terça-feira, 26 de setembro de 2017

Crónica de um Fim Anunciado (2 de 2)

A ideia da nossa relação agonizar propositadamente punha-me louco! Tinha a certeza que ambos sabiamos perfeitamente onde isto tudo iria acabar. Só não sabiamos era quando. Eu pelo menos não sabia. Ela sabia, certamente.

Eu sei que não lhe posso dizer nada, caso contrário ela incendeia-se ainda mais. Nesse entretanto vai continuar a falar comigo num modo gélido, e apenas para me culpabilizar, ficando desta forma constrangido, frustrado e zangado com o mundo.

O mais difícil para mim é vê-la a interagir com outras pessoas de uma forma amorosa e queriduxa, enquanto que comigo é exatamente o oposto, roçando a brutalidade.

E mesmo que alguém visse a Cristina a tratar-me com a mais gélida frieza, iria sempre pensar que seria uma justa reação ao que eu lhe certamente tinha feito.

Sei que é assim porque já vi isso antes, nomeadamente em muitos casais. A maioria já se separou, mas alguns ainda moram juntos, mas estes, claro que não são casais. Já o foram. Agora são fantasmas.

É inegável que as mulheres são implacáveis quando querem acabar com as relações. Por isso quando o querem, iniciam “O Plano!

Quando penso nesse Plano vem-me à ideia aquele ditado brasileiro “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”…. Homem, nestes casos, faças o que fizeres estás sempre lixado! Basta o Plano começar. E eu estou no meio dele....

Chego a casa umas duas horas depois de ter saído. A Cristina está na cama a fingir que dormia, e sei antecipadamente o que vai fazer e dizer….

MERDA, ACORDASTE-ME!” grita, olhando-me com olhos cansados de ler, não de ter estado a dormir. “Podias ao menos ter feito menos barulho! Mas afinal que horas são?” pergunta a si própria em voz alta, como se não soubesse com precisão as horas.

Desculpa, ‘mor”, respondo com os olhos a rebentar de rir….. é que quando estamos a ver um filme pela centésima vez, antecipamos os diálogos, e nem sei porquê, dá-me vontade de rir, mesmo que a situação (já) não tenha graça nenhuma.

Deito-me sem lhe tocar e sem sequer lhe dar um beijo de boa noite, como dantes sempre acontecia. E sei que esse "esquecimento" será mais uma acha para a gigantesca fogueira onde estou a ser queimado.

Amanhã será um novo dia. Mais um dia na execução do maldito Plano. Mais um dia dos muitos que aí vêm, e em que tudo avança mais um bocadinho, inexoravelmente. Até ao FIM….

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Crónica de um Fim Anunciado (1 de 2)

Mas afinal o que é que se passa, Cristina?” Perguntei-lhe num tom que sabia ser tudo menos amigável. “Porque é que ainda não estás pronta? Sabes bem que combinámos estar em casa da Célia e do Pedro daqui a meia hora.

Estúpido! Pára de me chatear. Olha, por tua causa agora já não quero ir. Vai sozinho!” Respondeu num tom de irritação e de desprezo, calculado ao milímetro.

Já sabia perfeitamente que ela não queria sair comigo. Eu não deito cartas do tarot nem nunca ganhei nada nos jogos da Santa Casa, mas esse sentimento era-me tão evidente que só faltava colocar-lhe legendas.

Rebobinei a “fita” e revi que, numa única e simples frase, ofendeu-me, culpou-me de ter perdido a vontade de sair e ordenou-me que saísse de casa. Maravilhoso….

Claro que utilizei a pressão para que ela anunciasse ao Mundo e de uma vez por todas o que queria ou não fazer. Hoje não me apetecia jogar jogos longos e complicados, cheios de sinais difusos e contraditórios, e que não levam a lado nenhum.

Apesar de ser homem também sei ler sinais, e ajuda muito haver um histórico. Sei que em circunstâncias normais a Cristina já estaria despachada e a pressionar-me para sairmos. Como tudo muda na vida, especialmente na de um casal….

Sabia que não adiantaria demovê-la, porque a Cristina já tinha antecipado mentalmente ter a casa só para si, e só o facto de eu ficar lá (mesmo quedo e mudo numa divisão longe da sua vista) a ia tirar do sério, e começaria uma querela qualquer.

Nos últimos tempos ela começou por diversas vezes discussões violentas e (aparentemente) sem sentido, e eu tinha respondido saindo porta fora.

