Quando uma pessoa
se apaixona perdidamente, fica tão zonzo da cabeça como um patinho recém-saído
do ovo. Já tinha assistido a este filme várias vezes, mas sempre em
sentido contrário. Mas desta vez calhou-me o "brinde".
Pior, tinha a noção que estava para além de apaixonado. Eu estava de quatro. E no fundo da minha consciência ainda me lembro de ter tido este pensamento: "Os patos recém-nascidos não andam de quatro, mas apenas de dois. Quem fica de quatro são os burros!"
Eu confesso. Estava
apanhado e babado, mas via perfeitamente que ela não estava na mesma onda. Nem
perto disso. Mas na minha idiotice acreditava com sinceridade que se
demonstrasse a grandeza dos meus sentimentos, ela acabaria por corresponder.
Bolas, só de pensar
nisso fiquei com comichões pelo corpo todo. Não paro de me coçar com os nervos.
Eu imagino que toda
a gente sabe que, se num casal houver apenas um apaixonado, o outro mais cedo
ou mais tarde acabará a relação. Mesmo sabendo disso, acreditava que só
acontecia aos outros. A mim, não, coração.
À Tânia permiti
logo que deixasse a escova de dentes, as cuecas e as blusas (para eu lavar e
passar a ferro, claro), e tudo o que mais ela quisesse. E ela deixou, para
marcar território. Eu era dela e ponto final!
A chave da minha
casa meti-lhe na mão três dias depois de ela ter entrado pela primeira vez, tal
a ânsia que eu tinha para ela vir viver comigo. O burro estava mesmo de quatro.
Claro que reparei
que ela não me deu a chave da casa dela. Mas nem lhe levei a mal. Afinal, nem
sabia onde morava. Quando a ia buscar ela combinava sempre numa paragem de
autocarro ou de metro.
Quando me ouviu
falar da Tânia com tanta emoção, a minha irmã quis conhecê-la. Combinei tantas
vezes quantas me foi possível, mas havia sempre qualquer coisa que impedia a
Tânia de estar presente, até que a minha irmã desistiu. Mas deixou-me com a
pulga atrás da orelha.
Confesso que não me
custou nada anular a minha conta do Tinder. Eu deixei de ter interesse em mais
nada na vida, pois a minha prioridade era a Tânia. Tânia, só Tânia.
Estava morto de
curiosidade sobre o seu passado, mas quando eu tocava de leve no assunto,
respondia com agressividade, ofendia-se e amuava. Mesmo achando estranho
calava-me, pois não a queria zangada de modo nenhum.
Meti então na
cabeça que na vida dela ocorreram graves acontecimentos, e que resultaram em
traumas não resolvidos. Não voltei a tocar no assunto. A partir daí o seu
passado começou a ser um assunto tabu.
Em menos de um
ápice ela mudou-se para minha casa. Pelo menos parcialmente, ou seja, estava lá
quando lhe dava jeito. Mas eu estava eternamente agradecido aos céus cada
momento passado com ela.
A minha primeira
constatação é que o que era meu passou a ser nosso, mas o que era dela continuava
a ser escrupulosamente seu. Em termos de utilização, o meu carro passou a ser
dela...
Sentia que era uma
geleia derretida nas mãos dela. Se ela me mandasse ir para a direita eu nem
discutia, pois achava que era o meu dever imperioso nunca a desagradar.
Mas caramba, eu
nunca tinha sido assim! Sempre primei por ser assertivo, e tinha noção que nas
minhas relações sentimentais tinha sido (quase) sempre eu a mandar. Nesta
notoriamente não era o caso.
Friamente
analisando (agora) nada havia na Tânia que se destacasse. Não era brilhante em
termos físicos, morais, de conhecimentos, de inteligência, nem na intimidade.
Apenas tinha aqueles olhos expressivos, mas mesmo esses não eram
particularmente bonitos.
De repente e sem
nenhuma razão aparente, a Tânia começou a ser muito ciumenta e possessiva. E eu
fiquei extasiado, pois achei que esse era um sinal claro de que ela finalmente
estava apaixonada por mim! Burro de quatro patas, agora calçado com as botas da
tropa da estupidez.
Ela passou a
discutir comigo por tudo e por nada: se me atrasava cinco minutos, se estava a
ver emails ou se recebia uma chamada telefónica. E frequentemente chamava as
minhas amigas de p… para cima, proibindo-me de as contactar, fosse quem fosse
ou como fosse!
Nessa altura as
minhas contas do Facebook e Instagram estavam já a ganhar pó e teias de aranha,
e depois desamiguei todas as minhas amigas e também os amigos da night. Acho
que só lá ficou o homem do talho e a minha tia, e mesmo essa só ficou porque já
é velhota….
De modo a evitar os
seus repentes de fúria, coloquei uma cerca de arame farpado electrificada à
minha volta. Tudo para demonstrar à minha Tânia que eu era só dela, e que não
precisava de ter ciúmes de ninguém. E vi-me subitamente afastado de todos.
Se recebia algum telefonema
ia falar para junto dela para ela não ficar amuada. Ou se não queria atender
(ou não podia) mostrava-lhe o visor para ela se certificar de quem era.
Ela, pelo
contrário, tinha sempre o telemóvel escondido, nunca atendeu nenhuma chamada
perto de mim e acho mesmo que tinha mais do que o telemóvel “oficial”.
Nunca lhe conheci
amigos ou familiares, mas (acho que) falei uma vez com um. A Tânia estava no
duche quando tocou o telemóvel. Ainda lhe disse alguma coisa que ia atender. E
assim o fiz, mesmo hesitando.
Do outro lado da linha estava uma voz masculina. Ficou surpreendido ao ouvir-me e identificou-se como sendo um primo. Mas disse-o a rir....
(Continua...)
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