segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O 150º POST

Hoje pretendo partilhar convosco algo diferente. Não vou escrever sobre um tema ou sobre uma personagem. Antes quero partilhar convosco um marco importante para mim: a publicação do 150ª Post no xabiverde.blogspot.pt!
Para mim, escrever é fácil e agradável, pois é um exercício de libertação. Deixo apenas fluir livremente a palavra e a ideia, e é a própria alma que se solta das angústias, desesperanças, medos, ódios, paixões e sonhos.
Questionam-me se sinto tudo o que escrevo, e a resposta é: por vezes. Dias há em que todo o meu ser está na palavra, e esta precisa de sair, sob risco de intoxicar tudo o resto.
Outras vezes há em que temo encarnar demasiado outros, tal o sentido de dever que tenho de contar as suas histórias, recheadas de fortes sentimentos e de personalidade. Ainda me lembro a alegria que senti ao contar as histórias do Zé do Tuk-Tuk ou do Mongas, o Submisso.
Assim, e depois de ter escrito 149 posts desde 2014, tendo resultado em mais de 53.000 visualizações lidas lá pelos 4 cantinhos do mundo (confesso que relativamente a esse ponto fiquei bastante surpreendido), e de ter (re)começado a desenhar rabiscos para acompanhar os textos, cheguei a uma encruzilhada criativa.
Obviamente poderia continuar na mesma linha, mas achei seria mais do mesmo, uma não inovação e de redescoberta. Achei que com estas marcas, uma mudança impunha-se.
Comecei com textos de meia dúzia de linhas, abordando com ligeireza temas e pensamentos. Aos poucos introduzi-lhe personagens. Estes textos ficaram um pouco mais extensos, alguns até com pequenos capítulos. E assim continuei, ganhando experiência, esperando por este momento.
E agora, com o 150º post, pretendo marcar uma viragem, e escrever um ContoE conto, claro, com todos vocês.

Assim, até breve. E boas leituras.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Eu, Platão e o Amor

Segundo Platão, o Amor é uma grave doença mental. Esse brilhante filósofo ateniense é autor de mais frases sobre o tema, mas nenhuma foi tão caustica.
Mas afinal porque é que uma das maiores mentes de sempre, tão brilhante, racional e avançada, pode considerar o Amor uma grave doença mental? Que forte razão teria ele para proferir uma tão afirmação destas?
Mais estranho ainda é constatar que, mesmo depois de tão brilhante pensador ter proferido a “Morte” ao Amor Romântico, todos continuaram a querer ficar com tal doença mental.
Mas será que ensandeceram de vez? Será que gostam de ser masoquistas? Não gostam de si próprios? O Amor valerá assim tanto para que se arrisquem a ficar tontinhos de todo, e para sempre?
Acho que Platão tinha toda a razão! De que serve o Amor, afinal? Come-se? Bebe-se? Livra-nos do frio? Defende-nos das doenças? É fundamental para a nossa reprodução como espécie? Não, pois não?
O Amor (aparentemente) não tem lógica nenhuma e por isso não serve para mais nada a não ser ficar definitivamente maluco, especialmente quando as relações amorosas correm mal. E aí tudo se tende a agravar ainda mais!
Só podem sofrer de uma grave doença mental aqueles que saem de uma relação frustrada para entrarem de cabeça numa outra, a maioria das vezes ainda pior.
Sejamos realistas. O Amor só serve para que comerciantes pouco escrupulosos possam ganhar uns cobres valentes no dia dos Namorados! E para mais nada. É apenas um mito e uma falácia!
Eu cá vou seguir o conselho de Platão e deixar o Amor de lado. E já e definitivamente. Para o meu próprio bem e de todos vocês que comigo privam.
Adeus Amor. Até nunca mais!

Nota da Editora: Este blogue irá ser interrompido por uns tempos devido ao espancamento sofrido pelo autor, alegadamente pela sua namorada, após ele lhe ter lido o conteúdo deste texto.
O autor ainda terá dito (antes de levar com uma panela na cabeça) “Amor, mas afinal tu estás com uma grave doença mental!, caindo depois inanimado no chão, com um estúpido sorriso na face).

