terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Amar

 

Amar é das palavras mais utilizadas, mas realmente nunca me questionei sobre realmente o que Amar significa.

Eu Amei e Amo muitas coisas, como livros, filmes, quadros, esculturas, músicas, estilos, tendências, ideias, ideais, lugares, cidades, e também algumas pessoas.

E também poderia amar animais de estimação, como tantos fazem, mas ainda não me deu para isso...

O meu Amor por tudo o que não são pessoas é de sentido único, pois amo e não espero retorno. E nem sequer sou ciumento, pois gosto muito que outras pessoas amem o que eu amo.

Amar pessoas, a maior parte das vezes, é extremamente complicado, muito mais do que amar simplesmente coisas materiais ou imateriais. Ou animais.

Posso Amar uma figura pública por gostar do que faz ou como o faz. E amo-a até me fartar dela.

Posso Amar alguém da minha família apenas por ser do meu sangue.

Posso Amar uma pessoa, romanticamente, mesmo sabendo que essa pessoa não me ama, mas se não a conquistar, sei que vou sofrer, mas superarei o drama e vou partir para outra.

Posso Amar uma pessoa, romanticamente, acreditando que essa pessoa me ama, mas se afinal essa pessoa não me amar, ou deixar de o fazer, regresso ao parágrafo anterior.

Amar romanticamente é um ciclo sem fim de ilusão, desilusão, sofrimento e superação. E desiludam-se todos o que acham que Amar é um festival sem fim de caricias, carinhos, frases doces e sentimentos lindos.

Quem tinha razão sobre Amar era Vinícius de Moraes, que termina o seu Soneto de Felicidade com "Amor é Infinito enquanto Dure"!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A Lua

 



Uma Lua enorme apareceu de súbito de entre as árvores, e tão fortemente iluminada que mais parecia uma estrela gigante, num céu profundamente negro.

Desde há minutos que ouvia uivos de lobos, e pelo som senti que estavam perigosamente perto.

Sem outras opções, subo a um pinheiro bravo com ramadas fortes, para poder suportar o meu peso, trepo até aos ramos mais altos, e amarro-me fortemente ao seu tronco.

Nesse preciso momento inúmeros lobos passam por baixo de onde estou, a perseguirem em alta velocidade uma presa que não consegui ver bem o que era, mas que me parecia envolta numa bela luz dourada.

Tão excitados estavam os lobos na sua  perseguição que, aparentemente, nenhum detetou o meu rasto, pelo que abandono rapidamente a árvore e fujo dali.

Necessito de abandonar a floresta, mas o problema é que esta é enorme, e se não sei onde estou, muito menos consigo saber para onde tenho de ir.

A Lua surge novamente e diz-me que me acompanha, que me apoia, que me vai aquecer e iluminar o caminho, e eu, com a esperança renovada, sigo na sua direção.

Do nada deparo-me com uma colina íngreme, o que me deixa bastante satisfeito, pois é sabido que os lobos não apreciam muito este tipo de terreno.

Mas a minha preocupação de sobrevivência continua, pois poderei estar a escapar de lobos me encontrar com ursos ou coisa pior, como buracos ocultos no gelo.

Mais uma vez, a Lua diz-me que devo permanecer confiante e calmo, e que esta aventura terá no seu final uma agradável surpresa, e eu sorrio, confiante na sua palavra.

Quando chego ao alto de um alto penedo para tentar avistar o final da floresta, deparo-me com um brilho dourado intenso, a rodear uma criatura.

Apesar do enorme susto que tive ao ver algo tão estranho, senti que aquela luz dourada e quente me estava a atrair.

A neve fofa abafa o ruído dos meus passos, e estou cada vez mais próximo, e a ver cada vez melhor tão estranha criatura.

Ao chegar mais perto, verifico que é uma criatura lindíssima, mágica, da qual nunca tinha visto nem ouvido sequer falar.

Reparo com tristeza que a bela criatura está ferida, com fios de sangue a correr pelo corpo, e compreendi que tinha sido atacada pelos lobos.

Ao notar a minha presença, a criatura assustou-se, mas não conseguiu pôr-se em fuga, tal o seu estado de fraqueza extrema.

Senti no meu intimo que tinha de levar a criatura dali, pois de certeza que daí a pouco tempo os lobos voltariam, para terminarem o que já tinham começado.

Pego na criatura nos meus braços, e para além de parecer não ter qualquer peso, até me dava a sensação de eu próprio estar a flutuar.

Animado com esta nova vantagem, começo a correr montanha acima, ouvindo cada vez mais longe os lobos a uivar de raiva ao longe, frustrados.

Chegámos perto do topo da montanha mais alta das redondezas, e descubro a entrada de uma caverna que me pareceu bastante acolhedora.

A caverna era perfeita para nos acolher, proteger e aquecer, pois, para além de servir de abrigo, permitia ver sem ser visto.

Dentro da caverna, vejo a criatura rapidamente a recuperar dos seus ferimentos, sem eu ter necessidade de fazer absolutamente nada.

