segunda-feira, 7 de março de 2016

Cemitério de Elefantes


Sempre me questionei para onde iriam as pessoas que desapareciam da minha vida. Não me estou a referir aos que partem para sempre mas sim dos que deixei de ouvir falar.
 
Nasci e criei-me numa pequena aldeia perto da Serra da Estrela, na Cova da Beira, e toda essa minha vida decorreu numa pacatez impoluta.
 
Conhecia quase toda a gente com quem me cruzava, e todos os estranhos que encontrava me pareciam isso, estranhos. E perguntava-me também de onde viriam. Mas como apareciam desapareciam eu deixava de pensar nisso.
 
O mundo inteiro era-me desconhecido, tal o isolamento a que o meu mundo estava sujeito.
 
Só anos mais tarde conheci o básico, como electricidade, rádio, televisão, estradas alcatroadas e telefone. Luxos aos quais rapidamente intitulei de necessidades.
 
A minha vida e a minha visão do mundo alargou-se, pelo menos um pouco. Já me deslocava a outras localidades e aprendera a conduzir, pelo menos um motociclo.
 
Os namoros vieram, naturalmente. Não eram luxos, eram necessidades naturais e bem humanas. Casei. Nem sei porquê, realmente.
 
Para a maioria dos homens da minha geração, assim como para os mais antigos e lá para as minhas bandas, o casamento não era o que se via e ouvia na televisão. Era diferente.
 
A minha mulher tratava de tudo em casa e de mim, e eu provia do resto. E assim ela deixava-me sossegado no convívio na tasca do Zé, à beira da estrada municipal. Só tinha de estar em casa para a janta. O que poucas vezes acontecia.
 
Vocês sabem, um homem trabalha muito e precisa de estar com os amigos. E esses não têm problemas em chegar a casa quando querem. E nem precisam de dar satisfações.
 
Eu queria ter um casamento como o dos meus amigos, mas a minha mulher era teimosa. Já sabia que a mãe dela era assim, e julguei que a filha fosse diferente. Não era.
 
Os amuos eram frequentes, e os meus gritos e ameaças também. A coisa não correu bem. Quase desde o início. Devolvi-a à precedência. Tinha defeito.
 
Que se lixe. Mulheres há muitas, e de certeza bem menos chatas que esta. E nem precisei de esperar muito.
 
Fui a Espanha com amigos. Salamanca ali tão perto, cheia de guapas que adoram portugueses da Serra. Não devia ter ido, sei-o agora.
 
Encontrei uma rapariga que me devolveu o sorriso. Não o devia ter feito, ela sabe-o agora.
 
Era italiana e estava a tirar um curso sobre uma coisa esquisita. Rasmus ou parecido. Encantámo-nos um ao outro. Não sabíamos porquê mas há coisas que se explicam e outras que não.
 
Ia ter com ela todos os fins-de-semana, e estávamos perdidos. E nem o sabíamos.
 
Quando acabou o tal curso, do qual nunca soube o nome, pediu-me para ir com ela, para uma cidadezinha a sul de Roma. Que podia eu fazer? E foi o que eu fiz.
 
Embarcamos em Madrid para Roma, e gostei de andar de avião. A família dela estava à espera dela, e apenas dela. Senti-me a mais, mas ela lutou e conseguiu que me aceitassem. Fiquei feliz.
 
Descobri o erro mais tarde, mas pouco mais tarde. As nossas diferenças eram grandes. Idade, cultura, educação, perspectivas de vida. Há sempre uma hora em que tudo conta. Muito.
 
Trocou-me rapidamente por alguém que a entendesse de corpo e alma, e não apenas de corpo.
 
Fui fazendo de tudo, e fui ficando por uns tempos. Mas necessitava de ir para outro lado. E voltar não era opção.
 
Andei para sul, e as vistas eram boas. O trabalho rural não me assusta e era disso que sobrevivia. A custo.
 
Cheguei a uma aldeia onde a única tarefa que podia fazer era pastar gado nas colinas. E foi o que fiz.
 
Tão longe e tão perto. Lá estava a minha nova Serra para onde levava o gado, todos os dias.
 
Tenho Facebook. Toda a gente o tem. Quem não tem não existe. Ouvi dizer.
 
Desta forma consegui contactar muitos amigos de infância. Uns estão bem, e outros mais ou menos. Sinto-lhes a falta. E sinto que não sentem a minha falta.
 
Sinto que estou no fim da linha em muitas coisas. E que talvez nunca mais saia daqui. Com pena, pois descobri que há tanto mundo. E eu aqui.
 
Descobri agora para onde foram as pessoas que desapareceram da minha vida. Para o cemitério dos elefantes….

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