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Na Corda Bamba

O significado de corda bamba é, entre outros, “situação instável” ou “difícil de controlar”. E é mesmo assim que me sinto!
Não sou nem nunca fui artista de circo. Nunca me vi a equilibrar-me num fio ou arame, e muito menos com aquela vara comprida nas mãos, como os equilibristas a sério.
Mas sinto-me numa corda bamba e sem nenhuma rede por baixo. Portanto, numa situação instável e difícil de controlar.
Mas passemos aos factos, pois só assim vocês me compreenderão. Ou não….
Tenho orgulho em afirmar que amo a minha cara-metade de uma maneira profunda. À séria mesmo, como dizem.
Mas, se gosto tanto dela, porque se sinto numa corda bamba? Falta de confiança na relação não é. Falta de sentimento também não. E ausência de objectivos comuns ainda menos.
Quando não havia amor na minha vida, sentia que tudo estava correcto e nos seus devidos lugares. Não havia lugar a dúvidas e as certezas eram a nota dominante. Orgulhava-me de ter os pés bem assentes no chão!
Mas quando surgiu o amor, e em quantidade suficiente para encher um camião TIR ou mesmo o MEO Arena, as certezas desvaneceram-se, como por milagre.
Paradoxalmente, é quando brota do meu coração amor suficiente até para enfrentar um touro bravo em pleno no Campo Pequeno, é quando sinto estar numa corda bamba.
Quanto mais amo, mais frágil o sinto!
O Amor é um sentimento precioso e mimoso, e mesmo crescendo, aos meus olhos está cada vez mais carente e frágil, a precisar de atenção constante.
E apesar de desejar ter uma relação cada vez mais forte e sólida, quero ainda mais ter um amor frágil. Para o proteger e acarinhar cada vez mais.
Assim, ao olharem para cima podem-me ver, na corda bamba, sem vara nem rede.
Mas Feliz!

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Uma Carta

Amor, escrevo-te esta Carta por diversas e diferentes razões. Sei bem que não é a mesma coisa estar a transmitir as mesmas palavras, olhando para os teus olhos, mas, dadas as circunstâncias, não me resta outra opção.
O nosso início de relação foi, para ambos, como um lento despertar, uma imensa espreguiçadela de duas pessoas que, estando muito bem sozinhas, começaram a aperceber-se que essa não era a única via, a derradeira solução.
E quando essas duas pessoas, autónomas e desembaraçadas, felizes das suas vidas, se encontraram numa esquina da vida e descobriram, com espanto, que estão melhor uma com a outra, só têm duas hipóteses, ou ficam juntas ou ficam juntas!
E o Amor é lindo quando surge, e mais ainda quando desabrocha. Parece que não há limites para o seu crescimento, qual Big Bang que, de uma centelha explosiva tornou o Universo infinito. E era mesmo essa a sensação. O nosso Amor era infinito.
Mas pessoas houve, daquelas que gravitavam à tua volta como cometas errantes, que não desistiram tão facilmente de ti. E mesmo sabendo que te consideravas minha, não descansei jamais.
Tu eras o Sol e eu a Lua, e juntos reinávamos sob a luz e as trevas. E não havia hora do dia que um de nós não estivesse no firmamento. Mas isso para mim já não era suficiente.
As trevas adensaram-se na minha Alma, vindas das profundezas do meu passado, e os vírus do ciúme e da desconfiança alastraram, e chegou a altura que até as tuas juras de Amor já só sabiam a fel, e não a mel.
Mesmo sabendo que me eras fiel desconfiei. E nesse momento vimos claramente que as Sombras se adensavam e tornaram-se maiores que a Luz, tapando o céu azul que sempre nos cobriu, e soubemos, com tristeza que algo tinha de ser feito.
Sempre me disseste, que Amar é Confiar, mas mesmo assim, sei que Amei e continuo a Amar, mas não confiei. Como a fábula do escorpião e do sapo, mesmo sabendo que ambos morreríamos, feri-te de morte.
Mas agora sei que não era de ti, mas sim das Trevas, da própria Sombra, do Passado que desconfiava. E sei também como sou e não mudo, nem mudarei. Mas mesmo assim sei que te Amei. E Amo.
(Até) Sempre

