quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Procrastinação

Olho de novo para as folhas em branco e continuo a sentir-me incapaz de escrever o que pretendo. Só a simples ideia de o fazer repugnava-me, enchia-me de tremores e de suores frios. “Não consigo!” E era verdade. Não conseguia, de modo nenhum.
Ao fim de uns intermináveis minutos, depois de me tentar distrair vendo as pessoas na rua, aproximo-me lentamente da secretária, como se fosse um ato meramente casual. Afago as costas da cadeira, a testar a sua resistência e consistência, como se a estivesse a comprar.
Sento-me num impulso, como se fosse fazer outra coisa e começo a brincar com a caneta, mirando-a de vários ângulos, como se a não conhecesse. Passo os dedos pelas alvas folhas, como se procurasse rugosidades ou imperfeições. Nada. São perfeitas.
Respiro fundo uma e outra vez, como se estivesse a ter um ataque de asma, doença que nunca tive, e passei de seguida para uma mais que fingida concentração total. Endireitei as costas até estas se queixarem, e retomei a sua curvatura natural, sentindo-me parvo pelo que tinha acabado de fazer.
Sentia-me como se estivesse na praia com o sol quente a queimar-me a pele e com os pés na água, mas por falta de coragem não banhava o resto do corpo. E por a água estar fria como o caraças.
Desta forma, lá me mentalizei que o melhor era despachar rapidamente o que tinha a fazer. Chega de sofrer por não fazer e de sofrer por não ter feito, num ciclo interminável e insano. No fundo, chega de procrastinação.
Respirei fundo mais uma vez e disse para mim mesmo “É agora!”. E foi. Comecei a escrever…