quarta-feira, 28 de março de 2018

A Amante (3 de 3)

Todos os anos a festa de Natal da empresa é realizada num grande salão. É a maior festa na organização, ocasião em que os colaboradores se misturam, e onde se pode ver a Presidente a divertir-se genuinamente, e a falar com todos.
Olho para o Nuno e para a Maria, no meio da sala a olharem um para o outro, e vejo colegas a sorrirem e a comentarem a cena, mas eles parecem não reparar, de tão apaixonados.
Eu e a Celeste também estamos juntos na festa, lado a lado, a falar uma colega. De súbito, algum sentido desconhecido me alerta para algum perigo, e ao dirigir o olhar para o fundo da sala vejo a minha mulher, Glória, de braços cruzados, a observar-me.
Comecei logo a suar por todos os poros, e gelado, fiquei sem saber se havia ou não de ir ter com ela. Pelo canto do olho vejo a Celeste a afastar-se, na ponta dos pés, a fingir que a tinham chamado na ponta oposta da sala.
Ela apenas olhava para mim, tal como olharia para um filho que estivesse a fazer algo errado, mas que por ser seu rebento estaria instantaneamente perdoado.
Confuso e hesitante, não avancei nem recuei. Apenas fiquei a olhar para ela. E a Glória, descruzando os braços, lentamente encaminhou-se para onde eu estava.
O meu sorriso era de um intenso amarelo, e sentia que tinha as sobrancelhas levantadas, como se desta forma pudesse manter o sorriso mais um pouco.
Ao chegar perto de mim, a Glória pergunta ao ouvido “aquela é a do Nuno?” E eu respondo, num assomo de honestidade, respondi: “Sim, aquela é a Maria”.
E soltando um prolongado “Hum”, a Glória circundou-os , observando os seus olhos brilhantes, e de tão entretidos um com o outro estavam, que nem nela repararam.
E como se tivéssemos ambos combinado, dirigimo-nos para o elevador para sairmos dali, sem pressas nem hesitações. E sem dizermos nada acerca das nossas intenções, saímos da sala.
No elevador de acesso ao estacionamento, continuámos a não dizer nada. Eu apenas lhe olhei fundo nos olhos, em busca de algo, mas sem sucesso. Ela apenas me retribuía o olhar. Quanto às suas intenções, nada transparecia.
Chegados ao automóvel, abri-lhe a porta para ela entrar, coisa que não fazia há anos. Ela olhou para mim, surpreendida. E sorrindo, entrou, calmamente.
E a Glória, recostando-se o melhor possível no banco do automóvel, disse, após um momento de pausa:

- Sabes, eu cá acho a “nossa” bem mais bonita do que a dele…..

sexta-feira, 23 de março de 2018

A Amante (2 de 3)

