malta fica fora da cozinha, a coçar as partes furibundas. Há sempre pessoas que nem se oferecem para fazer coisa nenhuma. Devem julgar que os outros são criados deles.
O peru está no forno, o bacalhau na panela, a mesa está quase pronta, e o cabrão do cão portou-se tão bem que ainda nem fez nenhuma necessidade dentro de casa. Estou feliz. Permito-me conviver um pouco, mas sempre de olho na cozinha.
Toca o despertador. Tinha chegado finalmente a hora. O peru está assado. Olho para a crosta. Está tostadinha. Espeto o palito. Sai seco. Olho para o molho. Está grossinho. Olho para mim. Estou orgulhoso de mim mesmo. Temos cozinheiro. Só me falta a estrela Michelin.
Cuidadosamente, retiro a bandeja do peru do forno. Está bem quentinha. Tento pousá-la no fogão, mas já lá estava a panela do bacalhau. Tento desviá-la, mas as batatas cozidas também lá descansam. Olho para a mesa e vejo que está ainda mais cheia que o fogão.
Sinto o calor abrasador a bandeja a penetrar-me os dedos, pois tinha apenas um pano de cozinha entre estes e a bandeja do peru. Julgava que este processo ia demorar uns meros segundos, mas já estava a demorar uma eternidade. De repente, o calor atinge-me.
Largo a bandeja e o peru cai estrondosamente no chão, rebolando, e ao pousar, abre as suas pernas, parecendo uma meretriz debochada. Eu urro de dor das queimaduras dos dedos mas ninguém me liga nenhuma. Só importa mesmo é o cabrão do peru!
Ai o peru, ai o peru”, grita a Mónica. E apanha o bicho todo desconjuntado e atira-o para dentro da bandeja, já sem molho nenhum. Este estava a formar poça, para gaudio do oportunista do cão, que se estava a deliciar tanto do molho como do recheio, todo espalhado pelo chão da cozinha.
Depois de fechar a porta com o pé, ocultando o desastre nuclear que tinha ocorrido dos olhares desatentos, digo à Mónica que coloque o cabrão do peru noutra travessa, e siga a marinha que vai mesmo assim para a mesa. Ela olha para mim, espantada.
Segue a regra dos três segundos” digo com firmeza, enquanto banhava os meus desgraçados dedos em água fria. “Mas quais três segundos? Foi mais três minutos, não?”, diz ela, e com toda a razão. Mas fazer o quê? Comer biscoitos na Ceia de Natal?
Esse peru ia para cima da mesa nem que o cabrão do cão lhe tivesse mijasse em cima!”, digo, abrindo muito os olhos. Ela, de sorriso amarelo, diz que sim com a cabeça, enquanto tentava ajeitar as pernas todas debochadas do peru na travessa.
Os meus dedos parecem batatas fritas cobertas de ketchup, tal o inchaço e a cor vermelha que apresentam. Tendo ouvido barulho, aparece na porta a careca do Binho, a perguntar “Está tudo bem por aqui?”, ao qual eu respondo, furioso: “Põe-te já nas putas, meu cabrão!
(continua)

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Trevas na minha Alma

Talvez pela influência das histórias que ouvi e li em criança, a verdade é que desde sempre as florestas densas e escuras me fascinaram, mesmo aquelas que não permitem nem que os próprios raios de sol entrem nos seus domínios de trevas.
O autor que melhor descreveu um tal ambiente foi J. R. R. Tolkien, em “O Hobbit”. Nessa obra, os personagens perdem-se numa gigantesca floresta, cheia de aranhas gigantes e de elfos fugidios.
A riqueza de pormenores é tal que o leitor comum aflige-se verdadeiramente, tantas são as desventuras sofridas pelos personagens, perdidos num mundo de eterna escuridão. Eu, estranhamente, invejava-os.
Realmente, não sei o que consigo encontrar de tão fascinante um lugar sem luz e cheio de perigos ocultos. Talvez por ser um mundo completamente diferente daquele a que estou habituado.
Sei, no entanto, que este é um dos lugares preferidos da minha Alma, pois sabendo que aí os sentidos como a visão são inúteis, e imperando apenas as sensações, ela seria Rainha incontestada.
Assim, quando penetrar numa dessas florestas negras, e de tão cego ficarei de sentidos, que não me restará outra opção senão deixar-me levar pela minha Alma, rumo ao desconhecido, rumo às minhas mais profundas trevas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Eu, Corcunda de Notre Dame, me confesso!




