sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A minha Ceia de Natal (2 de 2)

Finalmente consegui que todos se reunissem na sala de jantar, mas ninguém tomou a iniciativa de se sentar. Sai a pergunta habitual “Há lugares marcados?”, e respondo “Só o meu, porque preciso de estar aqui para poder ir à cozinha sem incomodar ninguém”.
E fico deliciado a observar os olhares e as movimentações. O quererem ficar aqui ou ali, ao lado deste mas não com aquele ao lado. Se o casal está bem, ficam juntos, mas se não está, fica cada um no seu canto. O habitual.
A minha Ceia de Natal é digna de um filme. Todos alegres, contentes, sorridentes, a comer, a beber e a brindar. Tomara que fossemos sempre assim, mas infelizmente não somos. Por isso é tão importante a minha Ceia de Natal para mim e para esta cambada de cabeçudos. Para podermos ser assim, nem que seja uma vez por ano.
Reparo que a Mónica nem tocou no peru, e muito menos deixou que o filho o comesse. Malandro, eu quis servi-la, mas a sacana disse logo que tanto ela como o filho estavam já muito cheios do bacalhau. O puto estranhou e disse que queria peru, estendendo-me o prato, mas levou logo uma cotovelada da mãe para ficar quieto e calado.
Já o marido dela lambuzou-se todo do peru debochado. E a Mónica ainda o serviu mais umas duas vezes, pelo menos. Cabra do caraças. A regra dos três segundos serve para o teu marido, mas não para ti nem para a tua cria.
O repasto continua, com tudo o que de normal acontece, inclusive o derramar de vinho tinto na toalha. Raio que os parta a todos. Dizem que significa dinheiro, mas para mim significa é que tenho de lavar a toalha umas trezentas vezes para ver se sai esta nódoa de vinho tinto gigante.
Vendo-os tão animados, decido que é a altura. Vou à cozinha e pego numa garrafa de Moet e Chandon. Os convidados ouvem o barulho característico da abertura do champagne, e quedam, expectantes. Vem aí coisa boa.
Apareço com a garrafa de Moet e Chandon numa bandeja e com copos cheios de champagne borbulhante. Ofereço o primeiro copo à pessoa que mais dá ares de entendido em vinhos, e que olhando mais para o rótulo do que para o líquido, diz “Excelente”. E sirvo a todos.
Resolvo não dizer a ninguém que afinal o "excelente" Moet e Chandon é apenas uma garrafa vazia, e que a enchi de champagne do Lidl que me custou 4,50€. Pelas vezes que repetiram, gostaram muito, e pelo menos assim já podem dizer “Eu até bebi Moet e Chandon na Ceia de Natal!
Para finalizar o jantar, e como prenda antecipada, o cão larga uma bufa tão nauseabunda que metade se levanta para fugir, enquanto a outra corre atrás do desgraçado. E eu fiquei sentado, impávido e sereno, com desejos de castrar o bicho. Mas fiquei-me apenas pelos pensamentos.
Ao aproximar-se a meia-noite, as crianças, com a antecipação da abertura das prendas, começam a guinchar de excitação, como se fossem ratos a serem espremidos. Uma delas não aguenta mais e precipita-se para a pirâmide de prendas. E as outras seguem-na, em catadupa.
Perante esta guinchadeira, os convidados toparam logo que os meus copos de champagne não eram de cristal, senão tinham-se partido, tais as notas estridentes. As crianças começam a rasgar papel como se não houvesse amanhã, enquanto os seus babados pais faziam vídeos.
No meio do ruido do rasgar de papel, de guinchos e amuos, do ladrar do cão, de pessoas que se alhearam e das que são piores que os miúdos, aqui estou eu, à espera que me calhe alguma coisita, sentado, a beberricar um Moscatel.
Aparece-me o marido da Mónica com uma prenda que, pelo formato e peso, só pode indiciar um livro. Abro-o, com um sorriso, e vejo claramente que é daqueles que estavam com um desconto de 80%, no molho dos autores desgraçados e desesperados, à entrada do Continente.
Dou-lhe um abraço e digo, falso como Judas “Grande amigo, tens muito bom gosto. Já andava de olho neste livro. Obrigado”. Acho que nem ele acreditou nos meus “sinceros” agradecimentos. Só desperto da minha própria falsidade quando levo com um pacote leve na cabeça, o que significa que acabo de receber o que mais desejo.
Meias”, e abro um grande sorriso, desta vez totalmente sincero. Não é que adore meias, que precise de meias, que tenha algum fetiche por meias. É que todos os anos, pelo Natal, recebia meias. E para mim não há Natal sem meias. Só por isto valeu a pena toda esta confusão. Finalmente tenho Natal. “Obrigado a todos!
Desejo a todos vocês uma excelente Ceia de Natal. E muitas e boas prendas no sapatinho.
(fim)

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