O Hélder é um crápula. Um verdadeiro cretino. Um canalha na mais fiel acessão da palavra. E se ainda fosse pouco, orgulhava-se disse e a própria mãe apoiava-o incondicionalmente. Ao saber disso, dava-me pena quando o via de mão dada a uma qualquer moça que com ele passeava na rua. "Coitada", murmurava eu.
Mas recordo
que o Hélder nem sempre tinha sido assim. Tinha tido uma infância e uma
juventude perfeitamente normal, temente a Deus e ao cinto do seu pai, mas
principalmente à matrona da sua mãe, que metia medo com os seus berros e braços
de lenhador, capazes de arrancar cabeças.
Enquanto
viveu com os seus pais, o Hélder foi sempre acólito na missa de domingo, dos
mais atentos nas aulas de catecismo, crisma e religião e moral, e até conseguiu
tirar umas notas decentes, pelo menos até ao 12º ano, que concluiu já com
alguma dificuldade.
Até essa
altura, o Hélder era o que se podia chamar de um perfeito totó, incapaz de
fazer algo moralmente questionável, de contar uma anedota ou história picante,
sempre alinhado e aprumado, e acho que nem umas calças de ganga tinha para
vestir, por serem demasiado radicais.
As mulheres
para ele estavam completamente vedadas, pois a matrona dizia-lhe que nem se
podia aproximar delas, pois o foco era o estudo, a profissão, a carreira. Em
suma, o futuro. E o convívio com as “deusas do pecado” iriam perturbar-lhe a
cabeça, desviando-lhe dos objetivos.
O Hélder não
tinha qualquer sentimento de culpa por deixar de sair com os amigos, pela
simples razão de não ter amigos. Os seus conhecidos mais próximos era eu e o
André, que o conhecemos na turma e vivíamos perto. Mas que nunca fomos a casa
dele. Nem queríamos ir, com pavor da mãe dele.
Eu, ele e o
André estávamos na mesma turma do 12.º ano, e notei que ele andava diferente. Mas
diferente já ele era, relativamente aos demais, mas estava ainda mais estranho
que o normal dele. E lembro-me de comentar com o André, mas depressa passou
porque os exames aproximavam-se rapidamente, e eram mais importantes que a
parvoíce do Hélder.
Lembro-me
que nesse verão eu e o André arranjámos namoradas novas, pois as “velhas”
ficaram lá atrás, na escola antiga. Estávamos a começar uma vida nova, recheada
de projetos, de sonhos, de viagens para fazer, de pessoas para conhecer e para
aprender a ser adulto. Era o tempo da juventude responsável, cheios de sangue
na guelra.
Eu o André
já tínhamos tido várias pessoas nas nossas vidas, fossem elas amigas especiais,
namoraditas e até umas namoradas a sério. Sabíamos algumas das regras desse
jogo, e que por vezes se caraterizavam pela sua ausência, deturpação, enganos e
desenganos, amuos, zangas e o melhor de tudo, a reconciliação. Já o Hélder não
sabia nada acerca desse jogo, e esse simples facto veio a revelar-se perigoso.
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