É noite de Halloween e aqui estou eu, disfarçado de Corcunda de Notre Dame, com uns amigos, no meio de uma multidão que bebe álcool como se não houvesse amanhã. Sim, leram bem. Estou vestido como o Quasimodo.
A já famosa Rua Vermelha do Cais do Sodré, em Lisboa, é o centro de um caleidoscópio de cores, sons e cheiros de centenas de pessoas disfarçadas, num entra e sai dos seus numerosos bares. E eu, infeliz e deslocado, ali no meio...
A corcunda incomodava-me tanto que pensei em deitá-la fora. Mas depois ficava como? O ex-Corcunda de Notre Dame? Ridículo. Aguento-a mais um pouco.
Na realidade, nesta aventura limitei-me a escolher o disfarce, sem imaginar sequer para onde aqueles doidos me iriam levar. Só soube depois.
Quando me apareceram em minha casa não tive outra alternativa senão acompanhá-los nesta verdadeira loucura. Logo eu, que cultivo o sossego, a ordem e as horas certas para tudo e mais alguma coisa.
Mas que digo eu? A minha vida tinha-se tornado uma grande monotonia. Uma seca monumental. Precisava urgentemente de conhecer outras pessoas, e especialmente de ser apresentado à minha cara-metade, pois ainda não tinha tido a oportunidade de a conhecer!
Em frente ao Bar Roterdão, olho em redor e reparo numa mulher de discreta beleza, madura, mais ou menos da minha idade, e ela parecia estar realmente divertida . Pagava para estar assim, mas não estava a conseguir.
Vejo algumas pessoas a olhar para mim, mais para saberem se sou, ou não, um verdadeiro corcunda. E noto-lhes o desalento ao repararem que, afinal, a corcunda é falsa.
De repente, a tal mulher aproxima-se de mim, rápida e decidida, e apalpa a corcunda. Ao constatar que era apenas esponja, grita para o seu grupo “Esta merda é falsa!”, e a brincar, dá-lhe uma palmada, atirando-a ao chão.
Ri-me com a situação, mas ela fica horrorizada “Desculpa, coiso, não queria estragar o teu disfarce.” E apanhando a espuma do chão, tenta colocá-la de novo nas minhas costas.
Afasto-me dela um passo para lhe demonstrar que não queria mais aquilo, e aproveito apresento-me “António. De Notre Dame”. Surpreendida, ela olha-me firmemente nos olhos e diz, num repente, diz Esmeralda” e cumprimenta-me com um aperto de mão. O raio que a parta pela sua (enorme) espontaneidade. Rimo-nos até cairmos para o lado. Literalmente.
Para quem não sabe, Esmeralda é o nome da cigana por quem o Corcunda de Notre Dame se apaixona. Bom prenúncio.
Podem não acreditar, mas ela afinal chama-se mesmo Esmeralda. E eu António. Mas não de Notre Dame. Qualquer dia ainda vou a Paris visitar o Quasimodo.
Reparo que ela tem rugas de riso. Adoro isso. Gosto dela.
Os nossos grupos juntam-se e depois das apresentações da praxe, entrarmos, em ruidosa turba, na Pensão do Amor. Foi a loucura. Como há loucuras para todos, cada um escolheu o seu canto predilecto. E nós o nosso. E fomos saber o nosso futuro nas cartas, nos búzios ou seja o que for.
E ali estava o Corcunda de Notre Dame e a Esmeralda, à espera de saberem da sua sorte, olhares fixos e ansiosos no vidente. De súbito, este olha com seriedade para nós e diz: “Acho que é desta que o Quasimodo e a Esmeralda ficam juntos!
Entusiasmado com a boa notícia, dou um beijo leve nos lábios da Esmeralda. Ela riu-se e retribuiu. Ao ver no que isto ia dar, o vidente sai discretamente da sala, corre a cortina e coloca a placa “Não incomodar”.
E vivemos felizes para sempre. Ou talvez não….
Nota: Só para que conste, o nosso Casamento não se realizou na Notre Dame de Paris nem a Lua-de-Mel na Eurodisney! Foi tudo em Tavira!

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A Fuga (4 de 4) Final

Sei que a Rita me vai ligar logo que descobrir que levei todos os meus pertences de casa dela..."
Parecia coisa de doidos, mas agora o que mais desejava é que a Rita me ligasse. Esta espera, neste silêncio, era uma agonia em estado puro.
Não tinha tido a coragem necessária para lhe dizer que me queria ir embora de casa dela porque a nossa relação estava numa fase menos boa.
Nem sabia ao certo como e quando tinha começado a surgir este mal-estar em mim. Continuava a gostar muito dela, não havia terceiras pessoas no meio, mas…..
E se a Rita já descobriu que me fui embora e está feliz por voltar a estar solteira? Será que está a festejar? E com quem?” O meu nível de stress começou a aumentar enormemente.
Toca o telemóvel e penso “É ela!", mas não era. Era apenas de um Call center.
Pensava que nesta altura estaria feliz por estar sossegado, mas não. Sentia-me sozinho e esse sentimento não era, de todo, agradável.
Voltei à minha dúvida: “Estarei a fazer o mais correcto ou a cometer o pior erro da minha vida?”. E pego no telemóvel para ligar á Rita, para lhe dizer que a amo. E agora ainda mais.
De súbito, ouço chaves a abrirem a porta e esta abre-se, e vejo a Rita a entrar apressada, carregada de sacos de supermercado. “Querido, ainda bem que já chegaste a casa. Podes ir ao meu carro buscar o resto dos sacos?”.
Demorei uns segundos a chegar à brilhante conclusão de que sou o tipo mais estúpido de sempre!!!
Tinha-me esquecido completamente que iamos fazer, hoje à noite, um jantar com amigos, aqui, na minha casa…
Escolhi mesmo uma óptima ocasião para “fugir para casa”......

