Temos a
tendência de considerar o cérebro humano como infalível, pelo menos até que
este comece a mostrar falhas. Mas quando ela as mostra, o caldo está mais do
que entornado, pois estamos completamente à sua mercê. Ele manda em tudo dentro
de nós.
Se
considerarmos que o nosso cérebro é incomparavelmente mais evoluído do que o
dos nossos parceiros de planeta, esse é um facto indesmentível. O que fazemos
com ele é brutal, e os cientistas consideram que apenas utilizamos uma pequena
fração dele.
Nos anos 50
do século XX, os médicos não tinham opinião sobre o hábito de fumar, e eram dos
mais fumavam. Até que começaram a descobrir a relação direta entre o fumar e o
aumento dos casos de cancro de pulmão. E as mentalidades começaram a mudar, muito
lentamente.
Mais
recentemente, foi descoberto que os jogos de vídeo viciam. Agora todos sabemos,
é um facto. Porém, antes desta descoberta, quem afirmasse isso era considerado um
imbecil. Agora tenta-se restringir o vício aos viciados, exceto se ele for um
profissional ou um youtuber dedicado a essa temática, e que ganhe milhões.
De diversão
para o vício é um pequeno passo. E tudo por culpa do nosso infalível e
inesgotável cérebro, que no caso de alguns vícios, fabrica dopamina, que depois de algum tempo, fica realmente viciado nela. E aí começa
o problema, e grave.
Os populares
vídeos das redes sociais, curtos e animados, e sequenciais, especialidade do
Tik-Tok mas replicado por todas as redes sociais, foram criados para entreter,
mas principalmente, para viciar. É que se estiver a ver esses vídeos está a
consumir publicidade, vital para as empresas, e a divertir-se, pelo menos é o
que diz o seu cérebro, a debitar dopamina sem parar.
Quando está
em causa pessoas adultas que se viciam quase sem se aperceberem, a situação pode
ser grave, mas estamos a falar de pessoas que têm o seu cérebro já formado,
tomam as suas decisões, boas ou más, conscientes ou não das consequências. Mas,
e se forem crianças, mesmo bebés, em plena formação?
Vejo como
norma os pais das crianças a darem tablets ou smartphones aos seus educandos,
estilo “toma lá para não me chateares”,
mas esses progenitores não imaginam que deste modo estão a reduzir a esperança
dos seus filhos serem pessoas “normais”.
Não consigo sequer
imaginar quais vão ser as consequências futuras para o desenvolvimento
cognitivo e social das crianças de agora, por estarem sujeitas, desde tenra
idade, a ver interruptamente vídeos curtos durante incontáveis horas, e sem
qualquer filtro. Estão notoriamente viciadas. Só que esse tema é, ainda, quase,
tabu.
As
mentalidades só se vão alterar quando os pais das crianças de agora, começarem
a notar graves desvios cognitivos e comportamentais, mas nessa altura já vai ser tarde
demais, pois o mal já está feito, e só resta a salvação dos mais pequenos. E os
mais crescidos que sejam medicados, para sempre.
Num
exercício de futurologia, prevejo que os pais de agora vão receber notificações
do tribunal, por parte dos filhos, já adultos, a pedirem indemnizações por os
terem sujeitado a práticas medievais de entretenimento, tendo como resultado distúrbios
psicológicos crónicos e irreparáveis. E acho que merecem todo o dinheiro que
irão receber.
Decerto que
já observaram a reação das crianças quando se tira o tablet ou o smartphone das
suas mãos? É uma reação semelhante a um viciado sem a sua fonte de prazer. De tal
maneira que a maioria dos pais devolve o aparelho de imediato, assustado. E a
criança retoma a sua atividade viciante, numa aparente acalmia.
Já os
multimilionários que são donos das empresas tecnológicas que viciam os pobres
com vídeos, colocam os seus filhos em escolas de elite, que se diferenciam das
outras por incentivarem os alunos a debaterem ideias, e a não utilizarem
écrans. Só quadros de giz!
Os abastados
têm tanto receio desse vício que provoca atraso cognitivo e social nos seus
filhos, que é norma colocarem cláusulas nos contratos com as amas, proibindo-as
de aceder a écrans junto dos seus filhos.
Ouse colocar
uma criança viciada em vídeos a resolver um problema de um grau complexo, mas
que você faria facilmente nessa idade, e constatará que a maioria não vai
conseguir. É que o cérebro dessa criança não foi treinado para essas “proezas”,
e agora pode ser tarde demais. Bem-vindo(a) à geração Tik-Tok!
Deixo links de textos e
do filme “Life Smartphone”, curta animação de 3 minutos de Xie Chengin
https://www.bbc.com/portuguese/geral-55173900
https://www.bbc.com/portuguese/geral-60403876
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/20/actualidad/1553105010_527764.html
https://www.youtube.com/watch?v=V1jfFuduZXo