1.
A Caixa
Um Tesla azul aproxima-se
silenciosamente de onde eu estou, e de dentro dele saem apressadamente dois
indivíduos que, prontamente, se encaminham para o porta-bagagens, mas ao
verificar que querem o mesmo, começam a esmurrar selvaticamente um ao outro, ali
mesmo, sem sequer trocarem um insulto ou uma palavra sequer.
As pessoas que estavam nas
redondezas afastam-se, sem quererem olhar para a carnificina que ocorre ali naquele
momento. O homem que conduzia o veículo estava coberto de sangue, não se sabendo
se era dele ou não, e parecia estar a perder o combate. O homem que foi
conduzido, mais pequeno, parecia melhor lutador.
De repente e sem qualquer aviso, um
Citroen de cor cinzenta, aproxima-se velozmente e atropela os dois lutadores.
Do lado do passageiro sai em passo de corrida um individuo, que num ápice abre
o porta-bagagens do Tesla, retira de lá uma mochila pequena e volta para dentro
do Citroen, que num ápice desaparece nas ruas da cidade.
Os dois lutadores ficaram estendidos
no chão, imóveis, enquanto as testemunhas, a medo, se aproximam, mais para
saber se eles estavam mortos ou não. O sangue escorria pelo asfalto, e o
silêncio total da cena só se quebrou com as sirenes das viaturas da polícia e
das ambulâncias, que velozmente se aproximavam do local do crime.
Eu estava calmamente a tomar um
cappuccino, quando tudo começou, e assim fiquei, a olhar para aquela
carnificina, a pensar em que mundo estou, e o que pode levar as pessoas a
fazerem o que acabei de presenciar. Via os polícias a perguntarem às pessoas o
que tinham visto, mas aparentemente só perguntaram a quem não viu nada.
As ambulâncias lá por fim levaram os
dois lutadores e no meio disto tudo só posso afirmar que nem um tiro foi
disparado e que os ocupantes do Citroen cinzento conseguiram o que todos queriam,
ou seja, levar uma mochila pequena do porta-bagagens do Tesla azul.
Passado um bocado, os polícias, o pessoal
de emergência médica e os mirones foram-se embora. Só ficou o Tesla azul, que,
por estar bem estacionado, e por ninguém ter dito nada aos polícias que os
indivíduos atropelados saíram de dentro desse veículo, nem sequer se
aproximaram dele.
Olhei em volta. Tudo calmo.
Aproximei-me do carro sem despertar suspeitas. A um metro do veículo,
abaixei-me, fingindo estar a apertar os meus atacadores. Olhei de novo em
volta. Tudo em paz. Abri a porta do condutor e coloquei o veículo em andamento,
silenciosamente.
Dei várias voltas só para me certificar
de que não estava a ser seguido. Ninguém circulava nas ruas. Só eu. Encostei o Tesla
numa rua cheia de vivendas e pus-me a ver o que estava dentro do carro. Nada de
especial apareceu à vista, parecendo um carro alugado ou de alguém que era muito
limpo.
Fui ao porta-bagagens e não estava
lá nada. Fui mais minucioso e levantei vários compartimentos e num deles estava
uma pequena caixa de metal vermelha, com aspeto de pesada e robusta. Para não
perder mais tempo, resolvi não abrir a misteriosa caixa naquele local
Conduzi o Tesla até dentro de uma
pequena mata, para quem pudesse estar a monitorizar não pensasse que algum dos
moradores das vivendas à volta estivesse alguma coisa a ver com o
desaparecimento desse objeto. Sai do veículo e limpei com extremo cuidado todos
os vestígios da minha presença no veículo.
No meio da mata havia um pequeno
monte rochoso, de onde eu poderia ver quem se aproximasse do carro, mas sem me
poder ver. Não demorou muito para começar a ouvir vozes em volta do Tesla.
Imaginei então que o veiculo estivesse com rastreador, e que a caixa de metal vermelha
teria efetivamente muita importância.
