quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Procrastinação

Olho de novo para as folhas em branco e continuo a sentir-me incapaz de escrever o que pretendo. Só a simples ideia de o fazer repugnava-me, enchia-me de tremores e de suores frios. “Não consigo!” E era verdade. Não conseguia, de modo nenhum.
Ao fim de uns intermináveis minutos, depois de me tentar distrair vendo as pessoas na rua, aproximo-me lentamente da secretária, como se fosse um ato meramente casual. Afago as costas da cadeira, a testar a sua resistência e consistência, como se a estivesse a comprar.
Sento-me num impulso, como se fosse fazer outra coisa e começo a brincar com a caneta, mirando-a de vários ângulos, como se a não conhecesse. Passo os dedos pelas alvas folhas, como se procurasse rugosidades ou imperfeições. Nada. São perfeitas.
Respiro fundo uma e outra vez, como se estivesse a ter um ataque de asma, doença que nunca tive, e passei de seguida para uma mais que fingida concentração total. Endireitei as costas até estas se queixarem, e retomei a sua curvatura natural, sentindo-me parvo pelo que tinha acabado de fazer.
Sentia-me como se estivesse na praia com o sol quente a queimar-me a pele e com os pés na água, mas por falta de coragem não banhava o resto do corpo. E por a água estar fria como o caraças.
Desta forma, lá me mentalizei que o melhor era despachar rapidamente o que tinha a fazer. Chega de sofrer por não fazer e de sofrer por não ter feito, num ciclo interminável e insano. No fundo, chega de procrastinação.
Respirei fundo mais uma vez e disse para mim mesmo “É agora!”. E foi. Comecei a escrever…







quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sangue


Este texto não está relacionado com um qualquer episódio sangrento, género muito popular e inesgotável, e onde por vezes a realidade supera toda e qualquer ficção.
O Sangue a que me refiro é a Família. E esta, como sabemos, não se escolhe!
Um conhecido meu contou-me que a mãe dele diz ao marido dela (e pai do meu amigo) a frase "Tu a mim não me és nada, sangue são os meus filhos".

Ou seja, a esposa considera o marido (e pai dos seus filhos) como um Estranho. E essa simples frase fez-me compreender muitas coisas...
Na realidade, o que foi dito está inteiramente certo. Ele não é sangue dela. Nunca será. Mas colocar para sempre o seu próprio marido em plano subalterno a qualquer membro da família dela não tem lógica. Para mim, claro. Ele, pelo contrário, nunca lhe disse nada disso, pois considera-a família.
Nos casamentos católicos, o pai (ou quem o representa) desfila na igreja de braço dado com a noiva, e ao aproximar-se do altar, em simbolismo, entrega a mão da noiva no noivo, formalizando a transmissão. A partir desse momento, a família dela passa a ser o do seu futuro marido.
Mas desengane-se o noivo, pois em quase todas as ocasiões, foi apenas mera encenação, uma fachada. A Mulher nunca será dele, mas sim da Família.
Claro que esta postura, esta filosofia de vida, acaba invariavelmente por reflectir-se negativamente ao nível da convivência, do respeito e das opções do dia-a-dia, conscientes ou inconscientes. Em caso de dúvida, o Sangue prevalece.
Soube de um caso real, de um marido recém operado, que viu a sua a esposa viajar para o estrangeiro para ir tomar conta do cão do filho de ambos, que ia de férias. Ela não podia dizer que “não” ao Sangue. O ciclo repete-se. Vezes sem conta.
Para mim, Família é Sangue E quem está comigo! E declaro-me totalmente incompatível com o Tipo Sanguíneo acima descrito. É-me tóxico. Mata-me.
Com essas Filosofias de Vida não admira que esses pseudo-casais se separem, pois, na realidade, um nunca foi nem será nada para o outro!