À medida que se recuperava, o brilho da criatura aumentava, e as suas feridas sararam completamente em questão de poucos minutos.

Assim que ficou sarada, a criatura assumiu uma forma completamente humana e asas surgiram das suas costas, enquanto eu caí de joelhos, tal o meu espanto.

E o Anjo falou comigo numa estranha e linda língua, completamente desconhecida para mim, mas mesmo assim, consegui perceber tudo o que me disse.

O Anjo contou-me que, em desespero, tinha pedido à Lua que o salvasse, mas que teve como resposta que não podia, pois estava muito longe.

Mas a Lua tinha-lhe dito que ia enviar a pessoa perfeita para o salvar, e que estivesse descansado, pois a ajuda chegaria mesmo a tempo.

Dito isto, o Anjo fez-me uma profunda vénia de agradecimento, e voou em direção à Lua, a sua eterna companheira.

E foi assim que eu fiquei a saber que há muita coisa para além do que vemos e sentimos, e muitas delas são mágicas e lindas.

E que nada na vida acontece por acaso….

(E um Feliz Natal a quem leu este texto)

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Luís

 

Desde cedo o Luís descobriu que não gostava de estudar e foi procurar trabalho. Porém, como descobriu que não gostava de trabalhar, foi procurar forma de conseguir subsistir sem fazer nada. “Se não gostas de estudar nem de trabalhar, o que é que vais fazer da tua vida?”, perguntava o seu já muito desanimado pai.

E o próprio Luís não sabia dar-lhe resposta. Porém, sabia era que não gostava de se esforçar em nada. E ainda tinha a arte de convencer os seus amigos que trabalhar só trazia infelicidade e que estudar era uma pura perda de tempo.

Uma vez a sua tia, D. Belmira, virou-se para ele e disse “Como não gostas de trabalhar nem de estudar, devias era arranjar uma velha rica”, e essa frase, lançada como uma brincadeira, destinada a cair em saco roto, bateu fundo na cabeça do Luís. E se fosse essa a solução? E se fosse essa a sua forma perfeita de viver a vida?

No dia seguinte, todo janota e com a barba feita, lá estava o Luís em casa da sua tia para saber se ela tinha amigas ricas, de preferência velhas como ela, pois as novas endinheiradas nada queriam com ele. É que um tipo tem de se safar na vida, e esta parecia ser uma excelente forma de se viver, desde, claro está, que a velha não o pusesse a trabalhar.

Depois de muito se rir e de verificar, com espanto, que o seu sobrinho realmente falava a sério, a D. Belmira pôs-se a pensar qual seria a melhor "vítima". Tinha de ser rica e velha, e como ia levar com um cromo como o seu sobrinho, tinha de ser bastante ingénua e muito crédula.

A escolha recaiu logo na D. Augusta, uma viúva endinheirada e que se julgava ainda na flor da idade, se bem que essa já tinha passado há muito. Ela tinha uns pretendentes, mas eram mais caquéticos que ela, e por isso não ofuscariam a pretensão do Luís.

E a D. Augusta foi logo convidada para almoçar em casa da D. Belmira, e tal como combinado, apareceu “de surpresa” o Luís. “Estava a passar por aqui e resolvi aparecer para dar um grande beijo à minha linda tia”, disse um Luís falsamente carinhoso, perante os olhares gulosos da esfomeada D. Augusta, viúva há demasiado tempo….

E foi assim que o cabrão do Cupido apareceu à janela e disparou a sua seta encantada, atingindo o coração empedernido da D. Augusta, encantando-se imediatamente pelo Luís. Era o Luís para aqui, o Luís para ali, moço tão formoso, olha que busto, tão simpático, tão prestável, que sorte de ser seu sobrinho, D. Belmira.

E no fim do almoço lá foi o Luís acompanhar a D. Augusta a casa, para esta não ir sozinha, pois podia-se sentir mal, e no caminho, a velha ia relatando o que tinha de posses, e o que não tinha de herdeiros, fazendo com que o Luís começasse a “afiar as facas” no propósito de ficar o resto da sua vida como queria, ou seja, sem fazer pevide.

Olhou de soslaio para a viúva e disse para si mesmo “Esta velha carcaça só deve durar mais uns três anos”, e rematou: “Três anos de inferno e trinta de paraíso. Parece-me mesmo muito bem!”, e com o sorriso mais cínico que conseguiu, deu o braço à D. Augusta e começaram a caminhar em direção àquela que, em breve, seria a sua nova casa.

Os dias passaram e Luís e Augusta eram cada vez mais inseparáveis. Ele ainda teve de correr com uns dois ou três pretendentes, que andavam a “arrastar a asa” à D. Augusta, mas como não eram tão rijinhos de carnes como o ele, não apresentavam ameaça credível. E quando o vento frio batia nas vidraças, o Luís lá ficava a aquecer-lhe o edredão de penas…

O que o Luís não esperava é que nesse entretanto, a viúva pareceu rejuvenescer, passou a usar roupa de cores mais claras, e emagreceu bastante, enquanto que o Luís deixou crescer o bigode, numa tentativa de parecer mais velho e responsável. E saíam todos os dias para almoçar na Baixa, em restaurantes com mesa marcada.

