quinta-feira, 22 de junho de 2017

Ciúmes (1 de 2)


- A sério, Teresa? Estás a ter uma cena de ciúmes aqui e agora? Mesmo no meio da minha Videoconferência? A sério? A SÉRIO?
E aí começou a confusão. E garanto-vos, da grossa.
É que por qualquer estranha e desconhecida razão, ela levou a mal a minha mais que justa e legítima, reacção de indignação!
E não permitiu que a “sua” cena de ciúmes terminasse ali. Pelo contrário, ainda piorou mais.
A única coisa que terminou naquele momento foi mesmo a Videoconferência! Pelo menos nos moldes que estava até aí a decorrer.
Claro que os oradores e os participantes não perderam a oportunidade de verem verdadeira acção, e ficaram, desta vez, verdadeiramente interessados, e sem perderem pitada, assistiam à nossa feroz desavença.
Confesso que sabia que a minha credibilidade profissional andava nas ruas da amargura, e que esta era uma das minhas últimas oportunidades de me redimir perante os meus pares.
Sinceramente não imaginava que este evento me ia tornar tão famoso. E fiquei. Mas preferia não ter ficado tão conhecido.
No fundo foi um episódio mesmo muito engraçado, excepto para mim. E desejo a todo o custo ainda poder rir-me dele. Mas ainda não consigo.
É que ainda me recordo dele como um dos piores momentos da minha vida.
Quando aquela cena acabou, pensei em escrever ao Guterres para ele inserir uma cláusula, uma adenda, uma coisa qualquer contra o Ciúme.
Já que se a ONU emite recomendações e resoluções sobre tudo e sobre todos, será que não consegue arranjar um tempinho para se debruçar sobre este flagelo universal?
E que tal incluírem o artigo 31º na Declaração Fundamental dos Direitos do Homem, relativo aos malefícios do ciúme? Há lá pontos bem menos importantes do que este.
Vá lá Guterres, não custa nada. Seria muito importante para a Humanidade e tu ganhavas uns votos para a reeleição.
Na minha humilde (mas fundamentada) opinião, os ciúmes deveriam constar na Constituição da República Portuguesa, com a pena de prisão perpétua para quem cometesse tal vilania, e só porque sou contra a pena de morte.
Os ciúmes deveriam ter lugar e hora marcada, e não para serem usados quando dá mais jeito a uma das partes. Não deveria ser como agora, ou seja, uma total bandalheira.
Bandalheira. Só essa palavra me transporta para esse fatídico dia….
Recordo que quase sem recursos (inclusive de tempo), mas apenas com muito esforço e dedicação, consegui colocar de pé esse evento.
E este era tão importante para mim, pois se decorresse bem iria-me permitir recuperar a minha tão abalada credibilidade profissional. E isso era fundamental.
A escolha dos oradores para a videoconferência foi muito criteriosa, com um mix entre nomes sonantes e aspirantes cheios de energia e boas ideias.
Os convites para os oradores foram enviados com a devida antecedência, servida com a necessária dose de charme. E as figuras mais sonantes aceitaram logo. Considerei um excelente prenúncio.
Dada a qualidade dos oradores, do interesse do tema e ao facto da sessão ser gratuita, começaram a chover inúmeros pedidos de inscrição. A divulgação nestes casos é mesmo desnecessária. Senti-me importante.
Assim, rapidamente foi atingido o número limite de inscrições, e comecei a responder aos retardatários, num tom pesaroso, informando que desta vez não podiam participar.
Na minha cabeça já estava a pensar como iria divulgar ufanamente na net que o evento estava esgotado, mas que poderiam acedê-lo online logo após o seu término.
E inclusive comecei a pensar em mais altos voos, como o de alugar auditórios, acomodando um público mais vasto, mantendo a videoconferência.
A vida corria-me (mais ou menos) bem a nível emocional. E esperava que a nível profissional esta melhorasse bastante após este evento.
Estou com a Teresa há uns seis anos, e considero-a a “mulher da minha vida”. Mas nem todas as mulheres que passaram pela minha vida o foram.
Eu acredito que cada um de nós pode ter mais que uma “mulher da minha vida”.
Em relação à Teresa não sei se sou o “homem da sua vida”, ou mesmo se ela já teve algum. É que simplesmente nunca se referiu a esse tema. Mas desconfio que não sou.
Para mim só há dois tipos de parceiras (confesso que não gosto especialmente da designação, mas há falta de melhor, uso-o): as que são “as mulheres da minha vida” e as que não o são.
O problema é se as hierarquizarmos perante alguma delas. E foi o que eu fiz, perante a Teresa, e ela auto classificou-se em 4º lugar. Eu sempre disse que não, que estava no pódio, mas no fundo concordo com ela. Está em 4º lugar.
A Teresa é uma mulher linda, vistosa, de fazer parar literalmente o trafego automóvel, especialmente se ela se disfarçasse de polícia de transito!
Já eu não me considero atraente. Quando quero talvez seja um pouco sexy, ou talvez seja apenas um pouco diferente. Sei lá. Não gosto de me classificar.
Quando a Teresa mostrou que gostava de mim, imediatamente comecei a gostar dela. Assim mesmo como leram! Comecei a gostar dela, e muito. E começamos desde logo a namorar.
Mas eu tinha começado com o pé esquerdo. Já tinha “metido a pata na poça até ao pescoço”!
É que eu, asno assumido e confesso, quando nos conhecemos e para a manter interessar pelas minhas histórias, comecei a contar-lhe tudo sobre as minhas ex, sobre as minhas conquistas e conquistadas.