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O Segredo mais bem guardado

Será o Segredo do Amor maior do que o Sentido da Vida, da Origem do Universo ou para onde vamos depois de morrermos? Se é que vamos para algum lado!
Será o Mistério do Amor ainda mais complexo que o da Fé, da Vida e de tudo o que nos rodeia?
Para todas essas questões, a minha resposta imediata é Sim. E quanto mais penso no assunto, menos certezas tenho. E eu que já tive tantas sobre esse tema! Foram-se todas.
Será o Amor um Sentimento ou vários misturados? Será apenas uma Atração Carnal? Será uma Dependência Química? Será uma demonstração de Carência Afetiva?
Será o Toque, o Cheiro, o mergulhar nos olhos da Pessoa Amada? Será a forma de falar, de se movimentar, de estar sentada sem nada fazer? Não sei. E duvido que alguém saiba.
O Amor serve para quê, afinal? Rigorosamente para nada. Deve ser um vírus inventado por alguém perturbado e que, por pura maldade, não criou a vacina! E desta forma lixou toda a humanidade.
O Amor não alimenta ninguém, mas por causa dele perde-se o apetite. O Amor não ajuda ninguém, mas quando falta, não resta vontade de fazer nada, apenas de estar num quarto sozinho a olhar o vazio!
estudos sobre o Amor para todos os gostos, seja demonstrarem que quem Ama Vive Mais Tempo, ou que quem Não Ama Tem Mais Saúde (pelo menos mais Saúde Mental devem ter, digo eu)!
E eu, sem nada saber sobre o assunto, sinto que o Amor é Um Todo, mistura de mil e uma coisas, diferente para cada um, e que varia de acordo com a química da pessoa que amamos. Deve ser por isso que é tão Poderoso!
Por ser o Amor um tema tão Complexo e Fascinante, proponho que seja criada uma Cadeira num Curso de Áreas Sociais. Mas o melhor seria um Curso Superior de Amor. Isso seria verdadeiramente Divino!
Eu até poderia até pedir a Deus que me livrasse de vez do Amor, para bem do meu Coração e da minha Sanidade Mental, mas não peço, pois uma Vida sem Amor seria apenas um arrastar de dias. Até à Morte.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Relações "Fast-Food"

Quem nunca se questionou sobre como e porquê alguns casais estão juntos? É que não se compreende à primeira vista, nem sequer à segunda.
Esses casais poderão simplesmente estar juntos por promessa, teimosia, comodismo ou simples receio da mudança! O que é certo é que ainda não viram bem o que se anda a passar, mesmo ao lado….
O conceito de família tradicional desapareceu com as mulheres a trabalhar fora de casa e a ganharem independência perante os homens.
E (alguns) homens tornaram-se também autónomos e independentes, e deixaram de "precisar" das mulheres.
Até há pouco tempo, as relações eram "arranjadas" pelos pais. E tudo ia funcionando, e inclusive haviam muitos poucos divórcios (pudera, eram proibidos!)
No século XX surgiu o conceito de relação por amor, e os casais ficariam juntos enquanto estivesse acesa a “chama do amor”. O amor é, dizem, um ato de vontade, uma decisão, uma promessa, mais que um sentimento.
Tudo isto era muito lindo e romântico, mas as separações por (falta de) amor tornaram-se demasiado frequentes.
Mas a história não podia ficar por aqui, pois surge a moda da união por paixão! E há muito boa gente a afirmar que amor e paixão é a mesma coisa, e como os influencers do Youtub confirmam, tornou-se lei!
Porém, a paixão, por ser tão intensa e física, acaba muito rapidamente, e as uniões nela baseadas duram ainda menos do que as do amor!
Com esta rapidez, surgem relações de consumo rápido, e com troca instantânea de parceiros. Mas não deve ser mau, pois há cada vez mais pessoas a optarem por esta forma de se relacionar.
É a relação fast-food! Escolhes o que queres, comes e já estás pronto(a) para novo relacionamento!
Sem apego nenhum” parece ser a palavra de ordem desta tendência.
Assim, estamos numa sociedade cada vez mais egocêntrica, solitária e não solidária, baseada no prazer intenso e imediato, e em que impera a intolerância em relação ao outro.