O diálogo começou com sussurros,
depois em tom normal e por último, desataram aos gritos. A coisa estava muito
séria, mas das quatro pessoas presentes, só duas gritavam de raiva, e os homens
do Citroen cinzento limitavam-se a pedir desculpa e a suplicar para um casal
ter mais calma.
De súbito, dois clarões, indicando
que tiros foram disparados, e ouvi distintamente dois corpos a caírem, como
sacos atirados para o chão. Um dos membros do casal tinha morto os ocupantes do
Citroen cinzento, em jeito de execução. Um silêncio brutal abafou todos os
chilreados dos pássaros no final do dia.
Senti o perigo, neste tempo de
drones, satélites e Air Tags. Precisava de fugir do meu esconderijo sem ser
visto pelo casal. Deixei-me ficar mais um bocado, cada vez mais assustado. Passado
uns momentos, vi o Tesla azul a afastar-se, na estrada, tendo abandonado o
Citroen cinzento e os dois corpos.
2.
Eu, eu, e
só eu
Olhei para a caixa de metal vermelha
mais uma vez. Por causa dela, poderiam estar pelo menos quatro pessoas mortas.
O que ela conteria? Qual o seu valor e para quem? O que eu iria fazer com ela
agora? Eu já tinha retirado um veículo automóvel de um local de crime, sem
justificação. O que poderia acontecer-me a mim?
De repente, apercebi-me que a caixa
poderia conter resíduos radioativos ou doenças mortais. E que nas redondezas de
onde eu retirei o carro, de certeza que havia camaras de vigilância, e que
estas podem ser acedidas pela polícia, mas também o poderiam ser pelos
assassinos ou por organizações poderosas. E perigosas.
Se a caixa contivesse algo perigoso
para a minha saúde, precisava de me livrar rapidamente do objeto, e no próprio
local de onde observei a execução, por baixo de umas tantas pedras pesadas, e envolto
em trapos que por lá encontrei, coloquei a caixa de metal vermelha, com extremo
cuidado.
Fui rapidamente para casa, não no
intuito de lá me refugiar, mas sim de retirar tudo o que de importante lá
estivesse, e fugir, antes que me pudessem detetar. Perto da casa, fiquei uns
minutos a observar qualquer movimento suspeito. Nada, nem um som nem um
movimento. Num caminhar falsamente casual, atravessei a rua.
No meu prédio, subi as escadas e
fui para um andar acima do meu, observando e ouvindo. Passou bastante tempo, nem
os vizinhos faziam barulho, o que achei estranho, pois estes costumam ser mais barulhentos.
Talvez fosse dia de silêncio e de recolhimento no edifício, e nem me disseram
nada.
Confortável com o silêncio, estava
prestes a descer os degraus da escada para entrar em casa, quando vejo a luz do
átrio de entrada a acender automaticamente, sem ter ouvido nenhum som. Mas se o
detetor de luz foi ativado, alguém tinha entrado no edifício, e sem querer
fazer nenhum barulho, o que significava problemas graves.
A luz em cada piso foi ativada, à
vez, sem se ouvir nenhum som. Quem quer que fosse, era profissional. E
significava que eu estava em graves problemas, pois andavam atrás de mim, e eu
estava nas escadas, a ser perseguido por um profissional da matança. E não
adiantava nem ir mais para cima nas escadas nem ir, obviamente para casa.
Rezei em silêncio. Confessei os
meus pecados. Arrependi-me de mil e uma coisas, desde que tinha feito e de
outras que não devia ter feito ou que não fiz. Tornei-me instantaneamente
religioso. Revi a minha morte mil vezes, e armei-me em corajoso e em cobarde na
mesma cena de encontro com o assassino.
Por fim, e depois de todas as
minhas experiências religiosas e exotéricas, a luz acendeu no piso da minha
casa. Eu já estava preparado para morrer quando vi quem estava a acionar o
detetor. A pessoa não usava máscara nem era assustadora. Mas é um ser extremamente
mortal, isso eu vos asseguro.
Levantei-me de repente e disse-lhe:
“Olá, e o que estás a fazer aqui a esta
hora da noite, e ainda por cima, a andar tão sorrateiramente?”. A pessoa
assustou-se tanto que quase caiu escada abaixo. Ficou agarrada ao corrimão,
como se estivesse a ter um ataque do coração, a respirar ofegantemente.