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Relações no Século XXI (2 de 2)

Assim, e sem ler nem escrever, ali estava eu a falar com a Sandra. Ou melhor, falava ela e eu só dizia que sim com a cabeça, pois o som estava tão alto que só lhe via os lábios a mexer. E que lábios, senhoras e senhoras. Encheram logo ali o meu imaginário de sensualidade. Eu já estava de quatro por ela.
Não imaginava nada do que ela falava, pois eu só via aqueles lábios a mexerem e aqueles lábios mexiam comigo. E comecei logo a vê-la com outros olhos, a imaginá-la na minha vida, e a assumir cada vez maior importância.
Eu continuava a dizer que sim com a cabeça, como se fosse um boneco de mola, pois já estava noutra dimensão, apaixonado, mesmo sem lhe ter ouvido a voz. E se a minha cabeça dizia que sim, a minha alma, também.
Sim, eu sei. Agora sei. Sou “parvo até à quinta casa” e mais além, se fosse possível. Mas se isso era pouco, devo acrescentar ainda mais pormenores a esta história, que agora me parece surreal.
Na única ocasião que tive pedi-lhe o número de telemóvel. Mas ela fez melhor pois apenas pediu o meu (não deu o número dela, mas isso nem sequer notei). E. levitando, pedi-lhe o cartão do bar e paguei-lhe a despesa. Isto estava a evoluir bem, na perspectiva dos dois.
Claro que a Sandra não me ligou nos dias seguintes, mas eu não perdi a esperança. Assim, o meu elo de contacto para com a Susana passou a ser a sua amiga, Graça, e passei a ser ainda mais amigo do meu amigo P., pois sem ele passaria a estar perdido no mundo, pois nunca mais encontraria a Sandra.
E como fiquei animado quando soube que o P e a Graça se iam encontrar, no mesmo bar, e que ela ia levar a Sandra e o P me ia levar. Parecia que eles iam levar os cachorros a passear, mas eu não me importei. Não me importei mesmo nada.
Nessa altura, como bom cachorrinho, já tinha “fuçado” o Face do P à procura da Graça e o da Graça à procura da Sandra. Bem podia procurar, pois, soube depois, a Sandra tinha posto o seu segundo nome e com uma fotografia de quando era criança. Não achei estranho.
Claro que não se acha estranho a nada quando se é tão burro como eu. Essa noite foi fantástica, pois declarei o meu amor incondicional à Sandra, ao que ela me disse ao ouvido “Olha, não percebi nada do que disseste. Vou à casa de banho. Toma conta da minha bebida”.
Os nossos progressos como casal foram fantásticos. Após mais umas saídas a quatro, e enquanto o P e a Graça falavam no futuro, eu consegui que a Sandra me ligasse para o telemóvel para poder ficar com o número dela. E nem queria acreditar na minha sorte!
A partir daí, fomos os dois jantar fora inúmeras vezes. Ela recusava-se a ir a minha casa, e eu também nunca fui a casa dela. E nem sequer podia saber onde era. Achava eu que tínhamos começado a namorar, mas era um bocado estranho, pois perante os meus olhos e de quem nos visse, não havia nenhum indício disso.
Desde o início que me senti um bocadinho posto de parte, especialmente no mundo virtual, pois ela postava apenas fotos das suas saídas (sem mim, claro) no Facebook e no Instagram, especialmente com os seus amigos manhosos. De mim não havia o mínimo vestígio.
Quando falava com a Sandra acerca de nós, invariavelmente ela dizia que “Depois se vê, e agora deixa-me sossegada”, e voltava às mensagens e a rir-se sozinha. Mas eu estava cada vez mais caidinho por ela.
De repente, tudo mudou, pois a Sandra começou a ver-me com outros olhos porque os seus olhos viram-me com outra mulher. Era apenas a minha vizinha de baixo, que por acaso nos cruzámos na Av. de Roma, mas que para a Sandra passou a ser uma ameaça grave aos seus planos. Eu nem imaginava que ela tinha alguns....
A partir desse momento as coisas entre nós partiram para outro nível, e começámos a namorar mesmo a sério. Eu fiquei ainda mais entusiasmado, mesmo sem saber a razão de tamanha reviravolta. Só soube muito tempo depois, como é habitual na minha vida.
Se eu e a Sandra não tivemos nenhum futuro sério foi porque ela não quis. Ela dizia sempre que sabia que eu gostava muito dela, mas que ela não era mulher para casar e ter filhos, que gostava era de boa vida, de ter a sua liberdade, de sair sem dar satisfações a ninguém. Vocês sabem.
Devem estar a pensar “Coitado, tanto investimento passional para nada”. No fundo compreendi o que ela queria, e como gostava dela, fiz-lhe a vontade. Fiz-lhe mesmo todas as vontades. Até ao mínimo e ínfimo pormenor.
Bem, e rematando a história para não vos maçar mais, acabei por casar com a Graça e temos dois filhos, o Luís e a Filomena. E mais feliz não posso estar, pois tenho tudo o que sempre quis ter. Amor e estabilidade emocional.
Eu e o P continuamos a ser muito amigos, sendo ele visita muito assidua de minha casa, e inclusive é o padrinho do Luís. Nós escolhemo-lo por eles os dois serem muito parecidos fisicamente. Mesmo muito, e até me meter impressão. Estranhamente, a Graça não os acha nada parecidos.
E eu? Eu continuo a andar com a Sandra. E com a vizinha de baixo também, pelo menos até a Graça me desmascarar a sério e "pôr-me os patins", tal como fizeram todas as anteriores.
Ao contar-vos esta história fiquei seriamente desconfiado que é por eu ser assim que as mulheres da minha vida me deixaram sempre pendurado….