Ou seja, apaixonamo-nos cada vez mais e amamos cada vez menos.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Volta. Por Favor, Volta

Acordo alagado em suor, a sufocar um grito, e fico acordado, no meio da intensa escuridão em que se encontra o meu quarto. Sinto-me a morrer aos poucos. 
Assusta-me o silêncio da minha voz interior. Porque terá desaparecido? Estará zangada comigo? Voltará algum dia? Ela que volte, pois preciso tanto dela.
Os meus sonhos já tinham desaparecido há muito, e assim tudo o que me é íntimo desapareceu. Sinto-me um expatriado no meu próprio mundo!
Limpo o suor com uma toalha e olho-me ao espelho. Não me reconheço, de tão transfigurado.
Estou assim desde que a Carla acabou o nosso relacionamento. Não sei se a ela lhe acontece o mesmo, mas duvido. Sempre foi uma filha-da-mãe fria, mesmo gelada, e o mais provável é que durma serenamente. E que já nem lembre de mim.
Sentem que a vossa cara metade é a “mulher da vossa vida?” Se sim, são uns verdadeiros sortudos. Agora imaginem como ficavam se ela, de súbito, desaparecia.
A Carla era a luz da minha vida, e eu seria capaz de fazer tudo por ela. E aquela cabra, apesar disso – ou talvez por isso – deixou-me.
E não consigo deixar de imaginar que ela pode ter voltado para os braços do seu ex, o tal que tanto a destratou durante anos.
Não consigo perceber as mulheres, mas é sabido que nenhum homem jamais percebeu uma mulher. Não sei é se a culpa dos homens, das mulheres, ou de ambos. Mas é um facto.
A Carla deixou-me, como despedida, um papelito em cima da mesa da cozinha, a dizer “Adeus”. Seca, fria, insensível. Perante isto, perdi até a vontade de lhe ligar e de perguntar: "Porquê?". Eu podia não gostar da resposta.
Não tenho voz para lhe fazer serenatas, nem feitio para lhe enviar mensagens lamechas, de aparecer no trabalho dela com um ramo de flores e bombons. Se calhar faço mal. Podia ser que assim ela voltasse.
O que me está a acontecer é igual à letra da canção “Amar pelos Dois”, do Salvador Sobral. Ele retrata tão bem que sinto que já lhe aconteceu. “Meu bem, ouve as minhas preces. Peço que regresses, que me voltes a querer”.

Volta Carla, por favor volta, não sabendo tu que jamais te perdoarei por me teres deixado.
Volta Carla, volta, para ficares eternamente arrependida de teres deixado com quem estás agora.
Volta Carla, que eu estarei aqui à tua espera, de braços abertos. E eternamente teu!

quarta-feira, 22 de maio de 2019

A Minha Queda


Estou no topo de um penhasco a preparar-me para o que pretendo fazer. Sei que preciso de toda a minha coragem. Mas desta vez sei que vou tê-la.
No fundo receio acobardar-me à última hora, de não conseguir fazer o que pretendo fazer. O que tenho de fazer. E que não posso adiar mais!
Num repente, como se tivesse ouvido um apelo, respiro fundo, abro os olhos, ponho uma expressão de determinação inabalável e penso “É agora, tem de ser agora!
De dentes cerrados e com passos firmes, aproximo-me do penhasco, e olhando pelo última vez o horizonte, penso: “Que vista espetacular. Pena que nunca mais a verei”.
E abrindo os braços, lanço-me em direção ao infinito. Sinto-me a sorrir por dentro. “Então é assim que tudo acaba!” E uma paz inimaginável toma conta de mim.
A sensação vertiginosa parece interminável. Julgava que fosse algo rápido, instantâneo. Mas não. É um tempo que nunca mais acaba. E os pensamentos começam a fluir.
É mesmo verdade o que dizem, que nestes momentos, passa um filme diante dos nossos olhos, com os melhores momentos da vida.
Choro, não pelo forte vento que me chicoteia os olhos, mas pela saudade de tantos que passaram pela minha vida, e que nunca mais os verei.
Tão triste fico que quero parar o que estou a fazer, mas já não posso. Neste momento, nada nem ninguém poderia reverter o que está a suceder.
Mentalmente apercebo-me então que está a chegar o fim. E espero, em verdadeira Paz. E quando este finalmente chega, sinto o corpo a gritar de dor, com todos os torções e choques.
E depois, o silêncio. Apenas o silêncio.....