Já se tinham passado mais de seis anos desde que os pombinhos se tinham conhecido, e eles pareciam que tinham trocado de idade. A D. Augusta estava elegante, confiante e saudável, enquanto que o Luís parecia que tinha envelhecido vinte anos, sempre com um semblante carregado.

É que a vida do Luís nestes últimos anos tinha sido apenas tratar da D. Augusta, com imensos requintes e horários rígidos: era o cházinho de ervas, a massagem dos pés e dos bicos de papagaio, o tratamento dos calos, a confeção do jantar com dieta rigorosa, as compras, o raio que a parta!

E o Luís só pensava “Mas esta velha não morre?”, “Mas como é que o raio da velha está cada vez mais saudável?” “O que é que eu fui fazer da minha vida?”. E começou a entrar em depressão, em desespero, em angustia, e piorava muito quando se cruzava com alguma jovem da sua idade e ela deixava largar um olhar mais demorado.

Tenho de fazer alguma coisa senão rebento! A velha tem de ir e é já.” E eis que, num impulso, Luís marca uma viagem surpresa à Madeira, destino romântico de eleição, com o objetivo da sua Augustinha conhecer a ilha, mudar de ares, deixá-lo sossegado uns dias. E claro, resolver o seu problema.

E lá foram as duas alminhas para o Funchal, ficando instalados num excelente hotel com uma vista magnifica sobre a baía. A Augustinha muito feliz com a surpresa, e o Luís com a esperança que dias melhores ainda podiam vir, e marcaram um tour à roda da ilha, com um passeio por uma das Levadas mais belas.

A Levada que o Luís escolheu tinha apenas 1,5 km de ida e de igual distância na volta, não sendo necessário guia e dentro das possibilidades físicas da D. Augusta, e era muito recomendada, chamada “Vereda dos Balcões”, com vistas incríveis sobre um profundo vale, na Freguesia do Faial. Era perfeito.

No percurso, Luís, manhoso, deixou-se ficar para trás, à espera do momento certo, enquanto que a sua Augustinha tirava fotos e lançava gritinhos de contentamento “Ó meu querido, olha ali que é tão lindo”. Luís cerrava os dentes e dizia “É mesmo uma linda paisagem, meu amor, mas sabes que tu és muito mais linda que tudo isso, não sabes?”. E lançava-lhe beijos para o ar.

Chegados ao Miradouro dos Balcões, Luís abraçou-a por trás e contemplaram juntos a paisagem incrível. Ele sentiu que era chegado o momento. Mas, ao iniciar o ato criminoso que arquitetou, arrependeu-se, sentiu que não tinha fibra moral para tal, nem sequer maldade suficiente. Uma coisa era pensar, e outra bem diferente era executar.

Mas no meio de todos esses pensamentos, Luís já tinha dado ao seu corpo um impulso em direção ao precipício, no sentido de empurrar a sua Augustinha, mas eis que nesse preciso momento ela debruça-se para ver melhor o fundo do vale, e o Luís ganhou balanço em direção ao espaço aberto, e sem a levar com ele…..

E o Luís viu-se assim a cair nas profundezas, sabendo bem que ia morrer daí a segundos, vendo ao mesmo tempo que a sua Agustinha permanecia sã e salva, como intimamente queria, no alto da montanha, sentindo no desespero dela que o amava de verdade, e ele finalmente seria livre de todas as amarguras que a sua vida lhe tinha proporcionado. E desta forma, morreu feliz!


quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O Acordar de um Sonho

Acordo a lembrar-me que sonhei, e o sonho era o de acordar de um sonho.
Confesso que quase nunca sonho, ou se sonho, nunca me lembro do seu conteúdo, tornando esta lembrança algo com um profundo significado. 
E se o sonho de acordar de um sonho significar o fim de uma paixão, visto ambos serem loucuras, irreais pensamentos e sentimentos muito intensos?
E esse final de paixão terá resultado em amor? Não sei a resposta, apesar de ter bastante curiosidade.
É que sendo a paixão um sentimento tão forte, o mais certo é que esse hipotético amor tenha perecido nas intensas chamas, não restando mais nada, nem mesmo uma Fénix Renascida.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

A Queda da Liberdade


 Vivo num país democrático, com todas as liberdades e garantias, e em que as leis asseguram que os seus habitantes tenham toda a liberdade para poderem exprimir as suas opiniões, sobre todos os temas, sem receio de serem perseguidos.

Até há uns anos atrás, se queria saber mais sobre qualquer assunto, via, ouvia e lia opiniões de especialistas. Se aceitava ou não as suas opiniões, era um problema exclusivamente meu, mas se não concordasse, não me passaria pela cabeça ir ter com essas pessoas para lhes mostrar o meu desagrado.

