Enquanto (quase) todos permanecem em casa, sento-me no sofá e liberto a minha imaginação, propondo-me percorrer todo o mundo recorrendo a um simples drone (imaginário).
O
aparelho levanta voo, munido das mais potentes camaras fotográficas, de vídeo, de
infravermelhos, de captação do mais ínfimo som e, pasme-se, de pensamentos.
Por isso,
se não quiserem que os vossos pensamentos sejam detetados, coloquem um cone de
folha de alumínio na cabeça e finjam-se de estátuas, pelo menos até o meu drone
passar.
Faço-o
subir aos céus sem receio de atrapalhar os aviões, pois eles permanecem em
terra. Só umas gaivotas curiosas se aproximam, mas depressa se afastam. Elas têm
de aproveitar o céu de novo só para elas.
E
assim percorro o mundo, vendo as imagens captadas pelo meu drone através do
écran infinito da plena e pura imaginação. E com alta resolução de 8k.
E vejo
com felicidade os restantes animais a refazerem as suas vidas, os céus a
ficarem mais azuis, as águas mais cristalinas. A neve na beira das estradas
branca, as chuvas menos ácidas, e os peixes a voltarem aos canais de Veneza.
Vejo
as pessoas confinadas com os seus entes queridos, mas maldizendo a sua sorte,
mesmo que estejam todos com saúde, a manter os seus empregos, e a nada faltar
em casa.
É que
a maior parte de nós ansiava por mais tempo livre para passar com a família. Agora
queixamo-nos de estarmos com eles, que não aguentamos mais, que precisamos de “respirar”.
Nestes
casos, só me lembro do António Variações, que cantava a quem o queria ouvir “porque eu só estou bem aonde eu não estou”,
na sua icónica canção “Estou além”. E
tal como todos nós agora, era a ansiedade que o dominava.
Vejo muitos
divórcios e separações a acontecerem na China após o fim da quarentena. E o
mesmo vai acontecer no resto do mundo. Só alguns poucos estão realmente preparados
para estar com a cara metade 24 por 24.
Procuro
agora pelos donos do mundo, pela espécie superior, pelos escolhidos. Vejo-os aterrorizados
e derrotados por algo que nem é considerado como ser vivo é. Onde está agora a “nossa” superioridade cientifica e
tecnológica?
É altura
de nós, humanos, sairmos do pedestal da nossa soberba e de tratarmos o mundo
como ele realmente merece. Este fenómeno é um grande aviso de que temos de
mudar urgentemente.
É
altura de sabermos que, quando a espécie humana um dia desaparecer, o mundo vai
continuar a girar e a avançar inexoravelmente, e que nós, humanos, nem sequer seremos lembrados,
pois as espécies que por cá ficarem não fazem registos.
Irónico. Os extraterrestres
que invadiram a Terra no livro “A Guerra
dos Mundos”, de H. G. Wells foram chacinados por uma bactéria. E nós
estamos a ser obrigados a mudar de vida por um simples vírus.
António
Xavier
Piloto
de Drones (Imaginários)