segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Tânia (2 de 3)


Quando uma pessoa se apaixona perdidamente, fica tão zonzo da cabeça como um patinho recém-saído do ovo. Já tinha assistido a este filme várias vezes, mas sempre em sentido contrário. Mas desta vez calhou-me o "brinde".

Pior, tinha a noção que estava para além de apaixonado. Eu estava de quatro. E no fundo da minha consciência ainda me lembro de ter tido este pensamento: "Os patos recém-nascidos não andam de quatro, mas apenas de dois. Quem fica de quatro são os burros!"

Eu confesso. Estava apanhado e babado, mas via perfeitamente que ela não estava na mesma onda. Nem perto disso. Mas na minha idiotice acreditava com sinceridade que se demonstrasse a grandeza dos meus sentimentos, ela acabaria por corresponder.

Bolas, só de pensar nisso fiquei com comichões pelo corpo todo. Não paro de me coçar com os nervos.

Eu imagino que toda a gente sabe que, se num casal houver apenas um apaixonado, o outro mais cedo ou mais tarde acabará a relação. Mesmo sabendo disso, acreditava que só acontecia aos outros. A mim, não, coração.

À Tânia permiti logo que deixasse a escova de dentes, as cuecas e as blusas (para eu lavar e passar a ferro, claro), e tudo o que mais ela quisesse. E ela deixou, para marcar território. Eu era dela e ponto final!

A chave da minha casa meti-lhe na mão três dias depois de ela ter entrado pela primeira vez, tal a ânsia que eu tinha para ela vir viver comigo. O burro estava mesmo de quatro.

Claro que reparei que ela não me deu a chave da casa dela. Mas nem lhe levei a mal. Afinal, nem sabia onde morava. Quando a ia buscar ela combinava sempre numa paragem de autocarro ou de metro.

Quando me ouviu falar da Tânia com tanta emoção, a minha irmã quis conhecê-la. Combinei tantas vezes quantas me foi possível, mas havia sempre qualquer coisa que impedia a Tânia de estar presente, até que a minha irmã desistiu. Mas deixou-me com a pulga atrás da orelha.

Confesso que não me custou nada anular a minha conta do Tinder. Eu deixei de ter interesse em mais nada na vida, pois a minha prioridade era a Tânia. Tânia, só Tânia.

Estava morto de curiosidade sobre o seu passado, mas quando eu tocava de leve no assunto, respondia com agressividade, ofendia-se e amuava. Mesmo achando estranho calava-me, pois não a queria zangada de modo nenhum.

Meti então na cabeça que na vida dela ocorreram graves acontecimentos, e que resultaram em traumas não resolvidos. Não voltei a tocar no assunto. A partir daí o seu passado  começou a ser um assunto tabu.

Em menos de um ápice ela mudou-se para minha casa. Pelo menos parcialmente, ou seja, estava lá quando lhe dava jeito. Mas eu estava eternamente agradecido aos céus cada momento passado com ela.

A minha primeira constatação é que o que era meu passou a ser nosso, mas o que era dela continuava a ser escrupulosamente seu. Em termos de utilização, o meu carro passou a ser dela...

Sentia que era uma geleia derretida nas mãos dela. Se ela me mandasse ir para a direita eu nem discutia, pois achava que era o meu dever imperioso nunca a desagradar.

Mas caramba, eu nunca tinha sido assim! Sempre primei por ser assertivo, e tinha noção que nas minhas relações sentimentais tinha sido (quase) sempre eu a mandar. Nesta notoriamente não era o caso.

Friamente analisando (agora) nada havia na Tânia que se destacasse. Não era brilhante em termos físicos, morais, de conhecimentos, de inteligência, nem na intimidade. Apenas tinha aqueles olhos expressivos, mas mesmo esses não eram particularmente bonitos.

De repente e sem nenhuma razão aparente, a Tânia começou a ser muito ciumenta e possessiva. E eu fiquei extasiado, pois achei que esse era um sinal claro de que ela finalmente estava apaixonada por mim! Burro de quatro patas, agora calçado com as botas da tropa da estupidez.

Ela passou a discutir comigo por tudo e por nada: se me atrasava cinco minutos, se estava a ver emails ou se recebia uma chamada telefónica. E frequentemente chamava as minhas amigas de p… para cima, proibindo-me de as contactar, fosse quem fosse ou como fosse!

Nessa altura as minhas contas do Facebook e Instagram estavam já a ganhar pó e teias de aranha, e depois desamiguei todas as minhas amigas e também os amigos da night. Acho que só lá ficou o homem do talho e a minha tia, e mesmo essa só ficou porque já é velhota….

De modo a evitar os seus repentes de fúria, coloquei uma cerca de arame farpado electrificada à minha volta. Tudo para demonstrar à minha Tânia que eu era só dela, e que não precisava de ter ciúmes de ninguém. E vi-me subitamente afastado de todos.

Se recebia algum telefonema ia falar para junto dela para ela não ficar amuada. Ou se não queria atender (ou não podia) mostrava-lhe o visor para ela se certificar de quem era.

Ela, pelo contrário, tinha sempre o telemóvel escondido, nunca atendeu nenhuma chamada perto de mim e acho mesmo que tinha mais do que o telemóvel “oficial”.

Nunca lhe conheci amigos ou familiares, mas (acho que) falei uma vez com um. A Tânia estava no duche quando tocou o telemóvel. Ainda lhe disse alguma coisa que ia atender. E assim o fiz, mesmo hesitando.

Do outro lado da linha estava uma voz masculina. Ficou surpreendido ao ouvir-me e identificou-se como sendo um primo. Mas disse-o a rir....


(Continua...)

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