Atualmente, vejo pessoas, por vezes completamente desinformadas, mas com opiniões irredutíveis sobre um determinado tema, a procurar destruir moralmente os que não partilham as mesmas opiniões, restringindo as suas liberdades e direitos de pensar diferentemente.

Se num passado recente, nenhum tema era tabu, e podíamos abordá-los e discuti-los civilizadamente, agora todos são tabu, pois com as opiniões e as tomadas de posição tão extremadas, ninguém de bom senso ousa expressar a sua opinião, com receio de ser queimado em praça pública pelos extremistas.

É que na realidade todos os temas são controversos, desde a religião à politica, do ambiente à sexualidade, da educação à exploração espacial. E todos são suscetíveis de lutas fratricidas e de tomadas de posição extremadas, especialmente quando falta o mais óbvio bom senso.

Assim, se não são os governos que limitam as liberdades individuais, são as pessoas que perseguem e intimidam os que têm pensamentos divergentes dos delas. E desta forma assistimos à queda da liberdade de expressão e de pensamento nos países ditos democráticos e livres…..


sexta-feira, 14 de maio de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Seis

 

Nos Cinco Pontos anteriores, instruí-vos para viverem sozinhos, terem à mão girassóis espinhudos para a inevitável guerra dos sexos, nunca terem mais de 42 anos, estarem sempre muito bem convosco próprios, e por fim, e para não sofrerem desgostos com ninguém, cortarem nas relações interpessoais e viverem como eremitas num chalé no alto de uma montanha.

Com tantas pérolas de sabedoria, sei que atingiram um patamar elevadíssimo de Felicidade, mas não atingiram o pico da montanha, pois ainda falta o Ponto Seis, o último, e com esse sim, consolida-se a Felicidade Suprema, Interminável e Inesgotável.

Li algures que se o morto não sabe que está morto, o estúpido não sabe que é estúpido, o menino da mamã não sabe que o é, tal como a mãe galinha, entre muitos outros casos. E mais, não sabe que o é, recusa-se a assumir que o é, mas aponta a dedo outros que o sejam.

Assim, o estúpido nunca se considera estúpido, mas aponta muito facilmente outros como estúpidos, para ele notoriamente mais burros que ele, e o mesmo acontece com os meninos da mamã e as mães galinha. É o que diz o brasileiro que “o macaco só olha no rabo do outro”.

O psicólogo David Dunning descobriu que “desconhecemos os limites da nossa incompetência, não a dos outros.”, e ainda “os que mais tendem a ter melhor ideia sobre si mesmos são, exatamente os menos capacitados.

É o que chamo de limitações ou incapacidades emocionais. São como daltónicos das emoções. Na verdade, essas pessoas estão mesmo a ser sinceras quando negam o que é evidência, mas apenas pelas suas limitações emocionais, muitas vezes fruto do modo como foram criadas ou vivenciadas subsequentemente.

Assim, e visto que está provado cientificamente que faz parte da natureza humana haver uma limitação ou incapacidade emocional em descobrir os limites da nossa própria incompetência, aconselho-vos a darem um passo atrás, deixem de ver as árvores e vejam a floresta, e verão que toda a perspetiva muda.

A negação das evidências começa porque a maior parte das pessoas não consegue escutar, e só ouve o outro o suficiente para ripostar, para contra-atacar, com tudo o que tem, pois considera logo à partida que está a ser afrontada, especialmente quando o tema é família. E a discussão começa e a conversa acaba, para nunca mais voltar.

Assim, a via para seres verdadeiramente feliz é não negares à partida tudo o que te incomoda, seres humilde, curioso, questionares, leres livros sobre Filosofia, pensares por ti próprio, analisares os vários lados da questão antes de tomares decisões.

E principalmente, escutares verdadeiramente, pois se tens duas orelhas e uma boca, é para escutares mais do que falas, que é, de resto, o Ponto Seis da Felicidade Suprema.

E sejam Felizes. E assim, sim, para todo o Sempre!

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Cinco


 

Desde tempos imemoriais que a Humanidade quer descobrir o Segredo para as Relações Felizes, Duradouras, Solidárias, Fieis e Saudáveis (SRFDSFS). Agora experimentem lá dizer esta sigla muito depressa.

É que o Mundo seria um sitio maravilhoso para se viver se todos nos dessemos bem uns com os outros, nos relacionássemos de uma forma perfeita, se todos fossemos educados e gentis uns com os outros. Mas não somos, e ninguém sabe porquê…

Está por demais evidente que as relações não dependem do feitio de cada um, pois o que mais vejo são pessoas que são umas autênticas “bestas” para uns, ao mesmo tempo que são umas “joias raras” de educação, respeito e companheirismo para outros, tudo isto sem uma explicação lógica e coerente.

Assim, e depois de muito refletir sobre o assunto, tenho a honra (e a pouca vergonha) de anunciar que descobri o tão ansiado Segredo! Mas (nestes casos há sempre um Mas), desde já informo que este pode não agradar a todos….