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A Fuga (3 de 4)

Será que Homem e Mulher foram mesmo feitos para viverem juntos? Mas se souberem a resposta, por favor não digam, pois eu nem quero saber!
Segundo uma teoria minha, o início de uma relação sentimental assume uma de três formas: Truculento, Turbulento ou Idílico.
Se tiverem um início de relação Truculento, quanto mais rapidamente forem à vossa vida, melhor. A não ser que gostem do andar à pancada, claro. É que vai ser sempre assim.
Se for um início Turbulento e se forem espertos, serenam os ânimos e poderão vir a ter uma vida de casal razoável, sem grandes dramas mas também sem grandes expectativas.
O pior é se for um início de relação Idílico. Nesse caso aconselho a ir cada um à sua vida agora mesmo. Se não vejam...
O Idílico está apaixonado pelo ar que o outro respira, ama o chão onde este pisa, adora a fragância que o outro emana…. Mas que nojenta e insuportável pieguice. Até já estou com vontade de vomitar as tripas.
O pior é quando esmorece a Paixão, e o idílico tenta por todos os meios voltar à Felicidade. Quando descobre que esta já não volta, é o total desastre!
Frases como “Tu antes fazias tudo por mim”, “Vejo que já não gostas de mim”, “Tu afinal nunca me amaste!” são normais nesse período.
Confesso. Eu sei estas coisas todas porque eu próprio fui um idílico. E como todos os outros, caí e parti-me todo!

terça-feira, 2 de outubro de 2018

A Fuga (2 de 4)

Fecho os olhos e começo imediatamente a recordar as várias ocasiões felizes que tive com a Rita. E senti imensa tristeza por já terem acabado.
Temos o péssimo hábito de só nos lembrarmos da felicidade quando já não a temos.
Chamam saudade ou nostalgia a esses pensamentos, mas prefiro chamá-los pelo nome certo: Masoquistas. Pensamentos total e estupidamente masoquistas!
Entre mim e a Rita nem parece ter havido história, pois decorreu dentro da mais profunda das normalidades: Homem e Mulher conhecem-se, relacionam-se, e de repente dão-se conta que começam a passar mais tempo juntos que sozinhos. E gostam.
Aproveitando que “a coisa até está a correr bem” , tomam a decisão de morarem juntos, pois já não conseguem estar longe um do outro. Idílico, não é? Eu também pensava assim....
E eu vos pergunto. Mas o que leva duas pessoas, a viverem tão bem sozinhas, completamente independentes, livres e desimpedidas, a voluntariamente, prescindirem de grande parte da sua liberdade?
Eu considero que este é o maior mistério da humanidade. Maior ainda que o desaparecimento dos dinossauros ou da origem do universo.
Sabendo todos desse facto, porque é que ninguém me alertou de nada? Porque é que ninguém me agarrou pelos ombros e olhando-me nos olhos, disse "NÃO FAÇAS ISSO!!!"
Claro que agora vão aparecer a dizer "Eu devia-te ter avisado, pois eu sabia que ela não era mulher para ti" os mesmos que me disseram "Estou tão feliz por ti, amigo!!!".

Cambada de hipócritas. E de otários. Bem, otários não lhes posso chamar porque eu próprio sou um, e dos grandes, por sinal.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A Fuga (1 de 4)

Muito devagar, coloco a chave na fechadura, abrindo lentamente a porta. Mesmo tendo a certeza da casa estar completamente vazia, espreito lá para dentro antes de entrar. Só para me certificar.
Estou a fazer o melhor para mim ou a cometer a maior loucura da minha vida?”, digo baixinho.
Retorno à minha casa no final de um magnífico dia de verão e esta estava como eu tinha deixado. Inspiro profundamente, dou um passo e entro.
A porta, ainda aberta, parecia significar de que eu não estava plenamente certo do que estava a fazer. “Enquanto não fechar a porta, posso sempre voltar atrás nesta minha decisão”.
Mas na realidade já não podia. E de resto nem queria. Fecho a porta lentamente, como a pedir perdão pelo que estava a fazer. E especialmente à Rita.
Senti-me naquele momento completamente isolado do Mundo. E se antes adorava essa sensação, agora estava simplesmente a odiá-la. E nem sabia porquê.
Sentei-me no chão e fechei os olhos, deixando a nostalgia invadir-me. Mas antes de conseguir centrar-me nesses sentimentos, toca o telemóvel. E eu sem vontade nenhuma de o atender….
Mas será que já é a Rita? Tão cedo? Já terá chegado a casa dela e dado por minha falta?” Não era. Afinal, era só a minha irmã.
Atendo com uma voz de meter medo ao susto “Sim, diz…” ao que ela responde, já irritada “Chiça, mano! Mas isso é modo de falares comigo? Estás sozinho? Podes falar? Já chegaste a casa? Podes falar?
E lá continuou ela o monólogo. E eu sem nenhuma pachorra para a aturar!
Silenciosamente, coloco o telemóvel no chão, deixando-a a falar sozinha.
Viva o sossego! E a liberdade....