E eu comecei a ficar inquieto, pois
só imaginava a pessoa a morrer por causa do susto que lhe preguei, ou a ter
sequelas físicas e mentais permanentes, os vizinhos a virem à porta e a
acusaram-me de não ter dado assistência, e eu a ser preso por causa disso.
Desci os degraus e agarrei-me a ela, para a acalmar.
A pessoa lá se recompôs, e disse-me
“Ó anormal, tu não atendes a merda do
telemóvel e só vim ver se estavas bem, se não tinhas sido feito refém na tua
casa. Saio eu de casa a altas horas para quase morrer do coração.”. E eu
fiquei completamente desfeito, pois tinha alguém no mundo que tinha saído de
casa para saber de mim. Quase que chorei….
Era alguém com quem tinha passado
momentos bons, menos bons, francamente maus, estivemos juntos, separados,
inimigos, partilhamos casa, bens, cama, amigos, e desde que nos conhecemos,
nunca estivemos muito tempo sem estarmos juntos nem a saber um do outro. E só não
atendi o telemóvel porque este ficou a carregar em casa.
Confesso que não era a primeira vez
que ela tinha entrado em minha casa sem ser convidada, pois tínhamos confiança
para isso, pois demos chaves de casa um do outro, mas tenho fortes suspeitas de
que ela fazia isso só para saber se eu andava com alguém, e para nem me atrever
a levar alguém lá para casa.
Ela ia abrir a porta de minha casa,
e eu de repente lembro-me da minha situação, e coloco-me à frente dela, e impeço-a
de entrar na habitação. Ela fica escandalizada, pois interpreta o meu gesto, puramente
protetor, de como se estivesse a esconder alguém dentro de casa. E começa aos
gritos. “Onde é que está essa puta?”.
E começou um Carnaval antecipado,
com os vizinhos a abrirem as portas para saberem o que se passava, ela a entrar
na casa e a chamar “Ó sua puta de merda,
onde é que estás escondida?”, eu a tentar tapar-lhe a boca e ela a
morder-me, e já nem me lembrava dos polícias, assassinos de organizações
criminosas….
Sem ter encontrado nenhuma mulher
dentro de casa, a Elsa ficou mais calma, e principalmente mais calada, para
minha felicidade. E começou a fazer perguntas, e a não gostar das respostas.
Até que ficou calada, chocada, assustada, perturbada com tudo o que eu tinha
feito. E perguntou: “Estamos em perigo?”
Ao que lhe respondi “Eu estava em perigo, mas depois da tua
gritaria, já não devo estar, pois o assassino deve ter-se assustado e fugido”.
Ela riu-se baixinho, relaxou um pouco e deu-me a mão. Despois apertou com força
e com cara de durona disse “Afasto-me um
bocadinho de ti e só fazes merda….”
3.
O quando o
telefone toca…
De repente, ouço o toque do meu telemóvel.
O número é privado. Assusto-me. Resolvo não atender. Arrependo-me, vou atender,
mas nesse exato momento desligam a chamada. “Porque é que não atendeste?” pergunta a Elsa. “Porque o telemóvel pode ser localizado se atendesse, não sabes isso?”,
respondo, assustado.
E numa voz completamente calma e
clara, a Elsa diz: “Se te ligaram, sabem
quem és, e se sabem quem és, sabem onde moras, ou seja, já sabem onde estás
agora mesmo.” E sorri, com um sorriso triste, melancólico, de resignação,
estilo “e agora vamos morrer, por tua
causa, parvalhão de merda!”
Entrei em pânico. Ela tinha toda a
razão. Descobriram-me e sabem tudo sobre mim. Estou lixado, e pior, arrastei a
Elsa comigo. Comecei a suar abundantemente, sem reação absolutamente nenhuma,
enquanto dizia para mim mesmo “Mexe-te,
estúpido do caraças, mexe-te!”. Mas nada. Nem um musculo.
