quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Trevas na minha Alma

Talvez pela influência das histórias que ouvi e li em criança, a verdade é que desde sempre as florestas densas e escuras me fascinaram, mesmo aquelas que não permitem nem que os próprios raios de sol entrem nos seus domínios de trevas.
O autor que melhor descreveu um tal ambiente foi J. R. R. Tolkien, em “O Hobbit”. Nessa obra, os personagens perdem-se numa gigantesca floresta, cheia de aranhas gigantes e de elfos fugidios.
A riqueza de pormenores é tal que o leitor comum aflige-se verdadeiramente, tantas são as desventuras sofridas pelos personagens, perdidos num mundo de eterna escuridão. Eu, estranhamente, invejava-os.
Realmente, não sei o que consigo encontrar de tão fascinante um lugar sem luz e cheio de perigos ocultos. Talvez por ser um mundo completamente diferente daquele a que estou habituado.
Sei, no entanto, que este é um dos lugares preferidos da minha Alma, pois sabendo que aí os sentidos como a visão são inúteis, e imperando apenas as sensações, ela seria Rainha incontestada.
Assim, quando penetrar numa dessas florestas negras, e de tão cego ficarei de sentidos, que não me restará outra opção senão deixar-me levar pela minha Alma, rumo ao desconhecido, rumo às minhas mais profundas trevas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Eu, Corcunda de Notre Dame, me confesso!




É noite de Halloween e aqui estou eu, disfarçado de Corcunda de Notre Dame, com uns amigos, no meio de uma multidão que bebe álcool como se não houvesse amanhã. Sim, leram bem. Estou vestido como o Quasimodo.
A já famosa Rua Vermelha do Cais do Sodré, em Lisboa, é o centro de um caleidoscópio de cores, sons e cheiros de centenas de pessoas disfarçadas, num entra e sai dos seus numerosos bares. E eu, infeliz e deslocado, ali no meio...
A corcunda incomodava-me tanto que pensei em deitá-la fora. Mas depois ficava como? O ex-Corcunda de Notre Dame? Ridículo. Aguento-a mais um pouco.
Na realidade, nesta aventura limitei-me a escolher o disfarce, sem imaginar sequer para onde aqueles doidos me iriam levar. Só soube depois.
Quando me apareceram em minha casa não tive outra alternativa senão acompanhá-los nesta verdadeira loucura. Logo eu, que cultivo o sossego, a ordem e as horas certas para tudo e mais alguma coisa.
Mas que digo eu? A minha vida tinha-se tornado uma grande monotonia. Uma seca monumental. Precisava urgentemente de conhecer outras pessoas, e especialmente de ser apresentado à minha cara-metade, pois ainda não tinha tido a oportunidade de a conhecer!
Em frente ao Bar Roterdão, olho em redor e reparo numa mulher de discreta beleza, madura, mais ou menos da minha idade, e ela parecia estar realmente divertida . Pagava para estar assim, mas não estava a conseguir.
Vejo algumas pessoas a olhar para mim, mais para saberem se sou, ou não, um verdadeiro corcunda. E noto-lhes o desalento ao repararem que, afinal, a corcunda é falsa.
De repente, a tal mulher aproxima-se de mim, rápida e decidida, e apalpa a corcunda. Ao constatar que era apenas esponja, grita para o seu grupo “Esta merda é falsa!”, e a brincar, dá-lhe uma palmada, atirando-a ao chão.
Ri-me com a situação, mas ela fica horrorizada “Desculpa, coiso, não queria estragar o teu disfarce.” E apanhando a espuma do chão, tenta colocá-la de novo nas minhas costas.
Afasto-me dela um passo para lhe demonstrar que não queria mais aquilo, e aproveito apresento-me “António. De Notre Dame”. Surpreendida, ela olha-me firmemente nos olhos e diz, num repente, diz Esmeralda” e cumprimenta-me com um aperto de mão. O raio que a parta pela sua (enorme) espontaneidade. Rimo-nos até cairmos para o lado. Literalmente.
Para quem não sabe, Esmeralda é o nome da cigana por quem o Corcunda de Notre Dame se apaixona. Bom prenúncio.
Podem não acreditar, mas ela afinal chama-se mesmo Esmeralda. E eu António. Mas não de Notre Dame. Qualquer dia ainda vou a Paris visitar o Quasimodo.
Reparo que ela tem rugas de riso. Adoro isso. Gosto dela.
Os nossos grupos juntam-se e depois das apresentações da praxe, entrarmos, em ruidosa turba, na Pensão do Amor. Foi a loucura. Como há loucuras para todos, cada um escolheu o seu canto predilecto. E nós o nosso. E fomos saber o nosso futuro nas cartas, nos búzios ou seja o que for.
E ali estava o Corcunda de Notre Dame e a Esmeralda, à espera de saberem da sua sorte, olhares fixos e ansiosos no vidente. De súbito, este olha com seriedade para nós e diz: “Acho que é desta que o Quasimodo e a Esmeralda ficam juntos!
Entusiasmado com a boa notícia, dou um beijo leve nos lábios da Esmeralda. Ela riu-se e retribuiu. Ao ver no que isto ia dar, o vidente sai discretamente da sala, corre a cortina e coloca a placa “Não incomodar”.
E vivemos felizes para sempre. Ou talvez não….
Nota: Só para que conste, o nosso Casamento não se realizou na Notre Dame de Paris nem a Lua-de-Mel na Eurodisney! Foi tudo em Tavira!