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Renascer

O Sol está a desaparecer tão rápido do firmamento que até julgo que este tem pressa em abandonar a cena. Será que ele tem medo do escuro? Da escuridão, só tenho medo da que existe na minha alma, confesso.
O barulho das ondas a quebrarem, pesadamente, na praia, torna-se cada vez menos presente, enquanto o ruído dos meus pensamentos me enche a cabeça, até não saber, sequer, se é noite ou dia, se chove ou se faz sol, ou se as gaivotas, afoitas, já estão em cima de mim, em busca de qualquer resto de comida.
Os pensamentos tomam-me definitivamente de assalto e eu quebro, como as ondas. Por momentos ainda tento resistir, voltar atrás, concentrar-me na idílica visão do pôr-do-sol, sonhar acordado, mas tal já não me é possível. Estou perdido nas minhas dúvidas.
Como é que isto tudo aconteceu? Como é que a minha vida ficou assim? Como é que não dei por isso? Porque é que ninguém me alertou? Como me deixei transformar naquilo que mais temia vir a ser? Porque é que as coisas boas acabam assim?
As perguntas sucedem-se a um ritmo tal que não me deixam raciocinar, responder, argumentar, defender-me. Sou acusado por mim mesmo num tribunal que não admite defesa nem recurso. E as penas são todas cruéis, sendo a mais leve o degredo.
Sei que choro por dentro mas não tenho a certeza se choro por fora. Mas dane-se se quem me esteja a ver e que não goste de ver um homem feito nesses propósitos. Eu só choro com razão, e por fortes sentimentos. É que se não sabem ficam a saber, que mesmo homens feitos têm sentimentos. E choram.
Por ela estou a chorar pela segunda vez. E em ambas, pela ideia de a perder. Mas como tudo mudou. Na primeira vez chorei porque a ia perder, por sua decisão. E hoje choro porque a vou perder, mas por minha única e exclusiva vontade.
Se o sentimento mudou foi para ficar ainda mais forte, mais robusto, mais interligado. Mas, infelizmente só isso não chega. É preciso mais do que sentimentos. E sei agora que esse mais não está ao alcance de todos, só de alguns. Talvez esses tenham apenas mais sorte. Ou apenas mais bom senso.
Quantos têm sentimentos um pelo outro e não estão juntos? Serão tantos como aqueles que estão juntos e não têm sentimentos um pelo outro? A vida é injusta para com o Amor, pois muitas vezes junta quem não se quer, e afasta quem se quer.
Lentamente afasto a bruma dos meus pensamentos, das decisões e indecisões, dos sentimentos, das emoções, das relações, das gaivotas, da luz e da escuridão das almas, das questões, dos íntimos tribunais, das suas e penas e dos degredos.
Regresso a mim, como num longo acordar, e abrindo os olhos vejo o sol a renascer. Tal como eu….

terça-feira, 24 de julho de 2018

Cansado

Sinto-me cansado….
Cansado de tudo e de todos, mas também de rir, de chorar e até de (não) gritar.
Cansado do calor, do frio, do vento, da chuva (ou da falta dela) mas também das filas, sejam elas de trânsito ou de qualquer outra coisa.
Cansado de sofrer, de fazer sofrer, de perdoar e de (muitas vezes não) ser perdoado. Ou de nem sequer ser desculpado....
Cansado de quem tudo promete e que nada faz. Mas que estúpida e estranhamente, persiste em continuar a prometer. E de nada fazer.
Cansado de egoísmos e de egoístas, de prestigiadores, de fala-baratos e de falinhas mansas.
Cansado principalmente de mim próprio, especialmente por tanto aturar sem razão nem proveito.
E por isso tudo, sinto-me cansado e a precisar de férias. Especialmente de mim mesmo.
Portanto vou a banhos! Pode ser que ainda volte… 

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Felicidade, Amor & Paixão


Tenho-me apercebido que algumas palavras, por sinal muito importantes, possuem significados completamente diferentes, consoante a interpretação dada pelas pessoas.
Falo da FELICIDADE, do AMOR e da PAIXÃO.
Para alguns, Felicidade é algo muito raro, e que quando surge, é apenas por breves momentos, sendo um sentimento supremo e superlativo.
Já para outras pessoas (e noto isso especialmente nas mais novas), Felicidade é algo corriqueiro, normal, exigível que seja permanente. Se “estão” com a pessoa de quem gostam, são “felizes” (mesmo que a relação deles seja uma verdadeira trampa).
Para uns, Amor e Paixão são sentimentos / emoções completamente distintos. Amor é um sentimento adulto, maduro, sereno e quase sempre duradouro. Em contraponto, a Paixão uma emoção fortíssima, obsessiva e ciumenta, originando uma grande atracção sexual.
Para essas pessoas, a Paixão aparece poucas vezes na vida, e dura até três meses (um apaixonado não consegue aguentar mais, dado o estado de semi loucura em que se encontra), pois é como uma chama intensa que tudo consome com rapidez. E pode (ou não) resultar em Amor.
Já para outros, Amor e Paixão significa exactamente o mesmo. Se gostam de alguém (ou amam), estão “apaixonados” (mesmo que essa emoção seja tão "intensa" como comer um cheeseburguer sem sabor).
Assim, quando deixam os seus parceiros, alegam que já “não estão apaixonados”, e por isso “deixaram de estar felizes”. E cada um segue a sua vida, sem dramas. Mas também não deverá haver grande mal ao mundo, pois alegam que lhes é bastante fácil e frequente “apaixonarem-se”.
Como tudo na vida, os conceitos evoluem, os significados alteram-se e até as palavras mudam. Já os verdadeiros sentimentos nunca mudam, sejam eles muito ou pouco intensos ou duradouros.
Assim sendo, questiono-me é se alguma saberei, verdadeiramente, o que é a Felicidade, o Amor e a Paixão….

sexta-feira, 29 de junho de 2018

A Angústia

Como ondas nas rochas, sinto a Angústia a bater forte em mim. E perante tal magnitude, limito-me a resistir o melhor que posso.
Estou sentado numa rocha, em frente ao Mar a perder de vista, entretendo-se este a salpicar-me com as suas gotículas salgadas.
Sinto que estou bem onde estou, e por isso, bem comigo mesmo. Não conheço melhor sensação.
No processo de viver o momento, tento remeter para o esquecimento o que já sofri, e sem querer antecipar o que ainda me falta sofrer. Bendita consciência e memória, que a tanto me poupas.
Cai a noite e olho sem interesse para as estrelas que começam a aparecer no firmamento. Sei que possuo um universo bem maior, dentro da minha própria consciência.
Abandono a rocha segura e o mar travesso, frustrado por não ter conseguido que uma única gotícula de Angústia tenha saído dentro de mim.
Foi sem surpresa que a vejo, sentada no areal. Ela esperava por mim, com um largo sorriso nos seus olhos.