Estas mulheres são mesmo umas desgraçadas sem coração!!!

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Relações no Século XXI (1 de 2)

Se eu estivesse numa reunião estilo AA, levantava-me e diria “Boa noite, sou o Fernando e sou perito em relações falhadas”. E o grupo responderia “Boa noite Fernando”. E eu começaria a relatar a minha vida amorosa. E no fim, todos nós choraríamos.
Sim, sou um perito em relações falhadas. Posso mesmo dizer, sem qualquer ponta de orgulho, que sou um verdadeiro especialista mundial, com um curriculum recheado de experiências traumáticas.
Considero mesmo que já nasci com esse raro e precioso dom de escolher as piores mulheres para amar. Evidentemente que não as escolho por saber que são más ou vis. Muito antes pelo contrário, a meu ver são todas umas Santas!
A minha triste sina começou logo no jardim-de-infância, quando vi uma coleguita a sorrir para mim e instantaneamente ofereci-lhe o coração. Durante o tempo em que fomos inseparáveis sucedeu uma situação muito estranha.
As minhas chuchas, as minhas queridas Nuc, estavam a desaparecer a um ritmo alucinante, e eu não sabia como nem porquê. E os meus pais ameaçaram-me cortar o fornecimento desse produto de primeira necessidade.
Foi a partir desse dia que a Ansiedade me começou a dominar, e nunca mais me quis largar desde então. É a minha companheira inseparável, mais para o mal que para o bem, e que por vezes chama a sua irmã Desespero para, juntas, me azucrinarem a porca da vida!
Desabafava os desaparecimentos das chuchas à minha querida amiga Nuxa, que me ia dizendo que de certeza era o tal, ou a tal, ou mesmo a menina Rosa, a responsável da nossa sala, que mas andava a roubar. E eu sempre a acreditar nela.
Este estúpido que vos fala nunca desconfiou que era a minha querida Nuxa que as roubava, com total impunidade e descaramento, levando-as para o mercado negro existente nesse mesmo jardim-de-infância, que se chamava, ironicamente de “Chuchas e Companhia”!
Só muitos anos mais tarde é que a Nuxa me contou esse episódio, ainda por cima a rir. E aproveitou e acabou com a nossa relação porque a confrontei com umas supostas traições dela, relatadas pelo meu grande amigo Zé.
Claro que esse Zé apenas me confidenciou a traição da Nuxa com um tipo qualquer, porque ela o tinha trocado por outro, no fundo traindo a nós dois. Mesmo assim continuei a admirá-la por ela ser uma mulher muito dada. Mesmo muito dada.
Entre a Nuxa infantil e a Nuxa mulher sabida aconteceu-me um sem-fim de casos, paixões e paixonetas, de flirts e namoraditas, fossem grandes ou pequenas, branquinhas ou escurinhas, louras, morenas ou ruivas. Houve de tudo e se mais houvesse. Todas diferentes. Mas todas iguais.
A todas e a cada uma tratava como se fosse uma princesa, uma rainha, uma deusa que me punha a adorar. A todas coloquei no pedestal e a todas chamava “Amor”. E sentia-me feliz com todas e com cada uma.
E com todas e com cada uma sentia-me o homem mais feliz do mundo, atrevo-me a dizer. Dizia sempre para comigo “Esta é que é. Ainda bem que me livrei daquela outra”. Claro que não me tinha livrado de ninguém, pois tinha sido, mais uma vez, escorraçado!
Na verdade, todas elas me tinham dado com os pés, e a maioria com requintes de malvadez. Mas algumas tinham-me respeitado, pelo menos minimamente, talvez mais com pena do triste que sou, pois nem valia a pena fazer mais, não com medo de qualquer minha reacção brusca ou bruta.
Mas não vos quero maçar com as minhas muitas histórias, pois decerto que ultrapassaria as “Mil e uma noites”. Assim, só quero mesmo contar-vos a minha história com a Sandra.
