quarta-feira, 22 de maio de 2019

A Minha Queda


Estou no topo de um penhasco a preparar-me para o que pretendo fazer. Sei que preciso de toda a minha coragem. Mas desta vez sei que vou tê-la.
No fundo receio acobardar-me à última hora, de não conseguir fazer o que pretendo fazer. O que tenho de fazer. E que não posso adiar mais!
Num repente, como se tivesse ouvido um apelo, respiro fundo, abro os olhos, ponho uma expressão de determinação inabalável e penso “É agora, tem de ser agora!
De dentes cerrados e com passos firmes, aproximo-me do penhasco, e olhando pelo última vez o horizonte, penso: “Que vista espetacular. Pena que nunca mais a verei”.
E abrindo os braços, lanço-me em direção ao infinito. Sinto-me a sorrir por dentro. “Então é assim que tudo acaba!” E uma paz inimaginável toma conta de mim.
A sensação vertiginosa parece interminável. Julgava que fosse algo rápido, instantâneo. Mas não. É um tempo que nunca mais acaba. E os pensamentos começam a fluir.
É mesmo verdade o que dizem, que nestes momentos, passa um filme diante dos nossos olhos, com os melhores momentos da vida.
Choro, não pelo forte vento que me chicoteia os olhos, mas pela saudade de tantos que passaram pela minha vida, e que nunca mais os verei.
Tão triste fico que quero parar o que estou a fazer, mas já não posso. Neste momento, nada nem ninguém poderia reverter o que está a suceder.
Mentalmente apercebo-me então que está a chegar o fim. E espero, em verdadeira Paz. E quando este finalmente chega, sinto o corpo a gritar de dor, com todos os torções e choques.
E depois, o silêncio. Apenas o silêncio.....

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Que desilusão. Julgava que era outra coisa…. Diferente. E muito melhor. Acho que nunca mais vou voltar a praticar bungee jumping.
E eu que vim de longe e paguei tão caro para isto…