Respondo com outro sorriso, e agarrando-lhe a mão, aceito-a como companheira da minha viagem. Juntos, unidos, até ao fim.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

DARK SOULS 8 Abel II (FINAL)

Então esta gaja corre escada acima? Mas onde é que ela vai? Chiça, não posso gritar. Tenho é de ir atrás dela.
E lá vou eu atrás daquela lunática, escada acima. "Que noite estúpida estou a ter. Devia era ter telefonado para a esquadra e pedir reforços. Isto já não é para mim. Estou a ficar velho para estas porcarias!"
Cheguei ao patamar do 4º andar quase ao mesmo tempo que a doida da mulher, mas sinto que com a correria fizemos demasiado barulho para aquela hora da noite. E continuo sem saber que perigo o namorado dela poderá estar a correr.
Ela tira um molho de chaves da mala e coloca uma chave na fechadura, mas no nosso movimento as luzes tinham-se acendido automaticamente. Parámos ambos, e a olhar um para o outro, esperámos que as luzes se apagassem.
No escuro, a mulher rodou a chave na fechadura, e começou a abrir a porta devagar, muito devagar.
Pode detrás dela coloco o cano da minha pistola na abertura da porta, como se ela tivesse olhinhos que me pudessem fazer ver alguma coisa.
O que sucedeu a seguir foi digno de um filme!!!!
De lá de dentro alguém abre a porta de repente e atrás dela surge um homem com um facalhão, que, com a força de tentar espetar a faca em alguém, cai de cara no chão. Julgava eu.
Quando as luzes do patamar se acendem automaticamente, vejo uma outra mulher que, também de dentro da casa, tinha acabado de esfaquear as costas do homem. Por isso é que ele tinha caído daquela maneira.
E ao ver aquela cena, a namorada dele grita alto “Joaquim!
Sem pensar, disparo, e a mulher, ex dele (soube depois), caiu, redonda no chão. Mas com um sorriso na cara.
"Colega, atingi uma mulher com um tiro. Sim. Ela tinha acabado de espetar uma faca nas costas de um homem. E eu disparei. Sim, ela está morta. Na realidade, estão ambos mortos."
The End

quinta-feira, 7 de junho de 2018

DARK SOULS 7 Joaquim III


Está aqui alguém em minha casa! E só pode ter más intenções!!!
No mais profundo silêncio da noite, ouvia claramente alguém, algures na sala, a respirar, chorar e até balbuciar. Eu estava em pânico, ao ponto de não me conseguir sequer mover.
Será que fiz tão mal a alguém? Por dinheiro não deve ser, pois não tenho nenhum.” Pensava, enquanto tentava libertar, inutilmente, o meu corpo da rigidez.
Através da atenção à minha respiração tento acalmar-me. Respiração profunda uma, duas vezes. Outra vez.
O exercício de respiração tirou-me muita da ansiedade, e comecei a raciocinar um pouco melhor.
De repente, ouço barulhos na escada do prédio. Reconheço claramente os sons de pessoas a correr escada acima. E a aproximarem-se.
Os sons dos passos param abruptamente no meu andar, e a minha ansiedade regressou em força, fazendo-me até esquecer a ameaçadora sombra que se tinha introduzido dentro de minha casa....
De repente, ouço uma chave a entrar na fechadura da minha casa. Estão a abrir a porta de minha casa!!! Mas hoje todos tiraram a noite para me fazerem mal ou quê? Mas isto não fica assim! É que não fica mesmo!
Em fúria, vou para a cozinha e agarro no maior facão que tenho e, aproveitando o facto de estar descalço, não faço barulho nenhum ao aproximar-me da porta da rua.
A porta abre-se muito devagar, e na sua abertura espreita o cano de uma arma….
Então vieram cá mesmo para me matar! Mas eu já vos digo, meus cabrões!
Num acto repentino de insanidade, abro de repente a porta e espeto o facão! E nesse preciso instante ouço alguém gritar o meu nome.....
JOAQUIM!!!
E a arma dispara, num violento estrondo!

