quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A P*ta da Vida (2)



SEGUNDA REFLEXÃO SOBRE ESSA RAMEIRA

Estou entre a espada e a parede, com a ponta da lâmina a furar-me o peito, e a começar a doer bastante.

Estou naquela idade em que sinto o tempo a fugir, mas ainda estou com muita vontade de poder fazer muita coisa.

Porém, tenho cada vez mais consciência que, por mais que me esforce, já não conseguirei fazer tudo o que gostaria.

Sinto pena, não de mim, mas por mim….

Eu até nem comecei tarde, mas por causa de ti, P*ta da Vida, parei, divergi, atalhei, e quando dei por mim, não estava a fazer nada do que tinha desejado e previsto.

E quando quis retomar o caminho original, vi surgirem todos os obstáculos possíveis e imaginários.

Agora, que ganhei consciência que, para fazer coisas que gosto, não é preciso estarem reunidas as condições ideais, já não tenho tempo para tudo fazer.

Estou a tentar retomar, mas sinto um amargo de boca pelo tempo de vida desperdiçado, pelas coisas que já não vou descobrir, pelos mistérios que nunca irei desvendar.

P*uta da Vida que não me avisaste que a Vida era tão curta, que passava tão rápido, e de que eram precisas duas ou três vidas para poder sentir que vivi em pleno.

E, sinceramente, porque raio não me deste tu um simples manual de instruções de “como viver”? É que sempre me terias poupado a muitas frustrações.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A P*ta da Vida (1)

 

PRIMEIRA REFLEXÃO SOBRE ESSA RAMEIRA

Uma grande amiga minha disse-me uma vez que por vezes não sabia o que queria, mas sabia muito bem o que não queria. Depois disso já ouvi essa pérola de sabedoria mais algumas vezes, mas isto é como tudo, pela primeira vez tem sempre mais impacto.

Realmente é fundamental sabermos o que não queremos aturar, o que não podemos permitir, o que não estamos dispostos a que nos façam. O resto torna-se mais fácil, pois ao traçarmos uma linha definida do NÃO, tudo o que fica do outro lado é SIM.

Mas a Vida, essa Gaja Insana, não facilita, e coloca entre o NÃO e o SIM uns “talvez”, “de acordo com as circunstâncias”, “se for assim não, mas se for de outra forma sim”, e assim por diante, que transforma o que era apenas branco ou preto num quadro com enormes manchas cinzentas.

P*ta de vida que tanto me lixas! Por que razão nunca me colocas em situações perfeitas ou perante pessoas perfeitas? É que para imperfeito já basto eu, e não preciso de mais. Mas assim seria demasiado fácil, e tu não estás para me facilitar nada, pois não?

É que se nem a mim próprio consigo entender, escuso de continuar a tentar entender os outros, tornando-se perfeitamente inútil estabelecer qualquer tipo de empatia perante pessoas que são tão doidas e incoerentes como eu próprio. Ou piores ainda, se fosse possível.

Cada vez tenho mais a certeza que nunca soube viver, e por isso invejo os outros que realmente o sabem fazer, facilmente. Sempre defendi a ideia que viver é fácil, mas que, muitas vezes, o pessoal é que complica.

Raios! O que é que se passa comigo, afinal? Terei faltado a uma lição importante de vida? Terei interpretado mal alguma coisa? Serei demasiado estúpido para perceber? Mas já não importa, pois estou resignado de que nunca saberei a verdade.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O Crápula (6 de 6) Epílogo

 

EPILOGO

Peguem num rapaz traumatizado por ter uma matrona como mãe, que teve de se assumir como adulto de um dia para o outro, que foi obrigado a casar porque tinha engravidado uma rapariga. Já não é pera doce.

Agora peguem nesse homem traumatizado, e revelem-lhe que a mulher com quem se casou, por estar grávida, afinal já estava nessa situação antes de o conhecer. É que a Rita se tinha perdido de amores por um vizinho, que a desvirginou e emprenhou, e que ela continua verdadeiramente apaixonada por ele.

Tudo isto fez com que o Hélder se transformasse num ser extremamente frio, calculista, cruel, que despreza finamente os outros seres humanos, principalmente as mulheres, que para ele, são a fonte de todo o mal, qual Eva, que fez entrar o pecado original no Paraíso.

Ele agora só está contente quando engana alguma mulher, quando a faz apaixonar perdidamente por ele, para depois a humilhar, a fazer sofrer horrores, de lhe dar uma réstia de esperança de entendimento, para logo de seguida mudar de ideias.

Quantas não vimos a chorar, desesperadas, depois de lhe irem bater à porta e ele nem se dignar a recebê-las? Quantas deixaram tudo para trás em busca do verdadeiro amor, e caíram? Quantas ele deixou desonradas perante as respetivas famílias?

O Hélder tornou-se assim no maior crápula de que já existe memória, mas, de quem lhe conhece a história da razão desse procedimento, o culpará verdadeiramente? Eu não, se bem que me arrepie sempre que me lembre do que lhe fizeram e do que anda a fazer.

As histórias dele chegaram-nos aos ouvidos por muito tempo, e passado algum tempo já nem tinham interesse, pois eram meras repetições de um esquema de atração e de repulsa, e que já nem sentíamos pena das vítimas.

Deixámos de ver o crápula por uns tempos, e só pensámos que alguma já se vingou e o Hélder já deve estar ou no fundo de um ribeiro, com uma pedra ao pescoço a servir de gravata, ou sete palmos abaixo do chão num ermo qualquer.

Os próprios pais dele andavam muito preocupados, pois nem eles tinham quaisquer notícias da sua pérfida cria, e claro que temiam o pior. E as semanas passavam e nada do Hélder. E assim passou a Primavera, o Verão, o Natal, a Passagem do Ano e nada. Já quase nos esquecemos dele.

Antes do Carnaval, alguém apareceu a dizer que tinham visto o Hélder a caminhar na praia, e quando o saudaram, ele respondeu, muito bem-disposto. Estava, portanto, vivo e de boa-saúde. Mas nada de aparecer.

No Domingo de Páscoa, quando vínhamos da Missa, reparámos num táxi que tinha acabado de estacionar, e de lá saiu o Hélder, acompanhado de uma mulher. Estranhámos, pois ele nunca tinha trazido nenhuma para casa dos pais. Elas só iam bater-lhe à porta depois de descobrirem onde ele morava.

E para nosso espanto, nos braços dele carregava um bebé. Ele ia de mão dada com a mulher, que transbordava confiança. O crápula tinha desaparecido, e o Hélder tinha ressurgido. Graças ao Amor.