...............................................................................................................................................................

Que desilusão. Julgava que era outra coisa…. Diferente. E muito melhor. Acho que nunca mais vou voltar a praticar bungee jumping.
E eu que vim de longe e paguei tão caro para isto…

terça-feira, 7 de maio de 2019

O EX

- O que é que esse tipo queria agora?” Pergunta o Paulo.
- Nada. Só chatear-me!” Respondi eu, demonstrando incómodo pela pergunta.
- Acho que é mais do que isso. Mas tu é que sabes o que queres.” E voltou-me as costas, ostensivamente.
Eu nem lhe liguei. É que as últimas palavras do meu ex continuavam a ecoar no meu coração, forçando-o a bater mais depressa. Desconfiada que estava bastante afogueada e corada, meto-me na casa-de-banho para me acalmar.
É verdadeiramente impressionante o poder de um único e inocente telefonema, e como esse aparentemente simples ato corrói de uma forma poderosa a harmonia de um casal, especialmente se o telefonema for de um ex, cada vez mais presente na minha vida.
Na verdade, não era incómodo nenhum receber telefonemas dele. Antes pelo contrário. E finjo nem saber porquê. E outro prazer em crescendo é de irritar o Paulo. Adoro o seu mal-estar, cada vez mais presente. E os seus ciúmes, tão mal disfarçados.
Assim, e com uma única ligação telefónica do meu ex, obtenho um duplo prazer, tal e qual como o anúncio daquele gelado com dupla cobertura de chocolate. E nem eu própria sei qual me sabe melhor. Por não saber, delicio-me com ambos.
Saio da casa-de-banho já refeita dos calores mesmo a tempo de ver o Paulo a olhar para o ecrã do meu smartphone, que apitando, sinalizava a entrada de uma mensagem. Fico bastante apreensiva, gelada até.
- Que estúpida fui em deixar a merda do telemóvel em cima da mesa. E onde estava eu com a cabeça para as mensagens aparecerem mesmo com o ecrã bloqueado?” Pensei em voz alta. Tremia.
Ao sentir-me aproximar, o Paulo olha para mim nitidamente perturbado e, branco com a cal da parede, pega nas chaves e sai do apartamento. Eu fico sem reação e sem forças para ir atrás dele. E muito menos de ler a mensagem que tinha recebido no meu smartphone.
Recordo que até há uns dias atrás tinha uma relação estupenda com o Paulo. Até lhe tinha dito que ele era o homem da minha vida. Mas tudo veio a mudar rapidamente com o a estúpida insistência do Fernando. Mas porque raio é que a natureza humana tem a tendência para destruir as coisas boas?
O meu ex, o Fernando, é aquele tipo de homem que, ao passarmos por ele na rua, nos atrevemos a olhar segunda vez, nem que seja para apreciar quem estaria a usar aquela esplendida e caríssima fragância.
Ele é de sorriso fácil, charmoso, bonito, sedutor, e que quando se cai nos seus encantos, somos transportadas para uma nuvem cor de rosa a mil metros do chão. Se a vida fosse feita exclusivamente de sonhos irreais, ele era o homem ideal.
Na realidade, o Fernando apenas tem para oferecer esse tipo de sonhos. E ele é muito bom vendedor, pois esse “produto” foi comprado por muitas mulheres. Porém, estas, depois de aterrarem da sua viagem de sonho, nunca mais querem saber dele, porque rapidamente descobrem que a sua (quase) exclusiva atividade é de “pinga-amor”.