terça-feira, 7 de maio de 2019

O EX

- O que é que esse tipo queria agora?” Pergunta o Paulo.
- Nada. Só chatear-me!” Respondi eu, demonstrando incómodo pela pergunta.
- Acho que é mais do que isso. Mas tu é que sabes o que queres.” E voltou-me as costas, ostensivamente.
Eu nem lhe liguei. É que as últimas palavras do meu ex continuavam a ecoar no meu coração, forçando-o a bater mais depressa. Desconfiada que estava bastante afogueada e corada, meto-me na casa-de-banho para me acalmar.
É verdadeiramente impressionante o poder de um único e inocente telefonema, e como esse aparentemente simples ato corrói de uma forma poderosa a harmonia de um casal, especialmente se o telefonema for de um ex, cada vez mais presente na minha vida.
Na verdade, não era incómodo nenhum receber telefonemas dele. Antes pelo contrário. E finjo nem saber porquê. E outro prazer em crescendo é de irritar o Paulo. Adoro o seu mal-estar, cada vez mais presente. E os seus ciúmes, tão mal disfarçados.
Assim, e com uma única ligação telefónica do meu ex, obtenho um duplo prazer, tal e qual como o anúncio daquele gelado com dupla cobertura de chocolate. E nem eu própria sei qual me sabe melhor. Por não saber, delicio-me com ambos.
Saio da casa-de-banho já refeita dos calores mesmo a tempo de ver o Paulo a olhar para o ecrã do meu smartphone, que apitando, sinalizava a entrada de uma mensagem. Fico bastante apreensiva, gelada até.
- Que estúpida fui em deixar a merda do telemóvel em cima da mesa. E onde estava eu com a cabeça para as mensagens aparecerem mesmo com o ecrã bloqueado?” Pensei em voz alta. Tremia.
Ao sentir-me aproximar, o Paulo olha para mim nitidamente perturbado e, branco com a cal da parede, pega nas chaves e sai do apartamento. Eu fico sem reação e sem forças para ir atrás dele. E muito menos de ler a mensagem que tinha recebido no meu smartphone.
Recordo que até há uns dias atrás tinha uma relação estupenda com o Paulo. Até lhe tinha dito que ele era o homem da minha vida. Mas tudo veio a mudar rapidamente com o a estúpida insistência do Fernando. Mas porque raio é que a natureza humana tem a tendência para destruir as coisas boas?
O meu ex, o Fernando, é aquele tipo de homem que, ao passarmos por ele na rua, nos atrevemos a olhar segunda vez, nem que seja para apreciar quem estaria a usar aquela esplendida e caríssima fragância.
Ele é de sorriso fácil, charmoso, bonito, sedutor, e que quando se cai nos seus encantos, somos transportadas para uma nuvem cor de rosa a mil metros do chão. Se a vida fosse feita exclusivamente de sonhos irreais, ele era o homem ideal.
Na realidade, o Fernando apenas tem para oferecer esse tipo de sonhos. E ele é muito bom vendedor, pois esse “produto” foi comprado por muitas mulheres. Porém, estas, depois de aterrarem da sua viagem de sonho, nunca mais querem saber dele, porque rapidamente descobrem que a sua (quase) exclusiva atividade é de “pinga-amor”.
Já o “meu” Paulo é o tipo de homem trabalhador, estudioso e esforçado, e cujo amor por mim é como ele: honesto, sereno e confiável. Por vezes tenta ser romântico, mas coitadito, não nenhuma queda para aquilo, especialmente para mim, habituada que estava aos grandes rebates românticos do Fernando.
Eu e o Fernando acabámos tudo por causa das suas traições, cada vez mais descaradas. E sabe Deus como eu gostava dele. Mas estava a fartar-me dele com uma rapidez demasiado grande, pois estava a ficar muito incomodada com os seus esquemas de engate.
Num último esforço para que ele me desse mais atenção, convidei-o a jantar fora, no “nosso” restaurante. Afinal, pensava eu, gostávamos muito um do outro, apesar de desconfiar que estava quase a ser descartada, pois deixara de ser a novidade mais recente.
No jantar não contava que ele viesse atrasado, e que durante o repasto estivesse mais atento às mensagens que ia recebendo e respondendo que a mim, e que antes da sobremesa, ao atender uma chamada, me fizesse o sinal de que “é só um instante”. E não o vi mais nessa noite.
Chorei bastante durante semanas, e ele nem me atendia às chamadas nem me respondia às mensagens. Continuava a gostar dele, mas cada dia menos um bocadinho, até mais nada restar, achava eu.
Passados uns largos meses, o Fernando, talvez por estar sozinho ou por ter ganho alguma coragem, ligou-me. E eu, ao contrário das suas ex, atendi. Nessa altura, claro, já não tínhamos nada, mas ficou a amizade, que se fortaleceu ao longo dos tempos.
Entretanto, o Paulo surgiu por acaso, como é normal nestas ocasiões. Apareceu sem promessas vãs, nuvens cor-de-rosa ou poemas declamados, e o nosso amor foi surgindo, crescendo, infiltrando-se por todos os poros, até não conseguirmos passar um sem o outro. Mas com o Fernando cada vez mais presente.
Com alguma frequência, o Fernando ligava-me e eu ficava deliciada com as suas histórias rocambolescas sobre as suas inúmeras conquistas. Sempre o considerei emocionalmente imaturo, e que jamais passaria desse estado. Era uma criança grande, sem credibilidade.
Mas uma bela manhã, o Fernando convida-me para almoçar. E eu, inocentemente ou talvez não, aceitei. Mas que mal poderia haver? Eu estava bem resolvida, tinha uma excelente relação, era feliz. E ele, apesar de ser um ex, era apenas um amigo.
Mas ter tantas certezas é tentar o Diabo. E isso nunca é aconselhável, pois como sabem, ele é sujo. Uma coisa é ouvir a voz do Fernando ao telefone, outra completamente diferente, é estar com ele, e ver o seu sorriso cativante, com charme a escorrer pelos poros.
Esse almoço fez-me lembrar as poucas coisas boas da relação com o Fernando. E se pensasse nas más, decerto diria para mim mesma que: “Ele está um novo homem” ou “Decerto que aprendeu com os seus erros”. E não demorou muito para irmos “errar” para casa dele.
Só caí na realidade neste preciso momento, gelada de medo com o que estava a acontecer. Ver o homem que eu amo, o homem da minha vida, a abandonar o nosso lar e os nossos sonhos a desaparecerem. E é tão triste, mesmo desesperante ver o meu porto seguro a fechar-se perante mim.
Toda a minha doce e boa realidade estava agora destruída, por causa de uma ilusão estúpida, com uma pessoa que já me tinha enganado por diversas vezes, e que sei não querer mais de mim a não ser usar o meu corpo.
É que tentar o Demo paga-se caro, especialmente se tiver o smartphone à vista. O Fernando tinha escrito o que já me tinha dito ao telefone, momentos antes: “Querida, adorei a nossa tarde de amor. Repetimos amanhã? Beijos!