quarta-feira, 30 de maio de 2018

DARK SOULS 6 Rita II

Com a chave que o Joaquim me tinha dado, abro a porta do prédio, com o guarda Abel, já de arma na mão, a seguir-me de perto.
Tinha-lhe explicado que o meu namorado estava em perigo, e apenas lhe omiti que tinha obtido essa “informação” através de um sonho. Acho que se tivesse dito isso, decerto seria eu a acompanhá-lo, à esquadra mais próxima….
Subimos sem ruído os degraus até ao quarto andar, não recorrendo ao elevador, pois faria muito barulho.
O guarda Abel ia à frente, de pistola em punho e com o cano virado para cima, como nos filmes. Aliás, ele estava a parecer um bocado teatral. Mas como não tinha melhor, este teria de servir.
Eu ia logo atrás dele, empurrando-o de vez em quando, pois ele, em vez de subir os degraus de seguida, a cada esquina parava e olhava.
Vá, ande rápido!”, dizia-lhe eu, empurrando-lhe as costas e incitando-o para ir em frente. “O Joaquim está em perigo de morte!", sussurrava eu, com os nervos.
De repente, o guarda Abel levanta a mão em sinal de paragem, e virando-se para trás, pergunta: “Mas afinal o que é que vamos encontrar lá em cima?
Olho para ele com cara de poucos amigos e sem paciência para parvoíces, digo-lhe “Não sei. Lá em cima veremos. E agora ande lá depressa antes que se dê uma tragédia.
Obviamente a resposta não agradou ao guarda Abel que, com cara de incrédulo fez sinal para que descêssemos as escadas.
Contrariada, acedi e desci alguns degraus. Reparei que o guarda Abel tinha colocado a arma no coldre e se tinha colocado ao meu lado.
Parecia que o meu acto heróico se estava a desvanecer, e que tinha de contar a verdade ao polícia.
E para começar, o melhor era ligar para o Joaquim para saber se ele estava ou não em perigo, ou então se estava a dormir. Ou a curtir a noite.
Num repente, viro-me e subo as escadas rapidamente. ”PARE!” disse ele, em surdina. Mas eu não parei…..

terça-feira, 29 de maio de 2018

DARK SOULS 5 Marta I

Aqui estou eu, sentada no escuro, a meio da noite, com uma faca afiada na mão, pronta para a usar!
Sinto que nasci para o que vou fazer. E vou fazê-lo. Sem remorsos nem hesitações.
Pensamentos destes enchem-me a cabeça e incitam-me para fazer algo que me repugna. Sinto vontade de vomitar só de pensar nisso.
Encolho-me mais um bocadito, mas nesse movimento sinto que a mão direita aperta com mais força o cabo da faca, até os nós dos dedos ficarem translúcidos.
Tinha entrado em casa dele horas antes, com a firme decisão de o matar. Mas agora, a parte da minha alma frágil e delicada estava, aos poucos, a dominar.
"Eu fiquei completamente destroçada quando ele me disse que estava a gostar muito de outra mulher." Passei a odiá-lo e a amá-lo ao mesmo tempo. E esta divisão mantêm-se no meu coração, pois tenho uma faca na mão e lágrimas nos olhos.
Como sou tola. Não devia ter tomado esta decisão. No fundo não quero fazer nada disto.” Mas reparo que a minha mão se recusava a largar a faca.
Dedico a minha atenção à mão, e lentamente dou-lhe ordens para que largue a arma letal, mas ela não obedece. Fico assustada. “Estarei completamente louca???
A minha mão esquerda tenta separar a faca da outra mão, mas não consegue. Parecia que o cabo da faca era uma extensão da mão.
Larguei-me a chorar baixinho, e aos soluços. Afinal parte de mim quer mesmo fazer-lhe mal.
Senti que a parte da minha alma boa não tinha poder nenhum quando o mal tudo domina. E senti-me capaz de morrer.
E se????” Era um dois em um e acabavam-se os sofrimentos todos de uma vez. “E lixem-se os que cá ficam!
E fortalecida por este novo e perverso sentimento, fiquei estranhamento aliviada por, afinal, não ter largado a faca. “Sim, é isso mesmo! Vamos lá a isso!
E lentamente começo a colocar-me em posição, como uma pantera antes de atacar….. 

quarta-feira, 23 de maio de 2018

DARK SOULS 4 Abel I

Mas que raio é isto? A que velocidade é que este vai? Julga que está numa corrida de Fórmula 1 ou quê?
E ao mesmo tempo que aponto o medidor de velocidade portátil do carro-patrulha, começo a perseguir o Golf cinzento claro pela via rápida.
A 183 quilómetros hora, numa via em que só pode circular a 80? Só pode estar a brincar!
E sem assinalar a perseguição nem com luzes nem sirenes, persigo o Golf a toda a velocidade, sentindo que poderia haver nessa pressa algo muito estranho.
Na perseguição, reparo com espanto que o Golf é dirigido por uma mulher, o que me deixa mais cauteloso.
De repente, a condutora deixa a via rápida e dirige-se para um sossegado bairro, retomando uma velocidade legal. Eu, ao verificar que ela está prestes a estacionar, encosto o meu carro em segunda fila, pronto para a abordar.
Ao encostar a minha viatura e sem nada que o faça o prever, ouço um grito estridente. Dado não haver mais ninguém na rua, depreendo que é a condutora, e saio da viatura, apressadamente:
Mas que se passa, minha senhora? Porque grita desta maneira? Olhe que vai acordar o bairro inteiro!
A condutora olha para mim e grita ainda com mais vigor, assustada pois decerto não devia estar à espera de ser abordada na rua, àquela hora da madrugada.
Mesmo com a minha já longa experiência como polícia, confesso que fiquei sem saber o que fazer ou dizer. Surpreendido, nem reagi!
A mulher, ainda a gritar, atravessa a correr a rua e dirige-se para um prédio, sempre a olhar para mim, receosa, tremendo toda.
E eu penso “Se vou atrás dela começa a gritar ainda mais alto. Vou-me embora! Vou notificá-la por escrito pelo excesso de velocidade e acabo aqui a história!
Ao dirigir-me ao carro-patrulha, reparo que os gritos tinham cessado. Curioso, voltei a cabeça para onde a senhora deveria estar, mas ela já estava atrás de mim.
E ela, agarrando-me pelos ombros e abrindo muito os olhos, disse-me:
SR. GUARDA, PRECISO DE SI. E JÁ!