E com todos os pormenores!
A Teresa tornou-se uma ouvinte muito atenta, e eu lá fui contando, com mais ou menos fantasias, o que tinha feito e o que queria fazer. E com quem!
Porque o fiz? Simples, porque eu não sei estar calado. Gostava da companhia dela e sabia que ia ficar interessada se lhe contasse esses assuntos. No fundo, toda a gente gosta, especialmente se bem apimentados.
Quando a conheci não tinha ideia nenhuma de que haveríamos de ser um casal. Se eu sequer imaginasse que poderia haver a mínima hipótese para nós, não me teria comportado dessa maneira.
Porém, tenho a noção de que se não lhe tivesse contado as minhas conquistas, a Teresa poderia nunca se ter interessado por mim. Mas isso jamais saberei.
Claro que me arrependo desse “feito”, todos os dias desde que estamos juntos. É que ela sabe tudo sobre mim, sobre o meu passado, sobre o que penso, sobre o que gosto. No fundo, sabe demasiado sobre mim.
Apesar de saber que ela não tem a mínima confiança em mim, devia saber que eu jamais a traí, nem em pensamentos (pronto, agora exagerei um bocado)!
Pesquisando sobre o mal dos ciúmes, verifiquei que há autores que os definem, classificam e enumeram.
Gostei da lista que vi num sítio da internet, em que o autor dividiu o ciúme em seis tipos: inocente, saudável, romântico, sexual, emocional e obsessivo.
Claro que me calhou uma ciumenta de teor obsessiva! É que nem podia ser outra.
Ela reage a toda e qualquer situação que considere menos clara, relacionada com outras mulheres, com uma brutal violência psicológica e verbal, e por vezes física.
Quando lhe dão as “crises”, vou logo acalmá-la, assegurando-lhe que nada fiz, desmontando toda a situação, explicando-lhe tudo ao pormenor para que não lhe restem dúvidas.
Mas acalmar uma pessoa em estado de histeria é uma tarefa no mínimo difícil, se não mesmo impossível.
Mas as crises de ciúmes da Teresa dão-lhe forte mas passam depressa, e no fundo quem se trama sou eu, pois desgasto-me profundamente.
Assim, e pelo meu desgaste, cada vez com mais frequência não intervenho. Pura e simplesmente deixo-a falar, gritar e atirar coisas.
Ao constatar esta forma de proceder, a Teresa passou a achar que quando vou ter com ela acalmá-la é porque há forte razões para ter ciúmes, numa clara assunção de culpa.
Ao contrário, ao ver-me alheado da situação, considera que afinal não tinha razões para ter ciúmes. E por isso calava-se mais rapidamente.
A Teresa mudou rapidamente de estratégia porque reparou que eu estava a alhear-me sempre. Claro que esse meu novo posicionamento estava relacionado com o facto de a ter compreendido, e também por andar mais que farto de a tentar acalmar.
As suas brutais reacções continuavam muito frequentes, motivadas quase sempre por coisas banais, como um atraso de meia-hora no enviar da mensagem diária a dizer “Amo-te muito”.
Assim, o procedimento da Teresa era enviar uma mensagem a afirmar que o meu procedimento indesculpável estava decerto relacionado com o facto de “deves estar muito ocupado a beijar aquela gaja do gabinete do lado”, e outros mimos com que me brindava.
Eu amo-a, mas mesmo assim, sinto que tenho de fazer algo. Por mim.


(continua)

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