As semanas que se seguiram foram muito complicadas para mim. Na empresa eu e o Nuno evitávamo-nos, e a partir daí nenhum dos dois foi a casa um do outro, ao contrário das nossas famílias. Orgulhosos, não falámos da situação, pois sendo homens, considerámos que não havia nada para falar!
Uma noite, a minha mulher, do nada, disse qualquer coisa como “vê lá se não cais como o Nuno”, ao que lhe perguntei, meio ingénuo e meio distraído “mas o Nuno magoou-se, foi?”, mas quando ia rectificar, já só vi a Glória a bater com força a porta do quarto, zangada comigo.
Fui atrás dela a dizer “eu não sou o Nuno, fica descansada” ao que ela parou de repente, e olhando-me nos olhos e disse, calma e friamente “Veremos”. E eu encarei esse desafio, como tinha encarado tantos ao longo da vida. E superado. Quase todos…
Não tinha passado muito tempo quando caí. E caí de cabeça! E tal como o Nuno, com uma colega de trabalho!
Sinceramente não imaginava que tal me poderia suceder. Julgava ter uma relação marital e emocional estável e portanto só podia estar muito satisfeito com a minha vida. Racionalmente tudo estava bem. Mas a vida não é feita apenas do racional….
Numa manhã ensolarada, o Nuno entrou no meu gabinete com duas canecas de café na mão e um sorriso. Como continuámos a evitar-nos fiquei tenso e endireitei-me rigidamente na cadeira, mas ele desarmou-me logo quando me estendeu uma caneca e disse “vamos passar o fim-de-semana fora os quatro?
Os meus olhos brilharam, pois percebi logo quem eram os quatro. Ia realizar-se um seminário em Génova e sabia que o Nuno e a sua “amiga” iam estar presentes. Eu também precisava de ir, mas dadas as circunstâncias, custava-me. E agora surge isto…..
Confesso que foi um fim-de-semana fantástico, muito romântico, e apesar disso, nem sei se gostei mais de ter estado dessa forma com a Celeste se foi a total reaproximação com o Nuno.
Apesar de saber que o Nuno não era, de todo, infeliz com a sua esposa, foi um deleite vê-lo como se fosse um miúdo grande, apaixonado. E eu também estava. Muito.
Se eu fosse livre, sei que estaria imensamente feliz. Mas eu não era, pois tinha-me comprometido para sempre, para o bem e para o mal, para a saúde e para a doença, com outra pessoa.
Por mais que desse voltas à cabeça, não sabia como sair desta situação.
Via o Nuno completamente “apanhado” em todos os sentidos. Foi apanhado pela paixão e também pela esposa, família, colegas e amigos. Tão enredado estava que mais parecia um atum nas redes, e à medida que se debatia, mais preso ficava.
E eu já via as redes que me iam apanhar a aproximarem-se cada vez mais. Não tardaria a estar na mesma situação do Nuno, pois a Celeste pedia uma definição da nossa situação, um pouco à semelhança do que estava a suceder com a "namorada" do Nuno, de seu nome Maria.
Eu ia vivendo um dia-a-dia cada vez mais complicado. Sentia os meus filhos, já crescidos, a necessitarem cada vez menos de mim, e eu e a minha esposa cada vez mais desligados física e emocionalmente um do outro desde há anos. Mais parecíamos irmãos.
E eu sentia que a Celeste era a minha derradeira hipótese de poder voltar a ser feliz....

sexta-feira, 16 de março de 2018

A Amante (1 de 3)

Tenho um casamento estável há décadas, e com filhos já adultos. Adoro a minha mulher, Glória, e sei que ela me adora. E só por aqui vocês vêm que já tenho muitos, mesmo muitos motivos para estar satisfeito com a minha vida.
O meu melhor amigo sempre foi o Nuno. Crescemos juntos, estudámos juntos, namorámos juntos com duas amigas de juventude, com as quais viemos a casar e a ter filhos. Moramos ao lado um do outro, e tornámo-nos mais irmãos de facto do que a maioria dos irmãos ditos de sangue.
Todos os anos nós e as nossas famílias passamos as férias juntos, e raros são os fins-de-semana em que não estamos na casa uns dos outros. A vida corre-nos bem a ambos, e desconfio que qualquer dia ficamos unidos por sangue, tão bem os nossos filhos se dão.
Há alguns anos, fomos ambos seduzidos pela mesma empresa e pelo seu projecto aliciante. E pesou muito o facto de assim passarmos a trabalhar juntos. Desta forma estreitamos ainda mais os nossos já profundos e fortes laços.
Um dos defeitos da mente humana é que raramente fica muito tempo satisfeita com o que tem, mesmo que seja muito e bom, e assim, procura mais, melhor, ou apenas diferente.
Um dia, o Nuno não almoçou comigo e nem me disse nada, mas como não almoçávamos todos os dias juntos, não relevei.
Nessa tarde, o Nuno enviou-me uma mensagem lacónica a avisar que tinha de sair mais cedo. Fiquei preocupado quando cheguei a casa e não vi o automóvel dele estacionado, pois pensei que ele poderia estava a passar por alguma situação complicada, e esperei que ele me dissesse algo sobre o assunto.
Passou mais de uma semana sem lhe ver a cor dos olhos, parecendo sempre muito atarefado. Ainda pensei que ele estivesse integrado nalgum projecto novo, mas achei estranho, pois eu teria sabido antecipadamente.
Mas não demorou até saber o que se passava com ele. Ia eu almoçar com um cliente e amigo num restaurante da moda, quando deparei com o Nuno, com a mão sobre a mão de uma jovem, que reconheci como nossa colega, numa mesa isolada. E ele parecia bem e feliz, de acordo com o brilho dos seus olhos.
Senti a lâmina de uma faca fria a subir pela minha espinha acima, e de tal modo fiquei tenso que o meu cliente e amigo colocou a mão por cima do meu ombro e disse “Estou a ver que não sabias de nada, mas ele tem vindo aqui, bem acompanhado como vês, com alguma frequência.
Estava explicado o comportamento dele. O Nuno tinha uma amante! E tenho de confessar que os meus pensamentos não foram para a mulher dele, minha amiga, nem para os filhos deles.