Já o “meu” Paulo é o tipo de homem trabalhador, estudioso e esforçado, e cujo amor por mim é como ele: honesto, sereno e confiável. Por vezes tenta ser romântico, mas coitadito, não nenhuma queda para aquilo, especialmente para mim, habituada que estava aos grandes rebates românticos do Fernando.
Eu e o Fernando acabámos tudo por causa das suas traições, cada vez mais descaradas. E sabe Deus como eu gostava dele. Mas estava a fartar-me dele com uma rapidez demasiado grande, pois estava a ficar muito incomodada com os seus esquemas de engate.
Num último esforço para que ele me desse mais atenção, convidei-o a jantar fora, no “nosso” restaurante. Afinal, pensava eu, gostávamos muito um do outro, apesar de desconfiar que estava quase a ser descartada, pois deixara de ser a novidade mais recente.
No jantar não contava que ele viesse atrasado, e que durante o repasto estivesse mais atento às mensagens que ia recebendo e respondendo que a mim, e que antes da sobremesa, ao atender uma chamada, me fizesse o sinal de que “é só um instante”. E não o vi mais nessa noite.
Chorei bastante durante semanas, e ele nem me atendia às chamadas nem me respondia às mensagens. Continuava a gostar dele, mas cada dia menos um bocadinho, até mais nada restar, achava eu.
Passados uns largos meses, o Fernando, talvez por estar sozinho ou por ter ganho alguma coragem, ligou-me. E eu, ao contrário das suas ex, atendi. Nessa altura, claro, já não tínhamos nada, mas ficou a amizade, que se fortaleceu ao longo dos tempos.
Entretanto, o Paulo surgiu por acaso, como é normal nestas ocasiões. Apareceu sem promessas vãs, nuvens cor-de-rosa ou poemas declamados, e o nosso amor foi surgindo, crescendo, infiltrando-se por todos os poros, até não conseguirmos passar um sem o outro. Mas com o Fernando cada vez mais presente.
Com alguma frequência, o Fernando ligava-me e eu ficava deliciada com as suas histórias rocambolescas sobre as suas inúmeras conquistas. Sempre o considerei emocionalmente imaturo, e que jamais passaria desse estado. Era uma criança grande, sem credibilidade.
Mas uma bela manhã, o Fernando convida-me para almoçar. E eu, inocentemente ou talvez não, aceitei. Mas que mal poderia haver? Eu estava bem resolvida, tinha uma excelente relação, era feliz. E ele, apesar de ser um ex, era apenas um amigo.
Mas ter tantas certezas é tentar o Diabo. E isso nunca é aconselhável, pois como sabem, ele é sujo. Uma coisa é ouvir a voz do Fernando ao telefone, outra completamente diferente, é estar com ele, e ver o seu sorriso cativante, com charme a escorrer pelos poros.
Esse almoço fez-me lembrar as poucas coisas boas da relação com o Fernando. E se pensasse nas más, decerto diria para mim mesma que: “Ele está um novo homem” ou “Decerto que aprendeu com os seus erros”. E não demorou muito para irmos “errar” para casa dele.
Só caí na realidade neste preciso momento, gelada de medo com o que estava a acontecer. Ver o homem que eu amo, o homem da minha vida, a abandonar o nosso lar e os nossos sonhos a desaparecerem. E é tão triste, mesmo desesperante ver o meu porto seguro a fechar-se perante mim.
Toda a minha doce e boa realidade estava agora destruída, por causa de uma ilusão estúpida, com uma pessoa que já me tinha enganado por diversas vezes, e que sei não querer mais de mim a não ser usar o meu corpo.
É que tentar o Demo paga-se caro, especialmente se tiver o smartphone à vista. O Fernando tinha escrito o que já me tinha dito ao telefone, momentos antes: “Querida, adorei a nossa tarde de amor. Repetimos amanhã? Beijos!

