segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Eu, Corcunda de Notre Dame, me confesso!




É noite de Halloween e aqui estou eu, disfarçado de Corcunda de Notre Dame, com uns amigos, no meio de uma multidão que bebe álcool como se não houvesse amanhã. Sim, leram bem. Estou vestido como o Quasimodo.
A já famosa Rua Vermelha do Cais do Sodré, em Lisboa, é o centro de um caleidoscópio de cores, sons e cheiros de centenas de pessoas disfarçadas, num entra e sai dos seus numerosos bares. E eu, infeliz e deslocado, ali no meio...
A corcunda incomodava-me tanto que pensei em deitá-la fora. Mas depois ficava como? O ex-Corcunda de Notre Dame? Ridículo. Aguento-a mais um pouco.
Na realidade, nesta aventura limitei-me a escolher o disfarce, sem imaginar sequer para onde aqueles doidos me iriam levar. Só soube depois.
Quando me apareceram em minha casa não tive outra alternativa senão acompanhá-los nesta verdadeira loucura. Logo eu, que cultivo o sossego, a ordem e as horas certas para tudo e mais alguma coisa.
Mas que digo eu? A minha vida tinha-se tornado uma grande monotonia. Uma seca monumental. Precisava urgentemente de conhecer outras pessoas, e especialmente de ser apresentado à minha cara-metade, pois ainda não tinha tido a oportunidade de a conhecer!
Em frente ao Bar Roterdão, olho em redor e reparo numa mulher de discreta beleza, madura, mais ou menos da minha idade, e ela parecia estar realmente divertida . Pagava para estar assim, mas não estava a conseguir.
Vejo algumas pessoas a olhar para mim, mais para saberem se sou, ou não, um verdadeiro corcunda. E noto-lhes o desalento ao repararem que, afinal, a corcunda é falsa.
De repente, a tal mulher aproxima-se de mim, rápida e decidida, e apalpa a corcunda. Ao constatar que era apenas esponja, grita para o seu grupo “Esta merda é falsa!”, e a brincar, dá-lhe uma palmada, atirando-a ao chão.
Ri-me com a situação, mas ela fica horrorizada “Desculpa, coiso, não queria estragar o teu disfarce.” E apanhando a espuma do chão, tenta colocá-la de novo nas minhas costas.
Afasto-me dela um passo para lhe demonstrar que não queria mais aquilo, e aproveito apresento-me “António. De Notre Dame”. Surpreendida, ela olha-me firmemente nos olhos e diz, num repente, diz Esmeralda” e cumprimenta-me com um aperto de mão. O raio que a parta pela sua (enorme) espontaneidade. Rimo-nos até cairmos para o lado. Literalmente.
Para quem não sabe, Esmeralda é o nome da cigana por quem o Corcunda de Notre Dame se apaixona. Bom prenúncio.
Podem não acreditar, mas ela afinal chama-se mesmo Esmeralda. E eu António. Mas não de Notre Dame. Qualquer dia ainda vou a Paris visitar o Quasimodo.
Reparo que ela tem rugas de riso. Adoro isso. Gosto dela.
Os nossos grupos juntam-se e depois das apresentações da praxe, entrarmos, em ruidosa turba, na Pensão do Amor. Foi a loucura. Como há loucuras para todos, cada um escolheu o seu canto predilecto. E nós o nosso. E fomos saber o nosso futuro nas cartas, nos búzios ou seja o que for.
E ali estava o Corcunda de Notre Dame e a Esmeralda, à espera de saberem da sua sorte, olhares fixos e ansiosos no vidente. De súbito, este olha com seriedade para nós e diz: “Acho que é desta que o Quasimodo e a Esmeralda ficam juntos!
Entusiasmado com a boa notícia, dou um beijo leve nos lábios da Esmeralda. Ela riu-se e retribuiu. Ao ver no que isto ia dar, o vidente sai discretamente da sala, corre a cortina e coloca a placa “Não incomodar”.
E vivemos felizes para sempre. Ou talvez não….
Nota: Só para que conste, o nosso Casamento não se realizou na Notre Dame de Paris nem a Lua-de-Mel na Eurodisney! Foi tudo em Tavira!

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