MIÚDA
Como pouco
tínhamos para fazer, procurámos saber a razão de procedimento tão estranho por
parte do Hélder, o tipo mais certo e mais totó que conhecíamos, e talvez do
mundo.
E tanto
procurámos que, num belo dia, a resposta nos veio cair nos pés, no sentido
literal da palavra, pois uma moça, que nunca tínhamos visto e de resto muito
assustada, se esbandalhou à nossa frente.
Ao ajudarmos
a rapariga, ficámos a saber que ela procurava um tal de Horácio que lhe tinham
dito que morava por estas bandas. Horácio só conhecíamos o barbeiro, mas como tinha
mais de 80 primaveras, só se fosse o avô dela. Não era.
Pela
descrição do tal Horácio não chegávamos lá, até que ela começou a descrever o
sujeito pelas caraterísticas não físicas. E surgiu a desconfiança. Será Hélder?
Será o totó? E porque razão uma moça nada feia procuraria o Hélder. Seria
prima.
Não era
prima, mas pelos vistos, era de certa forma muito chegada. Demasiado, até. Tão
próxima que arregalámos os olhos de espanto e surpresa, e ficámos abismados por
uns longos momentos.
“Conhecem-no?”, perguntou a rapariga,
mais que ciente da nossa resposta. É que tenho de falar um assunto muito sério
com ele, antes que o meu pai e o meu tipo vão falar com ele. E quando eles forem,
não vai ser bonito, garanto.
Ficámos a
olhar uns para o chão, outros para o ar, e outros ainda abalaram dali para
fora, não querendo participar naquilo que parecia resultar numa luta de titãs,
ou seja, entre a mãe do Hélder e o pai e o tio da miúda.
O parvo do
Hugo começou a brincar com o assunto, como é natural, vindo do palhaço do
grupo. “Mas o que é que ele te fez?
Emprenhou-te?”, e riu-se, certo que a resposta mais que certa era “Não!”. Mas essa resposta não veio logo.
Nem nunca.
Claro que a
ausência dessa negação por parte da rapariga significava que era mesmo isso que
tinha acontecido, e isso é que era deveras estranho. “Então o palhaço do Hélder tinha apetites sexuais como toda a gente?”
Isso era perturbador.
A mãe do
Hélder vinha a subir a rua, e o seu arfar ouvia-se à distância, pelo que
começámos a dizer à moça “Olha, vem a aí
a tua sogra!” E o nosso riso de escárnio foi demasiado para ela, que largou
a correr, escorrendo lágrimas.
No mesmo
instante, passa por nós a correr o Hélder, que regressando com a mãe do
mercado, e vendo-a ao longe, larga os sacos das compras aos pés da sua
progenitora e persegue a miúda, gritando “Rita,
oh Rita, espera!”.
A rua toda pára para ver a cena! A matrona fica a berrar pelo Hélder, o Hélder fica a gritar pela Rita, a Rita grita de raiva, frustrada, desconsolada, triste e zangada, numa enorme mistura de emoções. A mãe persegue o filho e o filho persegue a miúda, e a miúda foge de tudo. E parecendo um filme em câmara lenta, todos saem da nossa vista.
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