Desde cedo o Luís descobriu que não gostava de estudar e foi procurar trabalho. Porém, como descobriu que não
gostava de trabalhar, foi procurar forma de conseguir subsistir sem fazer nada. “Se não gostas de estudar nem de
trabalhar, o que é que vais fazer da tua vida?”, perguntava o seu já muito
desanimado pai.
E o próprio
Luís não sabia dar-lhe resposta. Porém, sabia era que não gostava de se esforçar em nada. E ainda tinha a arte de convencer os seus amigos que trabalhar só trazia infelicidade e que
estudar era uma pura perda de tempo.
Uma vez a
sua tia, D. Belmira, virou-se para ele e disse “Como não gostas de trabalhar nem de estudar, devias era arranjar uma
velha rica”, e essa frase, lançada como uma
brincadeira, destinada a cair em saco roto,
bateu fundo na cabeça do Luís. E se fosse essa a solução? E se fosse essa a sua forma perfeita de
viver a vida?
No dia
seguinte, todo janota e com a barba feita, lá estava o Luís em casa da sua tia
para saber se ela tinha amigas ricas, de preferência velhas como ela, pois as
novas endinheiradas nada queriam com ele. É que um tipo tem de se safar na
vida, e esta parecia ser uma excelente forma de se viver, desde, claro está,
que a velha não o pusesse a trabalhar.
Depois de
muito se rir e de verificar, com espanto, que o seu sobrinho realmente falava a
sério, a D. Belmira pôs-se a pensar qual seria a melhor "vítima". Tinha de ser rica e velha, e como ia levar com um cromo como o seu sobrinho, tinha de
ser bastante ingénua e muito crédula.
A escolha
recaiu logo na D. Augusta, uma viúva endinheirada e que se julgava ainda na
flor da idade, se bem que essa já tinha passado há muito. Ela tinha uns pretendentes, mas eram mais caquéticos que ela, e por isso não ofuscariam a pretensão do Luís.
E a D. Augusta foi logo convidada para almoçar em casa da D. Belmira, e tal como combinado, apareceu “de surpresa” o Luís. “Estava a passar por aqui e
resolvi aparecer para dar um grande beijo à minha linda tia”, disse um Luís
falsamente carinhoso, perante os olhares gulosos da esfomeada D. Augusta, viúva
há demasiado tempo….
E foi assim que o cabrão do Cupido apareceu à janela e disparou a sua seta encantada,
atingindo o coração empedernido da D. Augusta, encantando-se imediatamente pelo Luís. Era o Luís para aqui, o Luís para ali, moço tão formoso, olha que
busto, tão simpático, tão prestável, que sorte de ser seu sobrinho, D. Belmira.
E no
fim do almoço lá foi o Luís acompanhar a D. Augusta a casa, para esta não ir
sozinha, pois podia-se sentir mal, e no caminho, a velha ia relatando o que
tinha de posses, e o que não tinha de herdeiros, fazendo com que o Luís
começasse a “afiar as facas” no
propósito de ficar o resto da sua vida como queria, ou seja, sem fazer pevide.
Olhou de
soslaio para a viúva e disse para si mesmo “Esta
velha carcaça só deve durar mais uns três anos”, e rematou: “Três anos de inferno e trinta de paraíso.
Parece-me mesmo muito bem!”, e com o sorriso mais cínico que conseguiu, deu o
braço à D. Augusta e começaram a caminhar em direção àquela que, em breve, seria a sua nova casa.
Os dias
passaram e Luís e Augusta eram cada vez mais inseparáveis. Ele ainda teve de
correr com uns dois ou três pretendentes, que andavam a “arrastar a asa” à D. Augusta, mas como não eram tão rijinhos de
carnes como o ele, não apresentavam ameaça credível. E quando o vento
frio batia nas vidraças, o Luís lá ficava a aquecer-lhe o edredão de penas…
O que o Luís não esperava é que nesse
entretanto, a viúva pareceu rejuvenescer, passou a usar roupa de cores mais
claras, e emagreceu bastante, enquanto que o Luís deixou crescer o bigode, numa tentativa de parecer mais velho e responsável. E saíam
todos os dias para almoçar na Baixa, em restaurantes com mesa marcada.