A Elsa começou a colocar roupas e
produtos de higiene pessoal a colocar numa mochila grande, foi ao meu
esconderijo, que eu julgava que era secreto, mas que afinal não era, e tirou o
que tinha de valor, e passados uns poucos minutos, abriu a porta e
perguntou-me: “Vens ou ficas?”. Fui,
claro.
Descemos as escadas do prédio a
correr, como se fugíssemos do Demónio, porque ele estava lá em casa, mas afinal
ele vinha connosco, com curiosidade para saber o que se ia passar a seguir.
Atravessamos a rua e fomos para o automóvel da Elsa, atirando tudo para o
porta-bagagens, sem saber muito bem para onde podíamos ir.
Ao entrar no carro da Elsa, via o
Tesla azul a uns cinquenta metros, e assustado, meti-me tão rapidamente dentro
do veículo que parecia estar num vídeo a alta velocidade, ao mesmo tempo que
lhe dizia para ela arrancar rápido e sair dali em alta velocidade, pois “os
bandidos estão ali atrás.”
Saímos da rua em marcha acelerada,
e eu procurei ver o Tesla azul, para saber se nos estavam a seguir. Mas não
estava, pois continuava lá parado. Comecei a entrar em pânico, pois comecei a
imaginar que, se não estava a seguir-nos, é porque tinham colocado uma bomba
por baixo do carro da Elsa.
Parámos o carro num ermo, e depois
de nos certificarmos de que não eramos seguidos, pus-me a espreitar por baixo
do carro em busca de bombas, e ao não encontrar nenhuma, revolvi o carro todo
em busca de algo que os assassinos pudessem ter lá posto, para nos seguir à
distância ou para monitorizar as nossas conversas. Nada.
A Elsa perdeu a paciência e deu-me
um ultimato: “Ou vamos já à Polícia ou tu
ficas já aqui!” Eu ia fazer o quê? Com medo de ir à polícia, fugi monte
abaixo, a gritar que ela também era uma assassina, que ela queria me matar, que
ela era da polícia. E caí de bruços, batendo com a cabeça numa pedra.
Acordei cheio de dores, com a Elsa
a olhar para mim de uma forma estranha, e reparo que tanto ela como eu estamos
presos com algemas a uma cama. Inutilmente tento me libertar como um
animal aprisionado, e apenas faço barulho, que alerta quem nos estava a vigiar,
que diz: “A princesinha já acordou do seu
soninho, foi?”
Reparo que estamos aprisionados num
miserável armazém, e quem nos aprisiona é o mesmíssimo casal que matou os ocupantes
do Citroen cinzento. Digo para mim mesmo: “Agora
que meti a Elsa num belo sarilho, tenho que fazer qualquer coisa para a safar”.
Mas a dúvida é o que eu ia fazer.
Do nada, aparece a mulher, que, com
uma cara histérica, desata aos berros ao dizer que me matava, que me
esquartejava, se não lhe obedecesse, só para me intimidar. Sinto que a atitude
é falsa, que está a fazer de polícia má, e fico à espero da entrada do homem,
que decerto fará de polícia bom, para contrabalançar.
Ela continuava aos gritos, com um
facalhão na mão, a dizer que me ia tirar um olho se eu não dissesse o que ela
queria, que ia abrir um buraco na barriga da Elsa, que ia fazer isto e aquilo,
mas sem convicção nenhuma. E eu a aguardar pela entrada do meu “defensor”.
De súbito, o homem entra e empurra
brutalmente a mulher, e em vez de se portar como o “policia bom”, agride-me ferozmente, perguntando com voz enraivecida
“onde é que puseste a caixa, cabrão?”,
e aperta-me a garganta. Sinto as minhas forças a esvaírem-se, e apago. Outra
vez.
Acordo de novo e ainda com mais dores
do que na primeira vez. Mas desta vez estou no chão, com a Elsa, desmaiada ou
adormecida, ao meu lado. Vejo que o homem, desacordado ou morto, jaz algemado a
um cano. Não percebo nada do que está a acontecer, e finjo-me desacordado. Por
vezes, fingir de morto é a melhor solução.
