Sempre me
questionei para onde iriam as pessoas que desapareciam da minha vida. Não me
estou a referir aos que partem para sempre mas sim dos que deixei de ouvir
falar.
Nasci e criei-me
numa pequena aldeia perto da Serra da Estrela, na Cova da Beira, e toda essa
minha vida decorreu numa pacatez impoluta.
Conhecia quase
toda a gente com quem me cruzava, e todos os estranhos que encontrava me
pareciam isso, estranhos. E perguntava-me também de onde viriam. Mas como
apareciam desapareciam eu deixava de pensar nisso.
O mundo inteiro
era-me desconhecido, tal o isolamento a que o meu mundo estava sujeito.
Só anos mais tarde
conheci o básico, como electricidade, rádio, televisão, estradas alcatroadas e
telefone. Luxos aos quais rapidamente intitulei de necessidades.
A minha vida e a
minha visão do mundo alargou-se, pelo menos um pouco. Já me deslocava a outras
localidades e aprendera a conduzir, pelo menos um motociclo.
Os namoros vieram,
naturalmente. Não eram luxos, eram necessidades naturais e bem humanas. Casei.
Nem sei porquê, realmente.
Para a maioria dos
homens da minha geração, assim como para os mais antigos e lá para as minhas
bandas, o casamento não era o que se via e ouvia na televisão. Era diferente.
A minha mulher
tratava de tudo em casa e de mim, e eu provia do resto. E assim ela deixava-me
sossegado no convívio na tasca do Zé, à beira da estrada municipal. Só tinha de
estar em casa para a janta. O que poucas vezes acontecia.
Vocês sabem, um
homem trabalha muito e precisa de estar com os amigos. E esses não têm
problemas em chegar a casa quando querem. E nem precisam de dar satisfações.
Eu queria ter um
casamento como o dos meus amigos, mas a minha mulher era teimosa. Já sabia que
a mãe dela era assim, e julguei que a filha fosse diferente. Não era.
Os amuos eram
frequentes, e os meus gritos e ameaças também. A coisa não correu bem. Quase
desde o início. Devolvi-a à precedência. Tinha defeito.
Que se lixe.
Mulheres há muitas, e de certeza bem menos chatas que esta. E nem precisei de
esperar muito.
Fui a Espanha com
amigos. Salamanca ali tão perto, cheia de guapas que adoram portugueses da
Serra. Não devia ter ido, sei-o agora.
Encontrei uma
rapariga que me devolveu o sorriso. Não o devia ter feito, ela sabe-o agora.
Era italiana e
estava a tirar um curso sobre uma coisa esquisita. Rasmus ou parecido.
Encantámo-nos um ao outro. Não sabíamos porquê mas há coisas que se explicam e
outras que não.
Ia ter com ela
todos os fins-de-semana, e estávamos perdidos. E nem o sabíamos.
Quando acabou o
tal curso, do qual nunca soube o nome, pediu-me para ir com ela, para uma
cidadezinha a sul de Roma. Que podia eu fazer? E foi o que eu fiz.
Embarcamos em
Madrid para Roma, e gostei de andar de avião. A família dela estava à espera
dela, e apenas dela. Senti-me a mais, mas ela lutou e conseguiu que me
aceitassem. Fiquei feliz.
Descobri o erro
mais tarde, mas pouco mais tarde. As nossas diferenças eram grandes. Idade,
cultura, educação, perspectivas de vida. Há sempre uma hora em que tudo
conta. Muito.
Trocou-me
rapidamente por alguém que a entendesse de corpo e alma, e não apenas de corpo.
Fui fazendo de
tudo, e fui ficando por uns tempos. Mas necessitava de ir para outro lado. E
voltar não era opção.
Andei para sul, e
as vistas eram boas. O trabalho rural não me assusta e era disso que
sobrevivia. A custo.
Cheguei a uma
aldeia onde a única tarefa que podia fazer era pastar gado nas colinas. E foi o
que fiz.
Tão longe e tão
perto. Lá estava a minha nova Serra para onde levava o gado, todos os dias.
Tenho Facebook.
Toda a gente o tem. Quem não tem não existe. Ouvi dizer.
Desta forma
consegui contactar muitos amigos de infância. Uns estão bem, e outros mais ou
menos. Sinto-lhes a falta. E sinto que não sentem a minha falta.
Sinto que estou no fim da linha em muitas
coisas. E que talvez nunca mais saia daqui. Com pena, pois descobri que há
tanto mundo. E eu aqui.
Descobri agora
para onde foram as pessoas que desapareceram da minha vida. Para o cemitério dos
elefantes….
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