Só pensava que “se ele não me contou, é porque não confia em mim”. E senti-me verdadeiramente traído!

sexta-feira, 2 de março de 2018

Elsa (7) Final


Vejo a Vida a traçar o seu rumo sem se importar se a quero seguir ou não. Tenho vontade de a chamar, mas sei que ela nem me ouviria. E mesmo que ela parasse para me ouvir, realmente eu não lhe teria nada para dizer....

Julgava eu que estava bem, parado na minha Vida, a ganhar pó e mofo, admirado (e também assustado) a ver os meus amigos e familiares a acasalarem e a reproduzirem-se. Ou seja, a seguirem as suas vidas.

Sentia-me tão bem no metro, a ser levado para o meu Destino, sem tomar decisões nenhumas, a entrar e a sair das carruagens sem ser notado. Era só mais um corpo na imensa multidão.

Mas na realidade, eu estava era parado na estação do metro da Vida, a ver os outros a entrarem e a saírem das carruagens e a seguirem os seus caminhos. E eu limitava-me a olhar para a vida dos outros.

Não sabia que o Destino tinha planos para mim. Inversamente, eu não tinha planos nenhuns para o Destino. Até entrar no metro e deparar-me com a Elsa.

Será que foste tu, Destino, que a puseste na minha vida? Será que foste tu que decidiste por mim que eu não apanharia o autocarro nesse dia? Só assim não a teria conhecido, e não teria saído da minha querida rotina!

Sei perfeitamente que o meu percurso de vida não me levaria a lado nenhum. Uns esparsos amigos e familiares, e sem ninguém a quem deixar o pouco que poderia amealhar no resto da vida.

Sei bem que mais ninguém iria entrar na minha vida, pois estava a certificar-me que todas as portas que levariam ao meu coração estariam muito bem fechadas.

E sei que daqui para a frente iria chorar todas as noites do resto da minha vida por nenhuma Elsa ter entrado na minha vida. E chorar mais ainda por todas as oportunidades perdidas para ser feliz!

Mas aí seria tarde. Demasiado tarde.

Parece que já foi há anos que conheci a Elsa…. Parece que foi há muitos anos que deparei com ela no Metro. E realmente foi….

Acordo. Uma Elsa em miniatura estava sentada ao meu lado, olhando-me fixamente. Pergunto-lhe “Já são horas?” Ao que a Elsa em miniatura responde, com cara de fingida:


Avô, saíste-me cá um dorminhoco! Já vou chegar atrasada aos Escuteiros!

Obrigado Destino. Obrigado Vida. E obrigado Elsa. Quero que saibam que vos estou eternamente grato.

 (FIM)