- A sério, Teresa? Estás a ter
uma cena de ciúmes aqui e agora? Mesmo no meio da minha Videoconferência? A
sério? A SÉRIO?
E aí começou a confusão. E
garanto-vos, da grossa.
É que por qualquer estranha e
desconhecida razão, ela levou a mal a minha mais que justa e legítima, reacção
de indignação!
E não permitiu que a “sua” cena de ciúmes terminasse ali. Pelo
contrário, ainda piorou mais.
A única coisa que terminou
naquele momento foi mesmo a Videoconferência! Pelo menos nos moldes que estava
até aí a decorrer.
Claro que os oradores e os
participantes não perderam a oportunidade de verem verdadeira acção, e ficaram,
desta vez, verdadeiramente interessados, e sem perderem pitada, assistiam à
nossa feroz desavença.
Confesso que sabia que a minha
credibilidade profissional andava nas ruas da amargura, e que esta era uma das
minhas últimas oportunidades de me redimir perante os meus pares.
Sinceramente não imaginava que
este evento me ia tornar tão famoso. E fiquei. Mas preferia não ter ficado tão
conhecido.
No fundo foi um episódio mesmo
muito engraçado, excepto para mim. E desejo a todo o custo ainda poder rir-me
dele. Mas ainda não consigo.
É que ainda me recordo dele como
um dos piores momentos da minha vida.
Quando aquela cena acabou, pensei
em escrever ao Guterres para ele inserir uma cláusula, uma adenda, uma coisa
qualquer contra o Ciúme.
Já que se a ONU emite
recomendações e resoluções sobre tudo e sobre todos, será que não consegue
arranjar um tempinho para se debruçar sobre este flagelo universal?
E que tal incluírem o artigo 31º
na Declaração Fundamental dos Direitos do Homem, relativo aos malefícios do
ciúme? Há lá pontos bem menos importantes do que este.
Vá lá Guterres, não custa nada. Seria
muito importante para a Humanidade e tu ganhavas uns votos para a reeleição.
Na minha humilde (mas
fundamentada) opinião, os ciúmes deveriam constar na Constituição da República
Portuguesa, com a pena de prisão perpétua para quem cometesse tal vilania, e só
porque sou contra a pena de morte.
Os ciúmes deveriam ter lugar e
hora marcada, e não para serem usados quando dá mais jeito a uma das partes.
Não deveria ser como agora, ou seja, uma total bandalheira.
Bandalheira. Só essa palavra me
transporta para esse fatídico dia….
Recordo que quase sem recursos
(inclusive de tempo), mas apenas com muito esforço e dedicação, consegui
colocar de pé esse evento.
E este era tão importante para
mim, pois se decorresse bem iria-me permitir recuperar a minha tão abalada
credibilidade profissional. E isso era fundamental.
A escolha dos oradores para a
videoconferência foi muito criteriosa, com um mix entre nomes sonantes e
aspirantes cheios de energia e boas ideias.
Os convites para os oradores
foram enviados com a devida antecedência, servida com a necessária dose de
charme. E as figuras mais sonantes aceitaram logo. Considerei um excelente
prenúncio.
Dada a qualidade dos oradores, do
interesse do tema e ao facto da sessão ser gratuita, começaram a chover
inúmeros pedidos de inscrição. A divulgação nestes casos é mesmo desnecessária.
Senti-me importante.
Assim, rapidamente foi atingido o
número limite de inscrições, e comecei a responder aos retardatários, num tom
pesaroso, informando que desta vez não podiam participar.
Na minha cabeça já estava a
pensar como iria divulgar ufanamente na net que o evento estava esgotado, mas
que poderiam acedê-lo online logo após o seu término.
E inclusive comecei a pensar em
mais altos voos, como o de alugar auditórios, acomodando um público mais vasto,
mantendo a videoconferência.
A vida corria-me (mais ou menos) bem
a nível emocional. E esperava que a nível profissional esta melhorasse bastante
após este evento.
Estou com a Teresa há uns seis
anos, e considero-a a “mulher da minha
vida”. Mas nem todas as mulheres que passaram pela minha vida o foram.
Eu acredito que cada um de nós
pode ter mais que uma “mulher da minha
vida”.
Em relação à Teresa não sei se
sou o “homem da sua vida”, ou mesmo
se ela já teve algum. É que simplesmente nunca se referiu a esse tema. Mas
desconfio que não sou.
Para mim só há dois tipos de
parceiras (confesso que não gosto especialmente da designação, mas há falta de
melhor, uso-o): as que são “as mulheres
da minha vida” e as que não o são.
