sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A Fuga (1 de 4)

Muito devagar, coloco a chave na fechadura, abrindo lentamente a porta. Mesmo tendo a certeza da casa estar completamente vazia, espreito lá para dentro antes de entrar. Só para me certificar.
Estou a fazer o melhor para mim ou a cometer a maior loucura da minha vida?”, digo baixinho.
Retorno à minha casa no final de um magnífico dia de verão e esta estava como eu tinha deixado. Inspiro profundamente, dou um passo e entro.
A porta, ainda aberta, parecia significar de que eu não estava plenamente certo do que estava a fazer. “Enquanto não fechar a porta, posso sempre voltar atrás nesta minha decisão”.
Mas na realidade já não podia. E de resto nem queria. Fecho a porta lentamente, como a pedir perdão pelo que estava a fazer. E especialmente à Rita.
Senti-me naquele momento completamente isolado do Mundo. E se antes adorava essa sensação, agora estava simplesmente a odiá-la. E nem sabia porquê.
Sentei-me no chão e fechei os olhos, deixando a nostalgia invadir-me. Mas antes de conseguir centrar-me nesses sentimentos, toca o telemóvel. E eu sem vontade nenhuma de o atender….
Mas será que já é a Rita? Tão cedo? Já terá chegado a casa dela e dado por minha falta?” Não era. Afinal, era só a minha irmã.
Atendo com uma voz de meter medo ao susto “Sim, diz…” ao que ela responde, já irritada “Chiça, mano! Mas isso é modo de falares comigo? Estás sozinho? Podes falar? Já chegaste a casa? Podes falar?
E lá continuou ela o monólogo. E eu sem nenhuma pachorra para a aturar!
Silenciosamente, coloco o telemóvel no chão, deixando-a a falar sozinha.
Viva o sossego! E a liberdade....

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Renascer

O Sol está a desaparecer tão rápido do firmamento que até julgo que este tem pressa em abandonar a cena. Será que ele tem medo do escuro? Da escuridão, só tenho medo da que existe na minha alma, confesso.
O barulho das ondas a quebrarem, pesadamente, na praia, torna-se cada vez menos presente, enquanto o ruído dos meus pensamentos me enche a cabeça, até não saber, sequer, se é noite ou dia, se chove ou se faz sol, ou se as gaivotas, afoitas, já estão em cima de mim, em busca de qualquer resto de comida.
Os pensamentos tomam-me definitivamente de assalto e eu quebro, como as ondas. Por momentos ainda tento resistir, voltar atrás, concentrar-me na idílica visão do pôr-do-sol, sonhar acordado, mas tal já não me é possível. Estou perdido nas minhas dúvidas.
Como é que isto tudo aconteceu? Como é que a minha vida ficou assim? Como é que não dei por isso? Porque é que ninguém me alertou? Como me deixei transformar naquilo que mais temia vir a ser? Porque é que as coisas boas acabam assim?
As perguntas sucedem-se a um ritmo tal que não me deixam raciocinar, responder, argumentar, defender-me. Sou acusado por mim mesmo num tribunal que não admite defesa nem recurso. E as penas são todas cruéis, sendo a mais leve o degredo.
Sei que choro por dentro mas não tenho a certeza se choro por fora. Mas dane-se se quem me esteja a ver e que não goste de ver um homem feito nesses propósitos. Eu só choro com razão, e por fortes sentimentos. É que se não sabem ficam a saber, que mesmo homens feitos têm sentimentos. E choram.
Por ela estou a chorar pela segunda vez. E em ambas, pela ideia de a perder. Mas como tudo mudou. Na primeira vez chorei porque a ia perder, por sua decisão. E hoje choro porque a vou perder, mas por minha única e exclusiva vontade.
Se o sentimento mudou foi para ficar ainda mais forte, mais robusto, mais interligado. Mas, infelizmente só isso não chega. É preciso mais do que sentimentos. E sei agora que esse mais não está ao alcance de todos, só de alguns. Talvez esses tenham apenas mais sorte. Ou apenas mais bom senso.
Quantos têm sentimentos um pelo outro e não estão juntos? Serão tantos como aqueles que estão juntos e não têm sentimentos um pelo outro? A vida é injusta para com o Amor, pois muitas vezes junta quem não se quer, e afasta quem se quer.
Lentamente afasto a bruma dos meus pensamentos, das decisões e indecisões, dos sentimentos, das emoções, das relações, das gaivotas, da luz e da escuridão das almas, das questões, dos íntimos tribunais, das suas e penas e dos degredos.
Regresso a mim, como num longo acordar, e abrindo os olhos vejo o sol a renascer. Tal como eu….