Como se estivesse a seguir um guião de um filme, logo que saio, invariavelmente Cristina aparentemente cai num calculado e fingido pranto interminável, telefonando a toda a gente descrevendo-me como uma besta insensível, distribuindo pérolas como “Já nem dá para falar com ele. Estávamos só os dois a falar….. Eu assim não sei se aguento mais…

Cristina está a executar o crime perfeito: Quer acabar com a nossa relação, mas atribuir-me as culpas por inteiro! E pior, pois sabe que eu sei o que ela está a fazer.

Mas afinal porque é que ela não diz simplesmente “Já não quero mais, por mim acabou. Já não te amo!”?

Sou um optimista. Claro que todas as relações sofem algum desgaste, mas para mim quase todas têm conserto. Agora esta já não tem, pois acabou um dos itens fundamentais: o Respeito. E isso acaba com o Amor….

Mas não paro de pensar no mesmo. Porque é que a Cristina tem de nos arrastar para uma situação destas?

Porque temos de desgastar a relação até ao limite, desgastar-se a ela própria, a mim, as nossas famílias, amigos e colegas de trabalho?
(continua)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Acabou!


A mulher dos meus sonhos, a Tal, e com quem (tão tardiamente) fiz tantos planos para a vida, diz-me, num repente….
- Acabou!
E foi só. Ali ficou, a olhar para mim.
Não apontou razões nem prolongou o discurso. Não era preciso. Senti que tinha decidido e comunicado. E foi só.
Não discuti, não argumentei, não reclamei. Escutei-a e fiquei imóvel. Nem olhei para ela.
Entrei em transe, instantaneamente. Entrei no passado e no futuro ao mesmo tempo.
Senti-me transportado ao passado, recordando imagens e sentimentos de quando nos conhecemos, nos amámos, nos juntámos como um só….
E vi-me no futuro. Sem ela. E era uma sensação horrivel, pesada, demasiado cruel.
A minha expressão não mudou. Não disse nada. Só imaginava o meu futuro. Sem ela.
E foi aí que as lágrimas irromperam. Caíam como grossas gotas de chuva. Mas eu não as senti excepto quando me começaram a molhar as mãos, que prostradas, ali estavam….
Só pensava no meu futuro. Sem ela.
Pela primeira vez desde que falou, olhei para ela, pois num ténue vislumbre, reparei que tinha mudado subtilmente a sua expressão.
Os olhos dela sorriam.
E vi que os olhos dela sorriram um pouco mais ao ler os meus sentimentos.
E as minhas lágrimas continuavam a cair.
Pensamentos difusos e confusos percorriam velozmente a minha cabeça. Estará ela a gozar com o meu sofrimento? Será ela uma pessoa má, afinal?
O seu sorriso a despontar nos cantos dos lábios fez-me desconfiar, mas não ousei assumir que aquilo tudo estava a ser uma brincadeira.
Mas, e se não fosse? E se estivesse a perceber mal? Não podia arriscar.
Percebendo o que se passava, e já com um sorriso mais largo, ela disse:
- Amor, não acabou nada. Nunca vai acabar. Tu sabes que és o homem da minha vida.
- O quê? Questionei sem convicção, só para ela dizer algo mais. Só para ter a certeza absoluta de tudo o que tinha acabado de acontecer.
- É que eu queria saber mesmo o que sentias por mim. E agora tenho a certeza.
Confesso que fiquei alguns minutos a decidir se a beijava ou se a estrafegava, se gritava ou se ficava calado, se ficava ou se me ia embora…..
Abracei-a.
- Amo-te, mulher da minha vida.
- Também te amo, meu homem.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O Nevoeiro


De vez em quando sinto-me envolvido numa grande neblina, que tudo cobre, tudo envolve, não me deixando nada ver para além de um palmo à frente do nariz. E por mais que lhe tente fugir, ela estará sempre por cima de mim. Como um urubu!
Dado que não tenho nenhum farol que me alumie ou que emita sinais sonoros, avisando-me de iminente colisão ou encalhamento, nestas ocasiões não me resta senão viver de acordo com os marinheiros, ou seja, parado, aguardando que as nuvens baixas se dissipem para poder seguir a minha viagem.
Ao longo dos anos tenho aprendido que há sempre uma razão para tudo, há sempre um motivo para que determinada situação se nos depare na vida, mesmo que não desconfiemos qual é. Pelo menos nesse momento. E o nevoeiro não é excepção.
Tenho constatado que mesmo o que parece muito negativo normalmente tem um lado positivo. E não em raras ocasiões em que me deparei com situações desesperantes, e descobri que mais não eram que portas para momentos de paz e, por incrível que pareça, de felicidade.
Assim, e nessa perspectiva de haver um lado positivo no que surge como negativo, o nevoeiro traz-me, por exemplo, a vantagem de impedir que esteja demasiado exposto, escondendo-me do escrutínio público, e de estar permanentemente disponível.
É que se há alturas em que não me importo nada de estar sob os holofotes, outras há que necessito de recolhimento, de introspecção, de maior intimidade. Ciclicamente preciso de pensar na vida, no passado e principalmente no futuro, e no que realmente quero.

