terça-feira, 13 de setembro de 2016

O Vidrinho

Se encontrasse perdida a lâmpada mágica do Aladim, um dos desejos que decerto pediria era saber de onde vêm as sensações tipo sexto sentido, as tais que fazem soar as campainhas de alarme, boas ou más.
Felizmente que a mente humana ainda deixa emergir, de tempos-a-tempos, uma vertente instintiva, límbica, oriunda da ancestralidade, mostrando que há mais em nós que a pura e dura racionalidade.
Mas isso será por pouco tempo, garanto. A racionalidade galga terreno a cada dia que passa e as novas tecnologias farão com que soará a estranho algo não explicável pela Siri, como ter sensações de que há algo errado.
Noto que dia para dia somos mais programados, lógicos, cerebrais, estupidamente humanos. As nossas decisões são pensadas, pesadas e calculadas, nada instintivas nem deixadas ao acaso, ao universo, a nós mesmos e das nossas sensações inexplicáveis.
Por vezes penso que por vezes penso por mim. Tolo. Tudo é pensado por mim. E por ti. E por eles, e nada é deixado ao acaso a bem da sociedade em que estamos mergulhados. E é através da tecnologia que tudo agora se processa.
A natureza já não faz parte de nós, e nem nós dela. Apenas a contemplamos quando estamos para aí virados, mas por breves momentos. O importante é olharmos para o vidrinho pois é lá que está o mundo. O nosso foco agora está no rectângulo.
O vidrinho mostra onde estão as pessoas importantes, sejam para mim ou para ti, é onde se sabe ao segundo o que se quer que se saiba que se passa. É através dele que estão os jogos, a música, as mensagens, os e-mails, as fotos e os vídeos, ou seja, a vida.
Vejo um menino de três anos a ver vídeos no Youtube. É que os seus amigos estão em todo o lado menos onde ele está, a brincar sozinho com o seu vidrinho.
Vocês nunca estranharam a destreza como os bebés utilizam os vidrinhos? Eu fico abismado. É como se tivessem utilizado aparelhos desses no ventre da sua mãe. E não me venham dizer que é fruto da aprendizagem de observação.
Nas próprias refeições já não temos interacção com os nossos pequenitos, sejam em forma de histórias, canções, palhaçadas ou mesmo televisão. Agora só passamos um vidrinho para as suas mãozitas. As consequências das alterações nessas crianças são inimagináveis. E algumas não serão certamente boas.
O mundo mudou e estamos todos conectados uns com os outros. Podemos falar com todo o mundo. Mas não falamos. Conversamos cada vez menos, presencialmente, e agora também falamos menos telefonicamente.
A vídeochamada falhou com imenso estrondo. Os futuristas previram que as comunicações passariam da voz para a imagem. Errado. Foi da voz para o texto. Regredimos. Mais um pouco.
Agora comunicamos quase exclusivamente por mensagens utilizando o Whatsapp ou o Messenger, mas provavelmente não vamos ficar por aqui.
É que das mensagens escritas estamos a passar rapidamente aos emoticons, a representarem as emoções que queremos passar aos outros. Sem palavras nem emoções reais.
Afinal o que nós não queremos é deixar transparecer aos outros as nossas reais emoções! Daí não querermos que ninguém nos veja, nos ouça e cada vez menos nos leia.
Se o Pessoa voltasse a este mundo decerto ficaria verdadeiramente espantado com esta (falta de) comunicação, mas decerto que rapidamente alinharia no jogo. E como faria sucesso a utilizar o vidrinho!

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