Já se tinham
passado mais de seis anos desde que os pombinhos se tinham conhecido, e eles pareciam
que tinham trocado de idade. A D. Augusta estava elegante, confiante e saudável, enquanto que o Luís parecia
que tinha envelhecido vinte anos, sempre com um semblante carregado.
É que a vida do Luís nestes últimos anos tinha sido apenas tratar da D. Augusta, com imensos requintes
e horários rígidos: era o cházinho de ervas, a massagem dos pés e dos bicos
de papagaio, o tratamento dos calos, a confeção do jantar com dieta
rigorosa, as compras, o raio que a parta!
E o Luís só
pensava “Mas esta velha não morre?”,
“Mas como é que o raio da velha está cada vez mais saudável?” “O que é que eu fui fazer da minha vida?”. E começou a entrar em
depressão, em desespero, em angustia, e piorava muito quando se cruzava com alguma
jovem da sua idade e ela deixava largar um olhar mais demorado.
“Tenho de fazer alguma coisa senão rebento! A
velha tem de ir e é já.” E eis que, num impulso, Luís marca uma
viagem surpresa à Madeira, destino romântico de eleição, com o objetivo da sua
Augustinha conhecer a ilha, mudar de ares, deixá-lo sossegado uns dias. E
claro, resolver o seu problema.
E lá foram
as duas alminhas para o Funchal, ficando instalados num excelente hotel com
uma vista magnifica sobre a baía. A Augustinha muito feliz com a surpresa, e o
Luís com a esperança que dias melhores ainda podiam vir, e marcaram um tour à
roda da ilha, com um passeio por uma das Levadas mais belas.
A Levada que
o Luís escolheu tinha apenas 1,5 km de ida e de igual
distância na volta, não sendo necessário guia e dentro das possibilidades
físicas da D. Augusta, e era muito recomendada, chamada “Vereda
dos Balcões”, com vistas incríveis sobre um profundo vale, na Freguesia do
Faial. Era perfeito.
No percurso,
Luís, manhoso, deixou-se ficar para trás, à espera do momento certo, enquanto
que a sua Augustinha tirava fotos e lançava gritinhos de contentamento “Ó meu
querido, olha ali que é tão lindo”. Luís cerrava os dentes e dizia “É mesmo uma
linda paisagem, meu amor, mas sabes que tu és muito mais linda que tudo isso,
não sabes?”. E lançava-lhe beijos para o ar.
Chegados ao
Miradouro dos Balcões, Luís abraçou-a por trás e contemplaram juntos a
paisagem incrível. Ele sentiu que era chegado o momento. Mas, ao iniciar o ato
criminoso que arquitetou, arrependeu-se, sentiu que não tinha fibra moral para
tal, nem sequer maldade suficiente. Uma coisa era pensar, e outra bem diferente
era executar.
Mas no meio
de todos esses pensamentos, Luís já tinha dado ao seu corpo um impulso em
direção ao precipício, no sentido de empurrar a sua Augustinha, mas eis que nesse preciso momento ela debruça-se para ver melhor o fundo do vale, e o Luís ganhou balanço em direção ao
espaço aberto, e sem a levar com ele…..
E o Luís
viu-se assim a cair nas profundezas, sabendo bem que ia morrer daí a segundos, vendo ao
mesmo tempo que a sua Agustinha permanecia sã e salva, como intimamente queria,
no alto da montanha, sentindo no desespero dela que o amava de verdade, e ele finalmente
seria livre de todas as amarguras que a sua vida lhe tinha proporcionado. E desta
forma, morreu feliz!