Chega a noite e ninguém acorda, ou
continuam todos a fingir-se de mortos, como eu. Ou então o tipo está mesmo
morto. Sei ao menos que a Elsa está viva, pois respira e por vezes estremece.
Vejo que ela não tem cordas nem algemas, assim como eu. Quem nos libertou e
aprisiono a “besta” não faço a mínima
ideia.
A mulher surge, com um semblante
calmo e pacifico. Olha para nós a rir-se e diz: “Já podes parar de fingir-te de morto. Já basta um.” E a Elisa diz-me: “Anda, levanta-te.”
Obedeço desconfiado, pois fiquei a saber que sei muito menos do que devia
saber, e que tudo me passou ao lado.
“Olá, vamos então às apresentações formais. Eu chamo-me Maria, e
pertenço à Interpol. Ando atrás desse bandido há mais de dois anos, e sem ter
obtido resultados, tive de me envolver fisicamente com ele para me poder integrar
no seu grupo criminoso e monitorizar as suas muito perigosas atividades
ilícitas.”
“Não sei porque estou a confessar isto tudo a vocês, mas na realidade, só
quero que me entreguem a caixa de metal vermelha para poder tirar férias disto tudo, e
ir para bem longe.” E com isto chegaram outras pessoas que se
identificaram com crachás da Interpol, descansando-me, por fim, pois encarei a
confissão dela como real.
4.
Epílogo, ou
talvez não…
Mesmo bastante combalido, sigo com
os agentes da Interpol, numa coluna de carros descaraterizados, até ao local
onde tinha guardado a caixa de metal vermelha. Ali jazia a fonte de tantos
problemas, ainda decerto enrolada nos trapos velhos e debaixo de umas pedras
pesadas, tal como a tinha deixado, tão poucas horas atrás.
Próximo do local, estavam polícias
e investigadores a examinarem o Citroen cinzento e os corpos de dois homens, e se
bem que culpados de atropelamento e fuga, eles mereciam ter sido entregues à
justiça, e não executados sumariamente daquela maneira.
Chegado ao local, tirei as pesadas
pedras do lugar para tirar o monte de trapos que continham a caixa de metal
vermelha, mas quando suspendo o objeto, o que agarra o embrulho é uma pinça de
metal, manuseada por um individuo vestido com um fato completo de proteção.
Todos os outros agentes estavam a uma distância segura.
“Seus filhos da p…. “, grito eu. “Porque é que ninguém me disse nada que
isto era perigoso?”. “Potencialmente
perigoso”, corrigiu-me logo um outro individuo, igualmente vestido com um
fato completo de proteção, que me disse para me despir, e nesse mesmo local
deram-me um banho completo com uma substância qualquer.
Eu nunca fiquei a saber o que
realmente tive nas mãos. A caixa de metal vermelha tanto podia conter material
radioativo, vírus ou bactérias, acessos a ogivas nucleares ou um pelo encravado
de Judas Iscariotes. Também, e felizmente, a minha saúde não ficou afetada,
pois ainda ando por aqui.
A Elsa também anda por aí, comigo,
mas sempre com receio que me meta em sarilhos, e por isso não me deixa muito à
solta, e eu também não me quero ver muito solto, pois já vi que tenho propensão
a meter-me em situações menos claras. Mas pelo menos já tenho uma história para
contar aos netos. Se os tiver, e se acreditarem em mim.
Passados uns tempos, estou eu
sossegado a tomar um cappuccino, precisamente no mesmo local onde decorreu as
agressões mutuas e o posterior atropelamento, e de onde eu desviei o veículo
elétrico com a caixa de metal vermelha, quando se aproxima um Citroen cinzento,
e instantemente entrei em pânico.
Bebo o cappuccino de um gole, e
fujo vou para dentro do café, e lá fico a fingir olhar para a montra dos bolos,
como que hipnotizado, com bastante medo que alguém entre e me dirija a palavra.
E de súbito alguém diz, ao meu ouvido, num tom meloso, mas que para mim me
pareceu bastante ameaçador: “pagas-me um
cappuccino?....”