quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A Revolta

 

Um pássaro faz um voo rasante sobre a cabeça de um homem, que se assusta com o vento que se formou com a passagem do ser alado, e gatos e cães começam a rondar o homem, com ar ameaçador. Este, que se tinha atirado para o chão por causa do voo do pássaro, começa a recuar de gatas, em perfeito pânico, até bater numa parede. E daí não passou. Cada vez mais animais caíram para cima dele, até dali não sobrar nada a não ser uns restos ensanguentados.

Os gritos do homem e os sons da selvajaria animal não passaram despercebidos às pessoas que passavam perto do beco onde tudo aconteceu, mas quando as autoridades policiais aí chegaram, nada havia a fazer a não ser reportar o sucedido, recolher indícios físicos, tirar fotografias, olhar em redor em busca de suspeitos e esperar que uma razão plausível lhes caia nas mãos. Mas não caiu nada.

O homem foi considerado morto, sendo a causa atribuída de ataque animal. E o assunto foi arquivado, pois a pessoa em causa não era da alta sociedade, não era rica, não era famosa, não era digital influencer, e nem sequer se ficou a saber quem realmente era, pois ninguém deu pela sua falta, pelo que se julgou ser um sem abrigo, um dos muitos que estão pelas ruas, nesta cidade cada vez mais impessoal.

No entanto, eu achei aquela situação demasiado estranha para ser simplesmente arquivada. E procurei saber mais, e depressa descobri que essa não tinha sido uma situação isolada, mas antes algo que estava a acontecer com uma crescente frequência, um pouco por todo o mundo. E aí começaram as questões. Será coincidência, será motivado por alterações ambientais, será propositado?

Comecei a compilar numerosos relatos de violentos ataques de orcas a veleiros no Atlântico, de enormes bandos de pássaros que investiram sobre pessoas em parques nos Estados Unidos, de roedores assassinos no Brasil, entre outros que ficaram na fronteira entre ataques deliberados de animais contra humanos ou simples reações animais. Não restavam dúvidas, os animais estão mesmo a investir contra os humanos!

Pela lógica humana, seria impossível que os animais se tivessem reunido e decidido atacar os humanos,  e mais improvável seria se todos tivessem recebido a decisão. Não estou a imaginar que um macaco da selva do Uganda pudesse ter recebido a mesma instrução de uma orca no Atlântico Norte, nas costas da Gronelândia. Ou seria possível? Não sendo isto, o que teria motivado diferentes animais a atacarem humanos, um pouco por todo o mundo?

Falei com diversas pessoas ligadas ao mundo animal, e algumas delas relataram-me que estavam a notar uma maior agressividade por parte dos animais, sem razão aparente. Outras, porém, disseram que os animais estavam com maior stress, talvez por sentirem com mais intensidade as alterações climáticas, por sentirem os seus habitats cada vez mais ameaçados ou por sentirem que algo está profundamente errado.

Não consigo falar com outros animais sem serem humanos, e não conheço nenhum humano que realmente consiga comunicar com nenhum outro animal. Com tantos avanços tecnológicos, penso que já poderia ser possível, mas como não traria vantagens económicas evidentes, esse campo deve ter ficado na gaveta de alguma grande empresa tecnológica, à espera do melhor momento. Ou da tecnologia certa.

Enquanto que as minhas pesquisas continuavam a progredir a passo de caracol, chegaram às minhas mãos relatos de outros ataques mortíferos, todos atribuídos a animais e sem razão aparente. E a lista de espécies participantes continua a aumentar, e agora só não devem ter participado as tartarugas, não por falta de vontade, mas porque quando elas chegam ao local do crime, este já ocorreu.

Piadas sobre a velocidade das tartarugas à parte, a verdade é que os holofotes do mundo viraram-se para este tema porque ontem uma figura conhecida do mundo da moda foi violentamente atacada por um bando de gatos e cães, à saída de um jantar, à porta de um afamado restaurante de Milano. Os animais surgiram por todos os lados, e entraram no veículo da diva, e esta só foi salva porque os paparazzi presentes a acudiram rapidamente.

Agora não se fala de outra coisa, e os órgãos de comunicação já questionaram todos e mais alguns dos mais famosos zoólogos, psicólogos de animais, tratadores, e inclusive dos charlatães sempre presentes nas cadeias de notícias, que opinam sobre todas as situações, em busca de dinheiro e de tempo de antena. Só se esqueceram de falar comigo, que desde aquele crime no beco, não faço outra coisa na vida.

Às vezes revejo os filmes da série de franchise Planeta dos Macacos, e imagino se os humanos não fossem a espécie mais inteligente. E se, por um acaso da história ou da genética, o desenvolvimento fosse cair noutras “mãos”. Nessa realidade alternativa, será que, nesta altura estariam humanos a aniquilar membros da espécie dominante, tendo como aliados membros das restantes espécies de animais?

Passaram-se anos. Muitos anos. Demasiados anos. Eram eles ou nós. Se fossemos nós, tínhamos de ter aniquilado todos os animais existentes, mas sentimentos de culpa corroeram a maior parte das consciências. O humano começou a compreender que merece a revolta dos animais, e recusou-se a chacinar toda a população animal. Mas aí assinou a sua sentença de morte. Agora nós somos muito poucos, cada vez menos e mais isolados uns dos outros. Em extinção.

Compreendi então que foi o nosso Mundo, doente e quase a morrer, que não teve outra alternativa se não tentar salvar-se, enviando os restantes animais para matar todos os humanos, para todos se salvarem. Todos? Todos não, que nós, os humanos, apesar da sua soberba, não se vão salvar, nem sequer deixar semente, libertando o planeta para este se possa regenerar com as espécies animais que restaram, depois da imensa e trágica barbárie humana.

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