Conheci a Sandra num bar na Av. 24 de Julho, em Lisboa. Bem, conhecer é força de expressão, pois eu limitei-me a estar lá, acompanhado por um amigo de longa data, o P, que com genes de engatatão, “sacou” a amiga da Sandra num ápice. E a esta veio de "brinde"....
(continua)

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Halloween 2017



Acordo num negrume tal que nem sabia ao certo se continuava desacordado ou se tinha despertado de vez. Não vislumbrava luz em lado nenhum.
O breu diante dos meus olhos era tão intenso que parecia mesmo que o podia agarrar com as mãos, se assim o quisesse.
Os meus olhos queriam saltar das órbitras, tentando captar a mais ténue luminosidade, mas esta teimava em não aparecer.
Em pânico, pus-me de pé, mas não me atrevi a dar um único passo, pois podia estar à beira de um precipício sem o saber.
As minhas mãos tacteavam o escuro, em busca de algo, mas com medo de tocarem em algo tenebroso ou nojento.
Muito a medo, movi um pé uns milímetros, mas acho que só o movi dentro do sapato. Depois é que consegui que a sola se movesse, mas muito pouco.
Abaixo-me lentamente para tocar no chão, mas sem me debruçar, para saber um pouco mais onde estou, e os meus dedos tocam ao de leve num chão seco e liso.
Atrevo-me a colocar um pé adiante do outro, e aguardo, como se esperasse que algum bicho me mordesse ou que um bando de aranhas subisse pelo meu corpo acima.
Aguardo e nada acontece, e ouso colocar o outro pé diante do outro, ao mesmo tempo que temo cair num buraco interminável.
Ouço ao longe um barulho que considerei temível, e sinto os pelos da minha nuca a eriçarem-se como se estivessem encantados. Senti que estava perdido.
Assoma-me à cabeça que mesmo que a fera que fez o barulho não me conseguisse ver, conseguiria cheirar-me.
E como eu devo cheirar, de medo e de mais alguma coisa que surgiu agora mesmo. É que não vos disse, mas a coragem não veio comigo ao nascer, e tarda em aparecer.
Senti vontade de correr mas os meus pés ficaram presas ao solo, como se os meus sapatos estivessem colados ao solo com Araldite.
Dou um passo mais afoito e bato logo com um joelho em algo, provocando-me uma dor lancinante, sentindo que a perna tinha ficado toda desfeita em bocados, estando o sangue a jorrar a rodos.
Fiquei com medo de tocar na perna, e apenas a tento levantar, sentindo a meia a ficar toda ensopada. Penso na fera e na sua excitação ao cheirar o meu sangue.
Sinto-me a desmaiar, a desfalecer, a morrer, e os meus últimos pensamentos vão directos para a minha mãe que, coitada nunca mais me verá.
Choro convulsivamente com pena da minha mãe, não de mim nem por mim, pois eu já me considero morto, e nunca ninguém saberá o que me aconteceu.
Nem penso como cheguei ali, a esta situação desesperada, ao negrume, à beira do abismo, com a perna desfeita. Tudo está perdido para mim.
Estou sentado no chão seco e liso, com as lágrimas a escorrerem pela cara abaixo, à espera que a fera me devore, que as aranhas me piquem, que a falta de sangue me mate.
Sento-me direito, como se a aproximação da Morte me desse uma dose de coragem e consequentemente, de última dignidade.
Levanto a cabeça, como se quisesse enfrentar a fera olhos nos olhos. As lágrimas secaram e os meus olhos ficaram de súbito cheios de raiva.
Elevo a voz, já não temendo nada, nem sequer a fera que me rondava – “Vem Morte. Vem, minha desgraçada sem coração. Quero ver-te com coragem para me levares!
De súbito ouço uma voz e uma luz.
Será que é Deus que já me vem buscar?”, penso, surpreendido.
Não era. Mas quase…..
- Gui, deixa-te de brincadeiras aí no quarto e vai levar o Benji à rua. E olha que já está a ficar tarde para jantar…..

