quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Pilha-Galinhas 3 - O Gato Pilha-Galinhas

Depois daqueles episódios ficámos conhecidas no nosso pedregoso vilarejo como “as manas cornudas!”
Garanto que não é nada agradável ser uma dessas irmãs, mas sei que podia ser algo ainda pior. Existem sempre situações piores, mesmo que estejamos no fundo do poço.
Sabia perfeitamente que o falatório e a risota não iriam diminuir nas semanas mais próximas, isso era mais que sabido, e restava-nos agora aguentar ou desistir. E tanto eu como a Berta decidimos resistir, pelo menos por mais um tempo.
Confesso que ainda me custa compreender como isto nos aconteceu, mas o facto é que nos aconteceu, e logo às duas. Maldição? Talvez, mas prefiro nem pensar nisso.
Caramba, por merecimento não foi decerto, pois tanto eu como a Berta nos empenhámos nos respectivos relacionamentos. Na verdade, tenho uma suspeita que só nos aconteceu por isso mesmo: porque nos empenhámos demais.
Sem generalizar, verifiquei ao longo dos anos que as mulheres menos ansiosas e que mostram inclusive um certo desinteresse em relação aos maridos, são aquelas que têm uma união mais estável, e mantêm os respectivos cônjuges na linha!
Claro que esta postura tem de estar dentro de certos limites, não sendo negligenciados, por exemplo, os deveres do casamento, caso contrário esse desinteresse levará à rotura, mais cedo ou mais tarde.
Contrariamente, aquelas que estão demasiado atentas à satisfação das mais pequenas necessidades dos cônjuges, são as que, a prazo, ficarão como eu e a minha irmã.
Será que os homens são como os gatos, que não se interessam por um rato cativo, preferindo ir atrás de um rato que lhes foge, nem que seja pelo prazer da caça.
Semanas após os acontecimentos relatados, o falatório na mercearia da Vicência mudou de tema, para minha grande satisfação. Estavam a desaparecer galinhas nos galinheiros da nossa aldeia.
Todos apontavam teorias, que incluíam raposas, lobos, espíritos maus e até espanhóis, porque diziam que o preço dos ovos em Espanha estava bastante alto, daí a ladroagem.
Outros diziam ainda que os culpados eram os habitantes da aldeia vizinha. Típico. Para nós, os da aldeia vizinha são sempre os culpados por tudo o que de mal acontece no nosso burgo. E eles, pelo seu lado, dizem o mesmo de nós. E andamos assim desde o século XIII, mais coisa menos coisa. E vai continuar.
Não liguei a nada do que andavam a dizer principalmente porque as minhas galinhas estavam no seu devido lugar, e acreditei mesmo que ficasse imune à crise dos roubos das galinhas.
Assim, um dia, e tal como veio, desapareceu o falatório acerca desse assunto. Depreendi que deixaram de faltar galinhas nos galinheiros. E esqueci o assunto, ainda por cima porque entretanto arranjei um feroz e valente cão.
A Berta andava atarefada a deitar coisas fora e a arejar a casa. Livrar-se dos cheiros, das recordações e hábitos é uma excelente purga. Lembro-me de ter feito o mesmo e de como me senti bem. Dizem que quando aparece essa vontade, a libertação está próxima.
Mas numa qualquer noite escura ouço uma agitação nas traseiras da minha casa, e sobressalto-me. O cão ladrou mas apenas uma ou duas vezes, tendo sossegado logo a seguir. Desconfiada por natureza, fico à “coca”.
De repente, vejo um vulto a correr pelo meu quintal. Procuro com a vista o meu cão, já a prever um violento ataque. Mas para minha grande surpresa, vejo-o a namorar, todo contente e feliz, uma robusta cadela. “- Até tu, cão, te deixaste engrupir pelo mais velho truque do mundo?” Estava pasmada.
Abro a porta das traseiras com uma sapatada e aponto a carabina. E eis que a “dócil” cadela mostrou que estava bem treinada para uma situação dessas, e imediatamente larga o “namoro” com o tanso do meu cão e tenta abocanhar o meu braço, impedindo-me de mirar.
O meu cão ficou surpreendido com a ferocidade da “bicha” - será que o parvo julgava que a cadela estava porventura perdida de amores por ele? – E começou a correr em direcção ao “pilha-galinhas”.
Foi a maior confusão! Dei um safanão à cadela e elevei a arma, mirei e disparei. Ouvi um grito seco e surdo, e o “pilha-galinhas” aterrou!
Silêncio absoluto. “- Matei o cabrão e agora estou feita”, pensei. “- E por uma merda de umas galinhas”. Tinha-me armado em forte e corajosa, mas depois de ver o triste resultado, arrependi-me imediatamente.
Perdida nesses pensamentos, e apesar dos ganidos dos cães, consegui ouvir uns ténues gemidos, vindos do local onde, pensava eu, “jazia” morto o ladrão.
Aproximo-me, já não de arma engatilhada na mão, mas quase a suplicar que ele não estivesse muito ferido. Parecia estar, pois o sangue era mais que muito,e  eu tinha de fazer alguma coisa!
Assim, o sossego do nosso vilarejo foi quebrado com as sirenes da ambulância do INEM. E toda a gente ficou a saber da história. E claro está que até a GNR apareceu. Mas em vez de enviarem soldados daqueles para “lavar a vista”, enviaram dois sem graça nenhuma.
O “pilha-galinhas” era um homem novo, mas confesso que nem lhe vi bem a cara. Como pelo menos os gemidos soavam em português, lá se foi por água abaixo a teoria dos assaltantes espanhóis. Era apenas um espertalhão que andava a utilizar uma cadela para distrair os cães.
Garanto-vos que nunca mais olhei para o meu cão com os mesmos olhos. No fundo é tão parvo como boa parte dos homens. Basta verem um “rabo de saias” e saem logo disparados a abanar o rabo. Melhor amigo do homem o caraças. Pelo menos da mulher não é de certeza!
Na manhã seguinte enchi-me de coragem e resolvi fazer duas coisas: ir ao posto da GNR e depois visitar o “pilha-galinhas” ao hospital.
No posto da GNR declarei que não iria apresentar queixa do assaltante, mas o meu propósito real era saber se iria ter problemas por ter atingido o ladrão com uma arma de fogo. Após a explicação saí de lá ainda menos descansada!
No hospital vi que o meu “amigo do alheio” estava num quarto com um GNR a guarda-lhe a porta. Quando lhe expliquei ao que vinha, o soldado julgou que eu queria era vingar-me e não me deixou entrar, de jeito nenhum.
Eu já tinha visto uma cena parecida num qualquer filme romântico lamechas, do qual nem me lembro nem do seu nome nem dos protagonistas, e nesse filme deixaram a rapariga entrar. E foi muito romântico. Mas este GNR não tinha visto esse filme. Só deve ter visto filmes do “Rambo” ou parecidos.
Dado que não podia falar com ele, tentei saber mais acerca desse tal “pilha-galinhas” e assim, determinada, dirigi-me à secretaria do hospital, disposta a contar uma historieta qualquer a quem me surgisse pela frente.
Apesar de ter sido atendida pela irmã de uma amiga minha, esta só me disse que o "malandro" morava na aldeia vizinha. Compreendi a posição dela. Afinal, eu tinha disparado contra ele. 
Confesso que fiquei ainda mais curiosa em conhecê-lo. Não sabia é que havia de realizar esse desejo tão cedo.....

(continua)

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