segunda-feira, 21 de maio de 2018

DARK SOULS 3 Rita I

Acordo de súbito como se tivesse emergido do fundo do mar, a absorver todo o ar que podia. Estava a sonhar com o Joaquim e ele estava em grande perigo.
Apalpo a mesinha de cabeceira em busca do telemóvel e verifico se há mensagens. Nada.
Percorro as aplicações de mensagens das redes sociais e de comunicações. Porque será que há tantas? Só me fazem perder tempo.
O meu cérebro racional manda-me adormecer novamente, mas o mais primitivo é que manda, e ordena que siga o meu instinto.
O JOAQUIM ESTÁ EM PERIGO!
Ligo-lhe de imediato e de imediato desligo. Se ele estiver em perigo, o toque do telemóvel ainda o poderia colocar ainda pior, penso.
Decido ir ter com ele, mesmo sabendo que estou no meio da noite e que ele mora do outro lado da cidade, que não é pequena. Mas ele merece.
As minhas roupas devem ter ganho vida, pois sem ter dado por isso estava vestida e pronta para sair. Encho o peito de ar e saio de casa.
Seja o que Deus quiser!”, digo baixinho. E entro no elevador, em direção à garagem.
No caminho para casa do Joaquim, ignorando o trânsito quase inexistente, começo a pensar no que lhe iria dizer.
Vim ter contigo a meio da noite porque tive um pesadelo horrível em que estavas em perigo, e por isso não te podia telefonar! Hum, Mais vale dizer-lhe que quero passar a noite com ele!
Assusto-me com a falta de coerência, lógica, tino, seja o que for, daquilo tudo! “Mas que raio estou eu a fazer?
Travo o automóvel, pronta para voltar para casa quando reparo que o meu “piloto automático” já me tinha colocado na rua onde ele mora. Resolvo não regressar a casa.
Estaciono em frente ao prédio dele, mas ao fazer a manobra de marcha atrás, bato de leve num cão, que gane baixinho. Mas eu, ao sentir o toque, e já com os nervos à flor da pele, fico assustada e grito. Grito estridentemente!

segunda-feira, 14 de maio de 2018

DARK SOULS 2 Joaquim II

Com o susto decorrente da visão da sombra, fico hirto e firme, não me atrevendo a mexer um único músculo, enquanto um frio gelado percorre-me a espinha, de cima a baixo.
Vejo o silêncio a ganhar vida, e todo o meu corpo está atento a todo e qualquer ruído, como se direccionado num único sentido.
Afinal as sombras lá de baixo não me estavam a ameaçar, mas sim a alertar do perigo, mesmo aqui em cima…
Penso na vida que tenho, que tive, que quero ainda ter, nos meus entes queridos e naqueles que queria que o fossem.
Fecho os olhos com força e nem sei porquê. Talvez para ouvir melhor, sentir melhor, reagir melhor ao embate. Que não surge…
Fecho os olhos com força e já sei porquê. Porque tento fazer que o medo desapareça, que a sombra que se move que se afaste.
O silêncio continua vivo e viçoso, não permitindo que nenhum som escape das suas garras, e eu começo a sentir os meus pelos da nuca a eriçarem-se.
Sinto o perigo a aproximar-se, sem indícios, sem som, sem movimento. Apenas o sinto e cada vez mais próximo.
E fecho os olhos ainda com mais força, desta vez para ver com a alma e com o coração. Sinto o mal a aproximar-se e sei que nada irei fazer.
Quando já me sinto baquear, ouço um barulho de gritos estridentes na rua e abro os olhos, mas não me volto, com medo.
Sinto que o perigo que me ameaça também escutou os gritos e que também parou a sua aproximação.
Não me reconheço, pois nunca tive medo de nada! Mas hoje, e logo hoje, sinto-me estranhamente vulnerável a essa perigosa doença.
E a realidade é que tenho uma ameaça dentro de casa e não tenho coragem de a enfrentar.

Fecho os olhos com muita força, ignorando os gritos estridentes que continuam lá fora!

quinta-feira, 10 de maio de 2018

DARK SOULS 1 Joaquim I

Escurece e vejo as sombras a galgarem os passeios, importunando os incautos transeuntes, que de soslaio evitam encarar tais negrumes.
Estou completamente só na longa noite escura, e atento a tudo, especialmente aos movimentos ou sons que apenas no negrume conseguem existir.
Sob o céu chumbado que me cobre nada parece se passar, mas tenho a sensação que bandos de conspiradores se aglomeram atrás de cada esquina ou porta fechada de prédio.
Estou só na noite como na vida, observando, sorvendo o que se passa apenas pelo tacto, pelo cheiro, pelos sons, pois a visão de pouco ou nada serve.
Ali, na noite escura e tenebrosa, parecem irreais e longínquas as imagens de praias com areias douradas, águas tranquilas e pejadas de sol.
Sento-me na beirada da janela, olhando para baixo, para os seres vivos que fazem da noite o que é, prevendo as suas acções, os seus intentos, os sons e movimentos daí resultantes.
Estudo a noite como se esta fosse algo palpável, vivível, previsível, como se esta possuísse vida, alma, querer e vontade própria.
Recolho-me para a minha própria escuridão, pois as sombras ameaçam-me lá de baixo, por não gostarem de ser observadas.
Não me importo de deixar de ver as sombras da noite, pois por vezes são muito perturbadoras. Prefiro a minha escuridão, a sua serenidade e silêncio.
As minhas sombras não galgam passeios nem importunam ninguém, e apenas se escondem de mim por vergonha e timidez.
Antes de fechar os olhos à escuridão, sou atraído pela Lua branca que me banha a face, e lembro-me do uivo dos lobos. Como eu os compreendo….e invejo!