O segredo para as Relações Perfeitas é, simplesmente …. não termos relações nenhumas, com ninguém, nunca mais! Isso mesmo. Se não tivermos relações com outras pessoas, de certeza que elas não nos irão desiludir, entristecer, revoltar, enciumar, trair ou trocar. Nem nós a elas. Seria perfeito!

E eis a tão esperada evidência cientifica: os eremitas, espalhados por todas as montanhas e buracos ao redor do mundo, sem relações com ninguém, não estão em extinção, não entraram em guerras, revoltas ou greves, vivem rodeados de bichos peçonhentos e, mesmo assim, conseguem ter uma tensão arterial de 12 / 8!

Os Eremitas têm uma Vida Perfeita por não terem Relações Interpessoais!

Assim, para não teres desconsolos com mais ninguém, deves evitar as relações seja com quem for, e para isso deves comprar um chalé de montanha, e instalar-te lá, serenamente, para sempre, e que é, de resto, o Ponto Cinco da Felicidade Suprema.

E sejam Felizes. E assim, sim, para todo o Sempre!

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Quatro

 


Toda a gente fala da Felicidade como se fosse a coisa mais importante do mundo, e deve ser, pois só vejo pessoas a viverem para serem Felizes. E eu nada, sem saber que raio é isso, onde se compra, quanto custa e em que dias há descontos.

Mas afinal onde é que eu vou buscar a Felicidade? É muito simples. Apaixonas-te e ficas Feliz. Toda a gente sabe que, se estiveres apaixonado, estás feliz, e se estás feliz é porque estás apaixonado. É simples. E deixaram de haver aquelas complicações com Amor e outras tretas do género.

Claro que para os fósseis nascidos no Século XX, como eu, essa teoria não “entra” lá muito bem, mas agora é assim, e tens que aceitar e calar muito bem a tua boquinha. E mais, é completamente proibido que alguém possa sequer tentar ser feliz sozinho. Não pode. Ponto! E não há mais discussões. É contranatura.

Com mil Raios. A Felicidade é como o Cu, cada um tem o seu. Acho que se pode muito bem ser feliz sozinho e consigo próprio, e ser altamente infeliz com alguém que esteja, no momento a amar ou apaixonado. E para mim, Amor e Paixão não são a mesma coisa, nem aqui nem na China. E são coisas mesmo muito diferentes!

Pode-se encontrar a Felicidade num momento fugaz e sublime de estar a olhar para as águas de um rio, a apreciar uma estrondosa obra de arte ou a ler um belíssimo livro, sentado numa poltrona em frente a uma lareira, sentido a neve a cair lá fora, no mais elementar cliché de livro de cordel.

Assim, para terem momentos de Pura Felicidade não é obrigatório que alguém esteja na vossa vida! Imprescindível é estarem muito bem convosco próprios, beberem um excelente Vinho Tinto, ao mesmo tempo que brindam à vossa Saúde, e que é, de resto, o Ponto Quatro da Felicidade Suprema.

E sejam Felizes. E assim, sim, para todo o Sempre!

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Três

 


Já faz um tempo que os homens andavam em grupos a caçar mamutes, enquanto que as mulheres ficavam com as atividades de recolha de frutos à volta do acampamento, a tratar dos filhos, dos doentes e dos idosos. Se salientar que idoso, naqueles tempos, era quem tinha mais de trinta anos!

Passados uns séculos, mais precisamente em 1960, foi publicada na primeira página do Jornal do Comércio, da cidade de Manaus, Brasil, a notícia que um autocarro desgovernado entrou numa casa e matou uma velhinha de…. 42 anos!

Como os tempos mudaram. O “novo” Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, tem uns vetustos 78 anos, e venceu as eleições ao Donald Trump porque este foi considerado demasiado novo e imaturo para o cargo, pois tem “apenas74 anos. É tudo uma questão de idade.

Idade é uma merda de medida que alguém inventou e que nem termina quando "passamos desta para melhor", pois por vezes aparecem uns engraçadinhos a dizerem “hoje, dia 13 de junho, o Fernando Pessoa faria 133 anos.” Raio que os parta.

Desde sempre que se mente sobre a verdadeira idade. O “nunca se devia perguntar a idade a uma senhora” não é propriamente inocente. E que dizer do futebol júnior, com os tipos gigantes que apresentam passaportes a comprovar que apenas têm 10 anos, mas que já fazem a barba?

Com tantas leis, decretos, regulamentos, portarias e outras tantas porcarias, ainda não houve um único legislador no mundo inteiro que tivesse a decência de estabelecer a norma legal que a partir dos 42 anos, deixa de haver obrigatoriedade de se fazer anos. Seria facultativo, quem quiser faz, quem não quiser não faz. Eu não faria. Claro que haveria imensa gente com 42 anos…

Assim, mesmo correndo o risco de, mesmo assim, serem considerados velhinhos ou velhinhas, se tiverem nascido antes de 1979, digam sempre que têm 42 anos, e livrem-se de celebrar mais alguma vez aniversários, e este é, de resto, o Ponto Três da Felicidade Suprema.

E sejam Felizes. E assim, sim, para todo o Sempre!