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A Fuga (4 de 4) Final

Sei que a Rita me vai ligar logo que descobrir que levei todos os meus pertences de casa dela..."
Parecia coisa de doidos, mas agora o que mais desejava é que a Rita me ligasse. Esta espera, neste silêncio, era uma agonia em estado puro.
Não tinha tido a coragem necessária para lhe dizer que me queria ir embora de casa dela porque a nossa relação estava numa fase menos boa.
Nem sabia ao certo como e quando tinha começado a surgir este mal-estar em mim. Continuava a gostar muito dela, não havia terceiras pessoas no meio, mas…..
E se a Rita já descobriu que me fui embora e está feliz por voltar a estar solteira? Será que está a festejar? E com quem?” O meu nível de stress começou a aumentar enormemente.
Toca o telemóvel e penso “É ela!", mas não era. Era apenas de um Call center.
Pensava que nesta altura estaria feliz por estar sossegado, mas não. Sentia-me sozinho e esse sentimento não era, de todo, agradável.
Voltei à minha dúvida: “Estarei a fazer o mais correcto ou a cometer o pior erro da minha vida?”. E pego no telemóvel para ligar á Rita, para lhe dizer que a amo. E agora ainda mais.
De súbito, ouço chaves a abrirem a porta e esta abre-se, e vejo a Rita a entrar apressada, carregada de sacos de supermercado. “Querido, ainda bem que já chegaste a casa. Podes ir ao meu carro buscar o resto dos sacos?”.
Demorei uns segundos a chegar à brilhante conclusão de que sou o tipo mais estúpido de sempre!!!
Tinha-me esquecido completamente que iamos fazer, hoje à noite, um jantar com amigos, aqui, na minha casa…
Escolhi mesmo uma óptima ocasião para “fugir para casa”......

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A Fuga (3 de 4)

Será que Homem e Mulher foram mesmo feitos para viverem juntos? Mas se souberem a resposta, por favor não digam, pois eu nem quero saber!
Segundo uma teoria minha, o início de uma relação sentimental assume uma de três formas: Truculento, Turbulento ou Idílico.
Se tiverem um início de relação Truculento, quanto mais rapidamente forem à vossa vida, melhor. A não ser que gostem do andar à pancada, claro. É que vai ser sempre assim.
Se for um início Turbulento e se forem espertos, serenam os ânimos e poderão vir a ter uma vida de casal razoável, sem grandes dramas mas também sem grandes expectativas.
O pior é se for um início de relação Idílico. Nesse caso aconselho a ir cada um à sua vida agora mesmo. Se não vejam...
O Idílico está apaixonado pelo ar que o outro respira, ama o chão onde este pisa, adora a fragância que o outro emana…. Mas que nojenta e insuportável pieguice. Até já estou com vontade de vomitar as tripas.
O pior é quando esmorece a Paixão, e o idílico tenta por todos os meios voltar à Felicidade. Quando descobre que esta já não volta, é o total desastre!
Frases como “Tu antes fazias tudo por mim”, “Vejo que já não gostas de mim”, “Tu afinal nunca me amaste!” são normais nesse período.
Confesso. Eu sei estas coisas todas porque eu próprio fui um idílico. E como todos os outros, caí e parti-me todo!

terça-feira, 2 de outubro de 2018

A Fuga (2 de 4)

Fecho os olhos e começo imediatamente a recordar as várias ocasiões felizes que tive com a Rita. E senti imensa tristeza por já terem acabado.
Temos o péssimo hábito de só nos lembrarmos da felicidade quando já não a temos.
Chamam saudade ou nostalgia a esses pensamentos, mas prefiro chamá-los pelo nome certo: Masoquistas. Pensamentos total e estupidamente masoquistas!
Entre mim e a Rita nem parece ter havido história, pois decorreu dentro da mais profunda das normalidades: Homem e Mulher conhecem-se, relacionam-se, e de repente dão-se conta que começam a passar mais tempo juntos que sozinhos. E gostam.
Aproveitando que “a coisa até está a correr bem” , tomam a decisão de morarem juntos, pois já não conseguem estar longe um do outro. Idílico, não é? Eu também pensava assim....
E eu vos pergunto. Mas o que leva duas pessoas, a viverem tão bem sozinhas, completamente independentes, livres e desimpedidas, a voluntariamente, prescindirem de grande parte da sua liberdade?
Eu considero que este é o maior mistério da humanidade. Maior ainda que o desaparecimento dos dinossauros ou da origem do universo.
Sabendo todos desse facto, porque é que ninguém me alertou de nada? Porque é que ninguém me agarrou pelos ombros e olhando-me nos olhos, disse "NÃO FAÇAS ISSO!!!"
Claro que agora vão aparecer a dizer "Eu devia-te ter avisado, pois eu sabia que ela não era mulher para ti" os mesmos que me disseram "Estou tão feliz por ti, amigo!!!".

Cambada de hipócritas. E de otários. Bem, otários não lhes posso chamar porque eu próprio sou um, e dos grandes, por sinal.