O nevoeiro traz-me de volta a mim mesmo….

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Lurdes

Contrariamente à maioria das pessoas, eu sempre acreditei que entre dois desconhecidos que acabam de estabelecer contacto, as primeiras impressões de pouco ou nada valem, pois nos subsequentes encontros cada um deles se encarregaria de mostrar do que realmente é feito.
Tinha essa ideia porque uma das minhas maiores amigas afirmou que me detestou na primeira vez que me pôs a vista em cima. Para minha defesa, refiro que nessa ocasião eu estava completamente engripado, rabugento, ranhoso. Verdadeiramente improprio para consumo. E consegui alterar essa primeira impressão altamente negativa nos meses seguintes.
Mas entretanto passei a acreditar que as primeiras impressões valem mesmo muito, e do seu sucesso ou insucesso resultará a hipótese de haver - ou não - uma segunda oportunidade de conhecer (melhor) a outra pessoa, e também de nos darmos a conhecer.
Esta mudança ocorreu com a Lurdes (nome fictício). Nós conhecemo-nos por intermédio de um grande amigo em comum, o Filipe (outro nome fictício) há mais de uma década. O nosso encontro foi rápido, muito formal e por isso deveras estranho. Pensem numa apresentação estúpida e ficam com a ideia.
Consequentemente, nenhum dos dois manifestou vontade nenhuma de voltar a ver o outro. Não pensem que fomos antipáticos, pois não foi isso que aconteceu. Foi como encaixar peças da Lego nas da Playmobil. Simplesmente não dava.
A Lurdes ficou com o meu número de telefone, cortesia do nosso amigo comum, acompanhado da tradicional frase: “se precisares de alguma coisa, liga a este meu amigo”. Claro que isso nunca aconteceu, e nunca iria mesmo acontecer, fosse qual fosse a situação. Acho que ela preferiria ligar ao próprio Demo do que a mim!
Eu não fui “premiado” com o número de telefone da Lurdes, mas mesmo que o tivesse, decerto que também a iria ignorar.
Um dia, e quase sem darmos por isso, “amigamo-nos” no Facebook. Não me lembro sequer de lhe ter pedido amizade, e a Lurdes disse-me que pelo lado dela nunca iria tomar essa iniciativa. Naquela altura ela queria mesmo era que eu estivesse sossegado no meu cantinho, bem longe dela.
Apesar de sermos “amigos” no Facebook, o sentimento da primeira impressão mantinha-se entre nós dois quase intocado. Na realidade, porém, a indiferença existente afinal poderia não ser tão grande como julgávamos….
Eu continuava a demonstrar ao Filipe que a minha curiosidade em relação à Lurdes era mínima, limitando-me a perguntar “então como está a tua amiga?”, num tom de voz mais de cortesia do que por interesse. Ficava deste modo a saber algumas coisitas sobre ela, mas bem poucas.
Mal sabia eu que pelo seu lado a Lurdes fazia o mesmo. Perguntava por mim ao Filipe com alguma frequência, e sabendo dos meus feitos, conquistas e derrotas.
Com o passar do tempo desapareceu a má primeira impressão, e a minha curiosidade em relação à Lurdes aumentou muito, muito ajudado pelas referências cada vez mais elogiosas por parte do Filipe, às suas grandes qualidades.
Espaçadamente ia “visitá-la” ao site do Mark Zuckerberg, apenas para verificar que ela é como eu, não mostrando quase nada nas redes sociais sobre a sua vida privada. Só fez aumentar mais a minha curiosidade sobre essa “personagem”.
Sem querer levantar suspeitas sobre este meu crescente interesse, comecei a insistir junto do Filipe para “combinarmos alguma coisa”, ao que ele me respondia que sim, claro, mas agora não, depois disto e daquilo, e tal e treta. E eu nada…. Que empata, este Filipe!
Mas de uma forma estranha, sempre acreditei que esta situação se ia alterar, que as objecções e desculpas iriam terminar um dia, e que com paciência e perseverança, o destino acabaria por prevalecer.
Agora para nós dois o que vale são as segundas impressões. E confesso que estas valem ouro!
Por vezes ponho-me a pensar no que a minha vida teria sido se estivesse mais preparado, focado ou sintonizado com algumas das muitas pessoas que conheci ao longo dos anos.
Basta pensar como teria sido diferente a minha vida se tivesse mostrado quem verdadeiramente sou, na primeira vez que conheci a Lurdes…..