De súbito, pelo canto do olho, noto uma sombra a ganhar vida, algo inimaginável no recato da minha própria casa!

sábado, 21 de abril de 2018

O Último Romântico (A Paragem de Autocarro)

"Caraças, que vou ficar todo encharcado!" e ali estou eu, nesta manhã cinzenta, a correr para a paragem de autocarro, tentando escapar às grossas pingas de chuva. Ao chegar, deparo com um monte de gente que ocupa quase por completo o resguardo da paragem.
Ao olhar em redor, em busca de algum rosto conhecido, deparo com uma linda jovem, não daquelas voluptuosas que fazem parar o trânsito, mas sim daquelas belezas simples com traços de exotismo, misturada com serenidade e irreverência. No fundo, estranhamente atraente.
Começava eu a apreciar a beleza da jovem quando um vistoso carro pára junto da paragem, e sem sequer se dignar a sair da viatura, o seu condutor faz sinalética para a jovem, oferecendo-lhe boleia, ao que ela fingiu não reparar. Pelo que percebi, eles já se conheciam e talvez por isso estava a recusar a boleia.
Entre as várias pessoas presentes na paragem de autocarro, estava um homem, que apercebendo-se tardiamente da situação, dá um toque no cotovelo da jovem, dizendo-lhe “Menina, parece que aquele senhor ali do carro está a falar consigo”, e logo uma idosa simpática diz alto e bom som filha, se não quiseres a boleia diz ao teu amigo que aceito eu”, e todos nos rimos, até os jovens borbulhentos que com os olhos a brilhar dizem uns para os outros que “quando for grande quero ter um carro assim. E sacar as gajas todas”.
E ali estava eu, cada vez mais revoltado com o machismo do individuo, a insistir junto da jovem, numa sinalética tipo “entra no carro e deixa-te lá de coisas”, pois com o barulho da chuva era impossível ele fazer-se ouvir. Odeio os homens que ostentam riqueza para atrair as jovens bonitas, mas odeio ainda mais os insistentes, e que nunca aprenderam a saber ouvir um simples “não” da parte de uma mulher.
Ao chegar o autocarro à paragem, o caos instala-se, pois o estúpido do condutor do carrão está tão focado na jovem que nem repara na chegado do transporte público. O condutor do autocarro, ao ver o seu lugar ocupado, buzina com força, os utentes, indignados por terem de caminhar desde a paragem até ao autocarro sob forte chuva, protestam violentamente, e tudo culmina com um valente murro no carro, dado por um dos jovens, assustando e irritando o dono da viatura.
Este, que devia amar mais o seu carrão do que a sua própria integridade física, sai da viatura, pronto a enfrentar os “ferozes meliantes”, aproveitando a idosa, irritada por não ter boleia e ter de a andar à chuva sem necessidade, para lhe bater com o seu guarda-chuva, ao mesmo tempo que grita “Vai-te embora daqui, malandro, que ela não te quer para nada”, ao que o dono do carro, furioso, reage imprudentemente “Mas o que é queres ó velha? Nem sabes do que se passa!
Ao ouvirem esta grosseira ofensa à vetusta senhora, alguns utentes, já indiferentes à chuva que caía cada vez mais grossa, começam a ofender o homem e a maltratá-lo, e a situação começa a descontrolar-se, chegando rapidamente às “vias de facto”.
Entretanto, a jovem e atraente mulher, que por querer livrar-se do “chato” tinha sido das primeiras pessoas a entrar no autocarro, apercebe-se do que estava a acontecer no exterior, e dirige-se para uma das saídas do autocarro com o propósito de se meter no meio do tumulto. Antecipo, pelo seu comportamento, que ela estava, inexplicavelmente, pronta para ir defender o condutor do carrão.
E eu, que já estava prestes a entrar no autocarro, fico muito indignado com esta postura, e num assomo de coragem, agarro-a pelo braço, tanto para a impedir de se dirigir para o meio da confusão - com receio de ela se ferir - como para mostrar a minha revolta, e digo, com a voz mais grossa que consegui “Não posso permitir que vá ter com aquele bruto! Merece é alguém que a respeite, não que a humilhe!
Ela olhou para mim incrédula, e só não se riu porque a situação já se tinha tornado grave, pois alguns populares estavam entretidos a esbofetearem o condutor do carrão. E ela, libertando-se de mim, grita a plenos pulmões “DEIXEM O MEU PAI EM PAZ!” E entrando no automóvel, lá seguiram os dois, deixando-nos a todos totalmente aparvalhados…..
Soube depois que era só um pai que insistia em levar a sua filha de automóvel até à universidade por estar a chover muito, e ela recusava porque as relações entre eles estavam um pouco azedas. Mas eu já tinha feito um filme repleto de coisas menos próprias, e tirei conclusões muito precipitadas.
Mas, acreditem, nem este episódio me serviu de emenda, conforme poderão constatar no próximo episódio.