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Dois

A minha querida mãe sempre me disse “bater numa senhora nem com uma flor”. E eu, pequenino, só me imaginava a bater numa menina com um girassol dos grandes, não com um malmequer merdoso. Sim, naquela idade a minha imaginação já era fértil e tinha pensamentos um tanto ou quanto perversos.

A questão do “é de pequenino que se torce o pepino” é totalmente verdadeira, pois estes preceitos de educação camiliana, incutidos em tenra idade, condicionaram e muito a minha relação com as mulheres, pois impediu-me muitas de vezes de reagir como devia ser. Não que lhes quisesse bater com um girassol dos grandes, mas….

No meio disto tudo, a minha única dúvida é, e vai continuar a ser, saber se, para a minha querida mãe todas as mulheres eram senhoras, ou se as senhoras eram apenas uma minoria no total das mulheres. Jamais irei saber.

Felizmente que, com a idade, os condicionalismos tendem a perder força, e secretamente tenho uma grande plantação de Girassóis Espinhudos lá para os lados de Benavente. Desculpe lá mãezinha, mas por vezes, o que tem de ser, tem de ser, e o que tem de ser tem muita força, e um gajo não consegue ser de ferro a vida toda.

Eu sei que vou chocar muitas pessoas, mas tenho um anuncio a fazer: “Não há relações perfeitas!” Chiça, custou-me dizer, mas tinha de ser dito. As relações “quase” perfeitas duram o tempo exato em que ambos estão tão entretidos a fazer poucas vergonhas que nem conseguem reparar nos defeitos um do outro!

E ainda digo mais, mesmo sabendo que a maioria de vocês ainda está de cabeça à nora pela minha anterior revelação, mas aqui vai: “Não há pessoas perfeitas!”. E quem se julga perfeito, é por que é ainda mais imperfeito que os outros, tem é mania e julga que os outros são trouxas.

Assim, para se estar devidamente preparado para a proverbial Guerra dos Sexos, deve-se ter sempre à mão Girassóis Espinhudos, pois nunca se sabe quando se vai precisar deles, e se não servirem para bater, servem de arma de dissuasão, e este conselho é, de resto, o Ponto Dois da Felicidade Suprema.

E sejam felizes. E assim, sim, para sempre.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Guia para a Felicidade Suprema - Ponto Um



 Mas afinal o que leva dois seres a juntarem-se, a ficarem juntos, como pombos? Muitas vezes pensei nisso e só obtenho duas respostas: quando o solteiro está farto de ser Feliz, ou então que é Feliz e nem o sabe!

Na realidade, a resposta à minha questão varia entre vantagens económicas, atração física, intelectual ou pelo que o outro tem, um objetivo comum, filhos e, finalmente, o famoso, não querer estar sozinho.

Cada caso é um caso, e só dentro da cabeça de cada um é que se pode saber a razão principal para que uma alminha decide atura outra, quando poderia muito bem estar feliz da vida, a assistir à série televisiva preferida, sem ter a cara metade a querer assistir a outra coisa.

Antes que algum leitor mais atento faça a pergunta, faço-a eu “E o amor?”. E respondo logo: "Em lado nenhum!" Mas desde quando é preciso estar sempre com a pessoa que amamos? Chiça. É demais, não? Não há um mínimo de privacidade?

Tenho como profunda convicção que a convivência diária estraga o Amor, e acuso especialmente a rotina como a principal responsável pelo desgaste das relações. Quanto mais se está com a outra pessoa, mais esta vai perdendo o charme, aos nossos olhos.

Assim, se querem realmente uma relação amorosa duradoura igual à dos filmes, vejam-se de vez em quando, de preferência por Videochamada, e já podem, inclusive, ficar de porta aberta quando estão na casa de banho, que é, de resto, o Ponto Um da Felicidade Suprema.

E sejam Felizes. E assim, sim, para todo o Sempre!

quinta-feira, 15 de abril de 2021

A Felicidade



Na sociedade digital e das redes sociais do século XXI, estabeleceu-se a ideia que o único objetivo da vida é o de se alcançar a Felicidade.

Mas para isso tens de ser jovem, bonito, corpo perfeito, rico, simpático, famoso, e estares acompanhado de pessoas como tu, e sempre a divertirem-se em lugares paradisíacos.

Por isso, só podes ser verdadeiramente feliz se estiveres com pessoas lindas, num resort de cinco estrelas e exclusivo nas Bahamas, a beber Champagne Cristal e a comer lagosta suada ou trufas.

Imprescindível é publicares tudo o que deliciosamente fazes no Instagram, apenas e só para chatear os invejosos e para eles terem a real ideia da vida que tu tens, e que eles não têm e que nunca terão.

Também importante é que, depois de teres atingido a felicidade suprema, tens de garantir que esta será eterna, como nos contos de fadas, que terminam com a frase “e foram felizes para sempre…

É evidente que, com este conceito de felicidade verdadeiramente inatingível, criou-se uma geração de pessoas frustradas e sem autoestima, que, vivendo a felicidade dos outros à distãncia de uma rede social, nem sequer tentam ser felizes, apenas sonham sê-lo.