O problema é se as hierarquizarmos
perante alguma delas. E foi o que eu fiz, perante a Teresa, e ela auto
classificou-se em 4º lugar. Eu sempre disse que não, que estava no pódio, mas
no fundo concordo com ela. Está em 4º lugar.
A Teresa é uma mulher linda,
vistosa, de fazer parar literalmente o trafego automóvel, especialmente se ela
se disfarçasse de polícia de transito!
Já eu não me considero atraente. Quando
quero talvez seja um pouco sexy, ou talvez seja apenas um pouco diferente. Sei lá.
Não gosto de me classificar.
Quando a Teresa mostrou que gostava
de mim, imediatamente comecei a gostar dela. Assim mesmo como leram! Comecei a
gostar dela, e muito. E começamos desde logo a namorar.
Mas eu tinha começado com o pé
esquerdo. Já tinha “metido a pata na poça
até ao pescoço”!
É que eu, asno assumido e confesso, quando nos conhecemos e para a manter interessar pelas minhas histórias, comecei a contar-lhe
tudo sobre as minhas ex, sobre as minhas conquistas e conquistadas.
E com todos os pormenores!
A Teresa tornou-se uma ouvinte muito atenta, e eu lá fui contando, com mais ou menos fantasias, o que tinha feito e o
que queria fazer. E com quem!
Porque o fiz? Simples, porque eu não
sei estar calado. Gostava da companhia dela e sabia que ia ficar interessada se
lhe contasse esses assuntos. No fundo, toda a gente gosta, especialmente
se bem apimentados.
Quando a conheci não tinha ideia
nenhuma de que haveríamos de ser um casal. Se eu sequer imaginasse que poderia
haver a mínima hipótese para nós, não me teria comportado dessa maneira.
Porém, tenho a noção de
que se não lhe tivesse contado as minhas conquistas, a Teresa poderia nunca se
ter interessado por mim. Mas isso jamais saberei.
Claro que me arrependo desse “feito”, todos os dias desde que estamos
juntos. É que ela sabe tudo sobre mim, sobre o meu passado, sobre o que penso,
sobre o que gosto. No fundo, sabe demasiado sobre mim.
Apesar de saber que ela não tem a mínima confiança em mim, devia saber que eu jamais
a traí, nem em pensamentos (pronto, agora exagerei um bocado)!
Pesquisando sobre o mal dos
ciúmes, verifiquei que há autores que os definem, classificam e enumeram.
Gostei da lista que vi num sítio
da internet, em que o autor dividiu o ciúme em seis tipos: inocente, saudável,
romântico, sexual, emocional e obsessivo.
Claro que me calhou uma ciumenta
de teor obsessiva! É que nem podia ser outra.
Ela reage a toda e qualquer
situação que considere menos clara, relacionada com outras mulheres, com uma
brutal violência psicológica e verbal, e por vezes física.
Quando lhe dão as “crises”, vou logo acalmá-la, assegurando-lhe
que nada fiz, desmontando toda a situação, explicando-lhe tudo ao pormenor para
que não lhe restem dúvidas.
Mas acalmar uma pessoa em estado
de histeria é uma tarefa no mínimo difícil, se não mesmo impossível.
Mas as crises de ciúmes da Teresa
dão-lhe forte mas passam depressa, e no fundo quem se trama sou eu, pois
desgasto-me profundamente.
Assim, e pelo meu desgaste, cada
vez com mais frequência não intervenho. Pura e simplesmente deixo-a falar,
gritar e atirar coisas.
Ao constatar esta forma de
proceder, a Teresa passou a achar que quando vou ter com ela acalmá-la é porque
há forte razões para ter ciúmes, numa clara assunção de culpa.
Ao contrário, ao ver-me alheado
da situação, considera que afinal não tinha razões para ter ciúmes. E por isso
calava-se mais rapidamente.
A Teresa mudou rapidamente de
estratégia porque reparou que eu estava a alhear-me sempre. Claro que esse meu
novo posicionamento estava relacionado com o facto de a ter compreendido, e também
por andar mais que farto de a tentar acalmar.
As suas brutais reacções continuavam
muito frequentes, motivadas quase sempre por coisas banais, como um atraso de
meia-hora no enviar da mensagem diária a dizer “Amo-te muito”.
Assim, o procedimento da Teresa
era enviar uma mensagem a afirmar que o meu procedimento indesculpável estava
decerto relacionado com o facto de “deves
estar muito ocupado a beijar aquela gaja do gabinete do lado”, e outros
mimos com que me brindava.
Eu amo-a, mas mesmo assim, sinto que tenho de fazer algo. Por mim.
(continua)