terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Chovem Anjos do Céu


Por vezes olho para o Céu. Gosto de ver as nuvens impelidas pelo vento a passarem por cima de mim e a taparem-me o sol só porque lhes apetece. Mas mesmo sem nuvens, olhar para aquele azul já me é suficientemente inebriante.

Sinto que um bocadinho do Céu já me pertence, tal a quantidade de meus que já lá alberga.

Ainda outro dia estava na Praia do Guincho quando passou por cima de mim um Anjo a voar baixinho. Pela forma como voava vi logo que ia cair lá para as bandas da Malveira da Serra.

Num impulso dirijo-me para o meu carro, que ainda estava longe. Pensei logo que o Anjo poderia precisar de ajuda e que mais ninguém o poderia ter visto.

Chego uma meia hora depois do avistamento. Com grande surpresa deparo-me com uma parafernália de luzes, luzinhas, mirones, fitas a demarcar, eu sei lá. Uma ambulância do INEM tinha acabado de chegar, agentes da GNR e Bombeiros completavam o ramalhete. “Estes tipos são mesmo rápidos”, pensei.

Os principais canais de televisão e das rádios já preparavam os directos e a fila de entrevistados engrossava: o padre local, o cauteleiro que viu a queda, a senhora do 1º direito que ligou para a “guarda”…… até o primo direito do Goucha e uma amiga de infância da Cristina estavam na fila!

Olhei para o lado e vi Escuteiros a venderem rifas aos transeuntes, enquanto se montavam barracas para vender tudo e mais alguma coisa, e sentia já o cheiro no ar de coiratos assados. A tenda estava verdadeiramente armada….

Vejo políticos locais aos pulinhos na tentativa de se fazerem notar, e chegavam aos magotes deputados. Os lideres dos maiores partidos já lá estavam e até o assessor do Primeiro-Ministro ia dizendo o que dito cujo já vinha a caminho.

A multidão adensava-se pois todos queriam ver o Anjo. Parecia que todo o País lá estava, pelas mais diversas e próprias razões. Ninguém queria perder a oportunidade de dizer aos netos que tinha lá estado naquele dia.

E eu? Eu só tinha ido tentar socorrer o Anjo, do qual nada sabia. Não passavam nenhumas notícias sobre o seu estado de saúde, se ainda estava no local, se estava bem ou mal. E isso preocupava-me.

Procurei furar por entre a multidão para ver se encontrava alguém que me dissesse qual o real estado do Anjo, mas deparei-me com uma barreira impenetrável do Exército.

Parece que o estavam a considerar como uma ameaça à integridade territorial do País, pois tinha violado o espaço aéreo nacional e não tinha consigo qualquer identificação. O Anjo estava a ser considerado como uma ameaça!

Ridículo, pensei eu. Como podem pensar assim?

Seja como for depressa vi alguns políticos a saírem apressadamente pela porta dos fundos. Depois os religiosos. E em breve todos os seguiram.

As televisões passaram a transmitir aquela lengalenga do “voltaremos à transmissão em directo caso surja algum desenvolvimento”, o que quer dizer que ficaram os repórteres de importância nula que iriam estar dentro das carrinhas de reportagem e só de lá sairiam caso houvesse motivo de reportagem. Ou iriam embora de vez. O que não tardou a acontecer.

À volta só ficou o lixo. Montes e montes de detritos. E uma tenda no meio. A Cruz Vermelha tinha instalado uma tenda da campanha e nesse local improvisado estavam alguns profissionais de saúde a tratarem do Anjo. Mais nenhuma vivalma por perto.

O Anjo parecia um pouco maltratado, mas fisicamente bem. Umas penas caídas no chão, umas escoriações, mas nada mais. Chorava compulsivamente e estavam a administrar-lhe calmantes.

Compreendi então.

Era apenas mais um Anjo caído….

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