Eu, porém, só consigo atingir a felicidade se estiver verdadeiramente bem comigo próprio, pois é dentro de mim que tenho de encontrar o que realmente me faz feliz.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Revelações

 


Considero o ato de Pensar como algo maravilhoso, especialmente quando desse ato consigo obter revelações acerca dos verdadeiros significados sobre situações e sentimentos.

Depois desses exercícios mentais, fico a chamar-me de estúpido, pois estas revelações estiveram sempre ali, pacientemente à espera que eu as descortinasse.

Mas porque é que estou a obter esse tipo de descobertas tão tarde? É que se tivesse obtido essas respostas mais cedo, teria tomado outras opções e a minha vida teria sido outra!

Mas como as revelações estão a ser tardias e a conta-gotas, só me permite dizer “se eu tivesse sabido disto mais cedo, teria agido ou decidido de outra maneira!

Sei que o tempo não volta atrás, que as situações ocorridas já fazem parte do passado, e “não adianta chorar sobre o leite derramado”.

Na realidade, nunca escutei os mais velhos, e decerto que cada um deles devia ter tido também as suas revelações, mas que nunca mas transmitiram. Mas agora sei a razão.

É inútil e escusado transmitirmos revelações, pois cada de nós é que deve obter os conhecimentos, pois estes são adaptados à realidade de cada um de nós.

Cada ser humano é único e irrepetível, fruto da sua genética e de percursos pessoais, moldados através da educação, das relações e dos conhecimentos.

No entanto, malditas revelações, que chegam apenas no balanço da vida, quando já é demasiado tarde para poder mudar seja o que for.

Mas é assim a Vida. E nada mais me resta senão aceitá-la tal como ela é.

quarta-feira, 3 de março de 2021

A Minha Pandemia Privativa

 



Até finais de 2019 a maioria das pessoas nunca tinha ouvido falar da palavra pandemia. Eu já sabia o que era, mas só de ler nos livros de história.

Nas descrições da história da humanidade, há sempre menos referências às pandemias do que à vida dos poderosos.

Vê-se bem que a doença, a fome e a morte das pessoas comuns nunca mereceu destaque, pois sempre foi a regra, nunca a exceção.

Tenho atravessado esta pandemia de uma forma quase singular, pois tenho ido trabalhar todos os dias, estando fisicamente no mesmo local de trabalho, a fingir que nada se passa.

Ver a sala sem colegas, os edifícios desertos, os passeios sem pessoas e as lojas e restaurantes encerrados, mexe comigo, e não há maneira de me habituar.

Confesso que por vezes sinto-me, no meu local de trabalho despido de pessoas, como se fosse “o último homem na Terra”, e acreditem, não é uma boa sensação…

Acredito que as pessoas que estão fechadas em casa, por razões inversas às minhas, também estão mexidas. E algumas, mesmo muito.

Pergunto-me se os confinados estão desejosos de sair ou, inversamente, vão continuar com receio de estar com outras pessoas.

Dizem que é para breve que vamos todos sair de casa, respirar sem máscara, viajar, abraçar e falar de outros assuntos.

O que não dizem é que bastará um boato de que anda outro vírus a circular para que todos se voltem a refugiar nas suas casas, em pânico.

É que se “gato escaldado de água fria tem medo”, os humanos são muito piores que os gatos.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A P*ta da Vida (2)



SEGUNDA REFLEXÃO SOBRE ESSA RAMEIRA

Estou entre a espada e a parede, com a ponta da lâmina a furar-me o peito, e a começar a doer bastante.

Estou naquela idade em que sinto o tempo a fugir, mas ainda estou com muita vontade de poder fazer muita coisa.

Porém, tenho cada vez mais consciência que, por mais que me esforce, já não conseguirei fazer tudo o que gostaria.

Sinto pena, não de mim, mas por mim….

Eu até nem comecei tarde, mas por causa de ti, P*ta da Vida, parei, divergi, atalhei, e quando dei por mim, não estava a fazer nada do que tinha desejado e previsto.

E quando quis retomar o caminho original, vi surgirem todos os obstáculos possíveis e imaginários.

Agora, que ganhei consciência que, para fazer coisas que gosto, não é preciso estarem reunidas as condições ideais, já não tenho tempo para tudo fazer.

Estou a tentar retomar, mas sinto um amargo de boca pelo tempo de vida desperdiçado, pelas coisas que já não vou descobrir, pelos mistérios que nunca irei desvendar.

P*uta da Vida que não me avisaste que a Vida era tão curta, que passava tão rápido, e de que eram precisas duas ou três vidas para poder sentir que vivi em pleno.

E, sinceramente, porque raio não me deste tu um simples manual de instruções de “como viver”? É que sempre me terias poupado a muitas frustrações.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A P*ta da Vida (1)

 

PRIMEIRA REFLEXÃO SOBRE ESSA RAMEIRA

Uma grande amiga minha disse-me uma vez que por vezes não sabia o que queria, mas sabia muito bem o que não queria. Depois disso já ouvi essa pérola de sabedoria mais algumas vezes, mas isto é como tudo, pela primeira vez tem sempre mais impacto.