sexta-feira, 12 de abril de 2019

"A Esperança é a Última a Morrer" e outras Parvoices

De tantas vezes ouvir dizer que “a esperança é a última a morrer”, qualquer dia começo mesmo a acreditar que isso é mesmo realidade. Mas acho difícil mudar de opinião acerca da esperança, da fé, do acreditar que certas coisas acontecem, apenas e só porque se quer muito.
Na realidade, não me lembro que me tenha surgido algo na vida apenas por a ter desejado. Quando era criança queria ter um cavalo e uma vaca, apesar de viver num apartamento de cidade, com três pequenas assoalhadas.
Não me querendo dizer que não nem me chamar de maluco, a minha mãe perguntava-me onde eu iria por os animais, ao que eu respondia “debaixo da mesa”. Assim, mesmo querendo muito ter um cavalo e uma vaca, nunca os tive. Poderá ter sido nesse episódio que perdi a fé no apenas querer.
Ao longo dos anos tenho observado que quem mais diz que “a esperança é a última a morrer” são as mesmas pessoas que nada ou pouco fazem para alcançarem o que querem. E quando isso acontece, dizem, sem qualquer pinga de frustração: “é porque não era para acontecer” ou "o Universo não quer". 
Apesar de ter visto essa cena muitas vezes, confesso que o meu espanto continua a ser tão espontâneo e legitimo como se fosse a primeira vez. Fico com cara de parvo, pois continuo a não conseguir entender. Mas isso, obviamente, é uma limitação minha, não deles.
É o mesmo que querer ganhar muito o Euromilhões sem apostar, ficando à espera que o vento me coloque um boletim premiado nos pés....
Isso lembra-me a personagem interpretada pelo Vasco Santana no filme “Canção de Lisboa” de 1933, aquele que faltava à Universidade 7 dias por semana, apesar desta só funcionar de segunda a sexta-feira.
Nesse filme, apesar do “Vasquinho da Anatomia” querer muito concluir o curso de Medicina, não pegava num único livro para estudar, e muito menos frequentava as aulas. E apesar de toda a sua fé, otimismo e esperança, o “Universo” continuava a recusar dar-lhe o diploma.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O Meu Inesquecível Primeiro Primeiro Encontro (2 de 2)

O empregado do restaurante olha para mim, agarrado às suas ancas e responde: “”. Surpreendido, largo-o e caio redondo no chão com estrondo. Se a Maria realmente já tivesse chegado, de certeza que estava a olhar para mim, não que soubesse que era eu, mas porque dei tanto nas vistas que todos os clientes do restaurante viram a cena. E todos se riram muito. E durante demasiado tempo.
Pelas minhas contas, eu estava mais de uma hora atrasado, e ainda precisava de saber qual das senhoras presentes era a Maria. Se é que era alguma delas, pois o empregado podia ter dito que ela já tinha chegado só por dizer, ou por achar que eu era tão parvo que merecia ser enganado.
Não vos disse, mas com a minha timidez e pouca sorte genética, aliada à grande falta de experiência na arte da sedução, resolvi não incluir a minha fotografia. Ela fez o mesmo, e não me cabia perguntar-lhe das suas razões. O resultado é que nem eu nem ela sabíamos como eramos na realidade.
Quando ela me pediu para me descrever, acho que distorci um bocadinho a realidade. Mas foi só um bocadinho. É que nestes casos não convêm exagerar. Disse-lhe que parecia o George Clooney. Mas realmente pareço na posição das mãos quando eu e ele bebemos café. Ele no anuncio da Nespresso e eu na Padaria Portuguesa.
E ela disse que parecia mesmo a Cameron Diaz, e por isso lancei um olhar pela sala em busca de uma loura. Encontrei uma. Era realmente parecida com a Cameron Diaz. E fiquei parado. Ela mesmo lindíssima. E como sou tímido, sabia que não iria conseguir dirigir-lhe uma palavra sequer.
Antes de acontecer fosse o que fosse, sinto a minha mão a ser tocada por outra mão. Surpreendido, julguei que fosse o empregado a quem lhe agarrei as ancas que me quisesse conhecer melhor, mas não era. “És o Tomáz?” Pergunta uma mulher na mesa ao lado de onde estava. “Sou”. Era a Maria. Foscasse. Não se parecia nada com a Cameron Diaz. Esta gaja é mesmo muito exagerada.
Sento-me atabalhoadamente na mesa dela, sentindo uma enorme emoção. Afinal, era o meu primeiro primeiro encontro, perfeitamente às cegas, em Ranholas, tinha o meu automóvel avariado ou possivelmente morto, estava atrasado mais de uma hora, e principalmente, estava a conhecer presencialmente a Maria, e que ainda por cima não se parecia nada com a Cameron Diaz.
Olha lá, o teu espelho está mais avariado que o meu, não está? Então onde é que és parecido com o George Clooney?” Atira sem cerimónias a Maria. Ri-me, mas graças à minha timidez não lhe respondo, e ponho-me a olhar para o prato, vazio, que estava posto à minha frente. Responder o quê, ela também não era propriamente uma sósia da Cameron Diaz.
Até posso dizer que correu bem o meu primeiro primeiro encontro, apesar de tudo. Mas afinal, não havia nada para que pudesse correr mal.
E no final do dia fomos os dois para a cama, e passámos uma noite absolutamente fantástica.

