Por vezes olho
para o Céu. Gosto de ver as nuvens impelidas pelo vento a passarem por cima de
mim e a taparem-me o sol só porque lhes apetece. Mas mesmo sem nuvens, olhar
para aquele azul já me é suficientemente inebriante.
Sinto que um
bocadinho do Céu já me pertence, tal a quantidade de meus que já lá alberga.
Ainda outro dia
estava na Praia do Guincho quando passou por cima de mim um
Anjo a voar baixinho. Pela
forma como voava vi logo que ia cair lá para as bandas da Malveira da Serra.
Num impulso
dirijo-me para o meu carro, que ainda estava longe. Pensei logo que o Anjo
poderia precisar de ajuda e que mais ninguém o poderia ter visto.
Chego uma meia
hora depois do avistamento. Com grande surpresa deparo-me com uma parafernália
de luzes, luzinhas, mirones, fitas a demarcar, eu sei lá. Uma ambulância do
INEM tinha acabado de chegar, agentes da GNR e Bombeiros completavam o
ramalhete. “Estes tipos são mesmo rápidos”, pensei.
Os principais canais de televisão e das rádios já preparavam os directos e a fila
de entrevistados engrossava: o padre local, o cauteleiro que viu a queda, a
senhora do 1º direito que ligou para a “guarda”…… até o primo direito do Goucha
e uma amiga de infância da Cristina estavam na fila!
Olhei para o lado
e vi Escuteiros a venderem rifas aos transeuntes, enquanto se montavam barracas
para vender tudo e mais alguma coisa, e sentia já o cheiro no ar de coiratos
assados. A tenda estava verdadeiramente armada….
Vejo políticos locais aos pulinhos na tentativa de se fazerem notar, e chegavam aos magotes deputados. Os lideres dos maiores partidos já lá estavam e até o assessor do
Primeiro-Ministro ia dizendo o que dito cujo já vinha a caminho.
A multidão
adensava-se pois todos queriam ver o Anjo. Parecia que todo o País lá estava,
pelas mais diversas e próprias razões. Ninguém queria perder a oportunidade de
dizer aos netos que tinha lá estado naquele dia.
E eu? Eu só tinha
ido tentar socorrer o Anjo, do qual nada sabia. Não passavam nenhumas notícias
sobre o seu estado de saúde, se ainda estava no local, se estava bem ou mal. E
isso preocupava-me.
Procurei furar por
entre a multidão para ver se encontrava alguém que me dissesse qual o real estado
do Anjo, mas deparei-me com uma barreira impenetrável do Exército.
Parece que o
estavam a considerar como uma ameaça à integridade territorial do País, pois tinha
violado o espaço aéreo nacional e não tinha consigo qualquer identificação. O
Anjo estava a ser considerado como uma ameaça!
Ridículo, pensei eu. Como podem
pensar assim?
Seja como for depressa
vi alguns políticos a saírem apressadamente pela porta dos fundos. Depois os
religiosos. E em breve todos os seguiram.
As televisões
passaram a transmitir aquela lengalenga do “voltaremos à transmissão em directo
caso surja algum desenvolvimento”, o que quer dizer que ficaram os repórteres
de importância nula que iriam estar dentro das carrinhas de reportagem e só de
lá sairiam caso houvesse motivo de reportagem. Ou iriam embora de vez. O que
não tardou a acontecer.
À volta só ficou o
lixo. Montes e montes de detritos. E uma tenda no meio. A Cruz Vermelha tinha
instalado uma tenda da campanha e nesse local improvisado estavam alguns
profissionais de saúde a tratarem do Anjo. Mais nenhuma vivalma por perto.
O Anjo parecia um
pouco maltratado, mas fisicamente bem. Umas penas caídas no chão, umas
escoriações, mas nada mais. Chorava compulsivamente e estavam a administrar-lhe
calmantes.
Compreendi então.
Era apenas mais um Anjo caído….