Acordo num negrume tal que
nem sabia ao certo se continuava desacordado ou se tinha despertado de vez. Não
vislumbrava luz em lado nenhum.
O breu diante dos meus
olhos era tão intenso que parecia mesmo que o podia agarrar com as mãos, se
assim o quisesse.
Os meus olhos queriam saltar
das órbitras, tentando captar a mais ténue luminosidade, mas esta teimava em
não aparecer.
Em pânico, pus-me de pé, mas
não me atrevi a dar um único passo, pois podia estar à beira de um precipício sem
o saber.
As minhas mãos tacteavam o escuro,
em busca de algo, mas com medo de tocarem em algo tenebroso ou nojento.
Muito a medo, movi um pé
uns milímetros, mas acho que só o movi dentro do sapato. Depois é que consegui
que a sola se movesse, mas muito pouco.
Abaixo-me lentamente para
tocar no chão, mas sem me debruçar, para saber um pouco mais onde estou, e os
meus dedos tocam ao de leve num chão seco e liso.
Atrevo-me a colocar um pé
adiante do outro, e aguardo, como se esperasse que algum bicho me mordesse ou
que um bando de aranhas subisse pelo meu corpo acima.
Aguardo e nada acontece, e ouso
colocar o outro pé diante do outro, ao mesmo tempo que temo cair num buraco interminável.
Ouço ao longe um barulho que
considerei temível, e sinto os pelos da minha nuca a eriçarem-se como se
estivessem encantados. Senti que estava perdido.
Assoma-me à cabeça que mesmo
que a fera que fez o barulho não me conseguisse ver, conseguiria cheirar-me.
E como eu devo cheirar, de
medo e de mais alguma coisa que surgiu agora mesmo. É que não vos disse, mas a
coragem não veio comigo ao nascer, e tarda em aparecer.
Senti vontade de correr mas
os meus pés ficaram presas ao solo, como se os meus sapatos estivessem colados ao
solo com Araldite.
Dou um passo mais afoito e bato logo com um joelho em algo, provocando-me uma dor lancinante, sentindo que a
perna tinha ficado toda desfeita em bocados, estando o sangue a jorrar a rodos.
Fiquei com medo de tocar
na perna, e apenas a tento levantar, sentindo a meia a ficar toda ensopada. Penso na fera e na sua excitação ao cheirar o meu sangue.
Sinto-me a desmaiar, a
desfalecer, a morrer, e os meus últimos pensamentos vão directos
para a minha mãe que, coitada nunca mais me verá.
Choro convulsivamente com
pena da minha mãe, não de mim nem por mim, pois eu já me considero morto, e nunca ninguém saberá o que me aconteceu.
Nem penso como cheguei ali,
a esta situação desesperada, ao negrume, à beira do abismo, com a perna
desfeita. Tudo está perdido para mim.
Estou sentado no chão seco
e liso, com as lágrimas a escorrerem pela cara abaixo, à espera que a fera me
devore, que as aranhas me piquem, que a falta de sangue me mate.
Sento-me direito, como se a
aproximação da Morte me desse uma dose de coragem e consequentemente,
de última dignidade.
Levanto a cabeça, como se quisesse
enfrentar a fera olhos nos olhos. As lágrimas secaram e os meus olhos ficaram de súbito cheios de raiva.
Elevo a voz, já não temendo
nada, nem sequer a fera que me rondava – “Vem Morte. Vem, minha desgraçada
sem coração. Quero ver-te com coragem para me levares!”
De súbito ouço uma voz e
uma luz.
“Será que é Deus que já me vem
buscar?”, penso, surpreendido.
Não era. Mas quase…..
“- Gui, deixa-te de brincadeiras
aí no quarto e vai levar o Benji à rua. E olha que já está a ficar tarde para jantar…..”