Bem, é claro que cada um dormiu na sua casa, na sua própria cama, ou vocês estavam a pensar o quê? Que somos alguns tarados? Somos ainda muito novos para isso, não?
(fim)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O Meu Inesquecível Primeiro Primeiro Encontro (1 de 2)

Acelero o meu velho automóvel até ele começar a gemer. Ou será que ele está é a voar baixinho, tal a velocidade? Mas qual velocidade? Ele só passaria dos 100 quilómetros por hora se fosse a cair de um penhasco abaixo. Senão, dá um máximo de 60 à hora e é com muito boa vontade. E sorte.
Estou mais do que atrasado para o meu primeiro primeiro encontro, tenho o telemóvel descarregado, não tenho dinheiro na carteira, o automóvel está quase sem gasolina, não sei bem onde o vou estacionar, nem conheço o local onde ela marcou o nosso primeiro encontro.
Afinal, o que é que poderia correr mal? Tenho tudo para que corra certo. Ou será que não?
Sou um tipo muito tímido, e que me intimido com todo o tipo de mulheres, especialmente com as que são muito belas. Só de pensar começo a tremer. E quando uma me olha fixamente, fujo! Mas fujo mesmo, não só de olhar mas piro-me dali rapidamente.
Para piorar, a minha genética não me facilitou nada. Se eu fosse um gajo giro, podia ser tímido à vontade que elas vinham ter comigo. Como não sou, estou francamente lixado. Na escola, nem as feias se queriam aproximar de mim. Foi duro. Mas agora tudo mudou.
A minha sorte é que as redes sociais facilitaram-me a vida. Assim, não preciso de andar por aí a ver raparigas, a tentar falar com elas, como no tempo dos meus antepassados. Só tenho de teclar, esperar que elas apareçam, e vou assim falando com umas e com outras.
E foi assim que eu conheci a Maria, moça de bom trato e de boas famílias, e que segundo ela nunca teve namorado, apesar de já ter 26 anos. Bem, eu tenho 25 e também nunca tive namorada nem perto disso. Nada de estranho para mim, portanto.
Pela placa, acabo de chegar a Ranholas, localidade do concelho de Sintra, o meu destino final. Agora só tenho de achar a Rua… Porra Chiça Merda. Esqueci-me do nome da rua. Começo a suar muito, apesar de estar bastante frio. Ora aí está outra coisa de que me esqueci. A outra foi do carregador do telemóvel para o automóvel, produto de primeira necessidade, especialmente para quem tem, como eu, um telemóvel velho e com a bateria viciada.
O meu carro por fim farta-se e fina-se ali mesmo, mesmo a tempo de o conseguir encostar na borda do passeio. Para uma pessoa distraída, parecia mesmo que estava a estacionar, mas só eu e o meu automóvel é que sabíamos que ele tinha morrido ali. Mas isso era coisa para me preocupar depois. Agora precisava mesmo é de encontrar a Maria.
Como Ranholas não é grande, dou de caras com o Restaurante Kyonagi, local onde eu e a Maria combinámos encontrar-nos. Cheio de estilo, entro como se fosse habitual na casa. Mas o diabo é sujo e fez-me tropeçar na entrada e e na queda agarro-me às ancas de um empregado. Para não perder o estilo, e naquela posição mesmo muito estranha, pergunto ao empregado, de baixo para cima: “Sabe se a Maria já chegou?