quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O Crápula (3 de 6) Miúda

 



MIÚDA

Como pouco tínhamos para fazer, procurámos saber a razão de procedimento tão estranho por parte do Hélder, o tipo mais certo e mais totó que conhecíamos, e talvez do mundo.

E tanto procurámos que, num belo dia, a resposta nos veio cair nos pés, no sentido literal da palavra, pois uma moça, que nunca tínhamos visto e de resto muito assustada, se esbandalhou à nossa frente.

Ao ajudarmos a rapariga, ficámos a saber que ela procurava um tal de Horácio que lhe tinham dito que morava por estas bandas. Horácio só conhecíamos o barbeiro, mas como tinha mais de 80 primaveras, só se fosse o avô dela. Não era.

Pela descrição do tal Horácio não chegávamos lá, até que ela começou a descrever o sujeito pelas caraterísticas não físicas. E surgiu a desconfiança. Será Hélder? Será o totó? E porque razão uma moça nada feia procuraria o Hélder. Seria prima.

Não era prima, mas pelos vistos, era de certa forma muito chegada. Demasiado, até. Tão próxima que arregalámos os olhos de espanto e surpresa, e ficámos abismados por uns longos momentos.

Conhecem-no?”, perguntou a rapariga, mais que ciente da nossa resposta. É que tenho de falar um assunto muito sério com ele, antes que o meu pai e o meu tipo vão falar com ele. E quando eles forem, não vai ser bonito, garanto.

Ficámos a olhar uns para o chão, outros para o ar, e outros ainda abalaram dali para fora, não querendo participar naquilo que parecia resultar numa luta de titãs, ou seja, entre a mãe do Hélder e o pai e o tio da miúda.

O parvo do Hugo começou a brincar com o assunto, como é natural, vindo do palhaço do grupo. “Mas o que é que ele te fez? Emprenhou-te?”, e riu-se, certo que a resposta mais que certa era “Não!”. Mas essa resposta não veio logo. Nem nunca.

Claro que a ausência dessa negação por parte da rapariga significava que era mesmo isso que tinha acontecido, e isso é que era deveras estranho. “Então o palhaço do Hélder tinha apetites sexuais como toda a gente?” Isso era perturbador.

A mãe do Hélder vinha a subir a rua, e o seu arfar ouvia-se à distância, pelo que começámos a dizer à moça “Olha, vem a aí a tua sogra!” E o nosso riso de escárnio foi demasiado para ela, que largou a correr, escorrendo lágrimas.

No mesmo instante, passa por nós a correr o Hélder, que regressando com a mãe do mercado, e vendo-a ao longe, larga os sacos das compras aos pés da sua progenitora e persegue a miúda, gritando “Rita, oh Rita, espera!”.

A rua toda pára para ver a cena! A matrona fica a berrar pelo Hélder, o Hélder fica a gritar pela Rita, a Rita grita de raiva, frustrada, desconsolada, triste e zangada, numa enorme mistura de emoções. A mãe persegue o filho e o filho persegue a miúda, e a miúda foge de tudo. E parecendo um filme em câmara lenta, todos saem da nossa vista.

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