segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Crápula (1 de 6) Hélder


Hélder

O Hélder é um crápula. Um verdadeiro cretino. Um canalha na mais fiel acessão da palavra. E se ainda fosse pouco, orgulhava-se disse e a própria mãe apoiava-o incondicionalmente. Ao saber disso, dava-me pena quando o via de mão dada a uma qualquer moça que com ele passeava na rua. "Coitada", murmurava eu.

Mas recordo que o Hélder nem sempre tinha sido assim. Tinha tido uma infância e uma juventude perfeitamente normal, temente a Deus e ao cinto do seu pai, mas principalmente à matrona da sua mãe, que metia medo com os seus berros e braços de lenhador, capazes de arrancar cabeças.

Enquanto viveu com os seus pais, o Hélder foi sempre acólito na missa de domingo, dos mais atentos nas aulas de catecismo, crisma e religião e moral, e até conseguiu tirar umas notas decentes, pelo menos até ao 12º ano, que concluiu já com alguma dificuldade.

Até essa altura, o Hélder era o que se podia chamar de um perfeito totó, incapaz de fazer algo moralmente questionável, de contar uma anedota ou história picante, sempre alinhado e aprumado, e acho que nem umas calças de ganga tinha para vestir, por serem demasiado radicais.

As mulheres para ele estavam completamente vedadas, pois a matrona dizia-lhe que nem se podia aproximar delas, pois o foco era o estudo, a profissão, a carreira. Em suma, o futuro. E o convívio com as “deusas do pecado” iriam perturbar-lhe a cabeça, desviando-lhe dos objetivos.

O Hélder não tinha qualquer sentimento de culpa por deixar de sair com os amigos, pela simples razão de não ter amigos. Os seus conhecidos mais próximos era eu e o André, que o conhecemos na turma e vivíamos perto. Mas que nunca fomos a casa dele. Nem queríamos ir, com pavor da mãe dele.

Eu, ele e o André estávamos na mesma turma do 12.º ano, e notei que ele andava diferente. Mas diferente já ele era, relativamente aos demais, mas estava ainda mais estranho que o normal dele. E lembro-me de comentar com o André, mas depressa passou porque os exames aproximavam-se rapidamente, e eram mais importantes que a parvoíce do Hélder.

Lembro-me que nesse verão eu e o André arranjámos namoradas novas, pois as “velhas” ficaram lá atrás, na escola antiga. Estávamos a começar uma vida nova, recheada de projetos, de sonhos, de viagens para fazer, de pessoas para conhecer e para aprender a ser adulto. Era o tempo da juventude responsável, cheios de sangue na guelra.

Eu o André já tínhamos tido várias pessoas nas nossas vidas, fossem elas amigas especiais, namoraditas e até umas namoradas a sério. Sabíamos algumas das regras desse jogo, e que por vezes se caraterizavam pela sua ausência, deturpação, enganos e desenganos, amuos, zangas e o melhor de tudo, a reconciliação. Já o Hélder não sabia nada acerca desse jogo, e esse simples facto veio a revelar-se perigoso.


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