EPILOGO
Peguem num rapaz
traumatizado por ter uma matrona como mãe, que teve de se assumir como adulto
de um dia para o outro, que foi obrigado a casar porque tinha engravidado uma
rapariga. Já não é pera doce.
Agora peguem nesse homem
traumatizado, e revelem-lhe que a mulher com quem se casou, por estar grávida,
afinal já estava nessa situação antes de o conhecer. É que a Rita se tinha
perdido de amores por um vizinho, que a desvirginou e emprenhou, e que ela continua
verdadeiramente apaixonada por ele.
Tudo isto fez com que o
Hélder se transformasse num ser extremamente frio, calculista, cruel, que
despreza finamente os outros seres humanos, principalmente as mulheres, que
para ele, são a fonte de todo o mal, qual Eva, que fez entrar o pecado original
no Paraíso.
Ele agora só está
contente quando engana alguma mulher, quando a faz apaixonar perdidamente por
ele, para depois a humilhar, a fazer sofrer horrores, de lhe dar uma réstia de
esperança de entendimento, para logo de seguida mudar de ideias.
Quantas não vimos a
chorar, desesperadas, depois de lhe irem bater à porta e ele nem se dignar a
recebê-las? Quantas deixaram tudo para trás em busca do verdadeiro amor, e
caíram? Quantas ele deixou desonradas perante as respetivas famílias?
O Hélder tornou-se assim
no maior crápula de que já existe memória, mas, de quem lhe conhece a história
da razão desse procedimento, o culpará verdadeiramente? Eu não, se bem que me
arrepie sempre que me lembre do que lhe fizeram e do que anda a fazer.
As histórias dele
chegaram-nos aos ouvidos por muito tempo, e passado algum tempo já nem tinham
interesse, pois eram meras repetições de um esquema de atração e de repulsa, e
que já nem sentíamos pena das vítimas.
Deixámos de ver o crápula
por uns tempos, e só pensámos que alguma já se vingou e o Hélder já deve estar
ou no fundo de um ribeiro, com uma pedra ao pescoço a servir de gravata, ou
sete palmos abaixo do chão num ermo qualquer.
Os próprios pais dele
andavam muito preocupados, pois nem eles tinham quaisquer notícias da sua
pérfida cria, e claro que temiam o pior. E as semanas passavam e nada do
Hélder. E assim passou a Primavera, o Verão, o Natal, a Passagem do Ano e nada.
Já quase nos esquecemos dele.
Antes do Carnaval,
alguém apareceu a dizer que tinham visto o Hélder a caminhar na praia, e quando
o saudaram, ele respondeu, muito bem-disposto. Estava, portanto, vivo e de
boa-saúde. Mas nada de aparecer.
No Domingo de Páscoa,
quando vínhamos da Missa, reparámos num táxi que tinha acabado de estacionar, e
de lá saiu o Hélder, acompanhado de uma mulher. Estranhámos, pois ele nunca
tinha trazido nenhuma para casa dos pais. Elas só iam bater-lhe à porta depois
de descobrirem onde ele morava.
E para nosso espanto,
nos braços dele carregava um bebé. Ele ia de mão dada com a mulher, que
transbordava confiança. O crápula tinha desaparecido, e o Hélder tinha
ressurgido. Graças ao Amor.