Realmente é fundamental sabermos o que não queremos aturar, o que não podemos permitir, o que não estamos dispostos a que nos façam. O resto torna-se mais fácil, pois ao traçarmos uma linha definida do NÃO, tudo o que fica do outro lado é SIM.

Mas a Vida, essa Gaja Insana, não facilita, e coloca entre o NÃO e o SIM uns “talvez”, “de acordo com as circunstâncias”, “se for assim não, mas se for de outra forma sim”, e assim por diante, que transforma o que era apenas branco ou preto num quadro com enormes manchas cinzentas.

P*ta de vida que tanto me lixas! Por que razão nunca me colocas em situações perfeitas ou perante pessoas perfeitas? É que para imperfeito já basto eu, e não preciso de mais. Mas assim seria demasiado fácil, e tu não estás para me facilitar nada, pois não?

É que se nem a mim próprio consigo entender, escuso de continuar a tentar entender os outros, tornando-se perfeitamente inútil estabelecer qualquer tipo de empatia perante pessoas que são tão doidas e incoerentes como eu próprio. Ou piores ainda, se fosse possível.

Cada vez tenho mais a certeza que nunca soube viver, e por isso invejo os outros que realmente o sabem fazer, facilmente. Sempre defendi a ideia que viver é fácil, mas que, muitas vezes, o pessoal é que complica.

Raios! O que é que se passa comigo, afinal? Terei faltado a uma lição importante de vida? Terei interpretado mal alguma coisa? Serei demasiado estúpido para perceber? Mas já não importa, pois estou resignado de que nunca saberei a verdade.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O Crápula (6 de 6) Epílogo

 

EPILOGO

Peguem num rapaz traumatizado por ter uma matrona como mãe, que teve de se assumir como adulto de um dia para o outro, que foi obrigado a casar porque tinha engravidado uma rapariga. Já não é pera doce.

Agora peguem nesse homem traumatizado, e revelem-lhe que a mulher com quem se casou, por estar grávida, afinal já estava nessa situação antes de o conhecer. É que a Rita se tinha perdido de amores por um vizinho, que a desvirginou e emprenhou, e que ela continua verdadeiramente apaixonada por ele.

Tudo isto fez com que o Hélder se transformasse num ser extremamente frio, calculista, cruel, que despreza finamente os outros seres humanos, principalmente as mulheres, que para ele, são a fonte de todo o mal, qual Eva, que fez entrar o pecado original no Paraíso.

Ele agora só está contente quando engana alguma mulher, quando a faz apaixonar perdidamente por ele, para depois a humilhar, a fazer sofrer horrores, de lhe dar uma réstia de esperança de entendimento, para logo de seguida mudar de ideias.

Quantas não vimos a chorar, desesperadas, depois de lhe irem bater à porta e ele nem se dignar a recebê-las? Quantas deixaram tudo para trás em busca do verdadeiro amor, e caíram? Quantas ele deixou desonradas perante as respetivas famílias?

O Hélder tornou-se assim no maior crápula de que já existe memória, mas, de quem lhe conhece a história da razão desse procedimento, o culpará verdadeiramente? Eu não, se bem que me arrepie sempre que me lembre do que lhe fizeram e do que anda a fazer.

As histórias dele chegaram-nos aos ouvidos por muito tempo, e passado algum tempo já nem tinham interesse, pois eram meras repetições de um esquema de atração e de repulsa, e que já nem sentíamos pena das vítimas.

Deixámos de ver o crápula por uns tempos, e só pensámos que alguma já se vingou e o Hélder já deve estar ou no fundo de um ribeiro, com uma pedra ao pescoço a servir de gravata, ou sete palmos abaixo do chão num ermo qualquer.

Os próprios pais dele andavam muito preocupados, pois nem eles tinham quaisquer notícias da sua pérfida cria, e claro que temiam o pior. E as semanas passavam e nada do Hélder. E assim passou a Primavera, o Verão, o Natal, a Passagem do Ano e nada. Já quase nos esquecemos dele.

Antes do Carnaval, alguém apareceu a dizer que tinham visto o Hélder a caminhar na praia, e quando o saudaram, ele respondeu, muito bem-disposto. Estava, portanto, vivo e de boa-saúde. Mas nada de aparecer.

No Domingo de Páscoa, quando vínhamos da Missa, reparámos num táxi que tinha acabado de estacionar, e de lá saiu o Hélder, acompanhado de uma mulher. Estranhámos, pois ele nunca tinha trazido nenhuma para casa dos pais. Elas só iam bater-lhe à porta depois de descobrirem onde ele morava.

E para nosso espanto, nos braços dele carregava um bebé. Ele ia de mão dada com a mulher, que transbordava confiança. O crápula tinha desaparecido, e o Hélder tinha ressurgido. Graças ao Amor.