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Bem-vinda de volta, Tristeza

Sinto agora a Tristeza, alegremente, a invadir a minha alma. Sinto-a a ocupar o lugar da Felicidade que, envergonhada pela sua derrota, se retira para parte incerta. E se retira, talvez, para nunca mais voltar.
Sinto agora que todos os meus esforços e sacrifícios foram em vão. Terá valido a pena ter deixado de dizer o que sentia? Terá valido a pena ter deixado de fazer o que queria?
Talvez sim, pois permitiu manter a réstia de Felicidade acesa por mais um dia, por mais uma hora, por mais um minuto. Talvez não, pois permitiu que a sombra da Tristeza assomasse mais um pouco, até cobrir todo o firmamento visível.
Mas afinal de que queixo? Eu, que sempre considerei a Felicidade um estado de alma passageira e etérea, que num momento está real, forte, sólida, e no outro é apenas um rasto de fumo esvoaçante, réstia do que foi instantes antes.
Sempre vi a Felicidade tão fugidia como uma gazela, que assoma à vida dos incautos apenas por uns breves momentos, e nada mais. E quem a considera sua apenas a vê escoar-se pelos dedos, como areia do mar.
Sempre vi a Tristeza tão permanente como a alma, que acompanha a vida dos serenos para sempre, e mais além. É um estado de alma que soa e ecoa como uma balada ao luar numa qualquer praia, acompanhada por umas quaisquer lágrimas fugidias.
Mas não me queixo. Recuso-me. Abraço com força a Tristeza, e dela não prescindo nem prescindirei nunca mais, pois ela é minha! Ela, que verdadeiramente nunca me abandonou, nem por um instante, pois eu é que me esqueci dela, abraçando outra, que agora me deixa….

Bem-vinda de volta, Tristeza

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Os Votos

Ao contrário da maioria dos casamentos realizados em Portugal, troquei Votos com a minha mulher. Agora é mais comum entre nós, resultado de inúmeras cenas de filmes norte-americanos, mas na altura era uma ideia (quase) original.
Já cansado do casamento sem este sequer se ter realizado, olhando para as contas a avolumar-se e sempre a questionar-me como esta ideia peregrina aconteceu, lá me decidi a terminar umas das muitas tarefas a que fui incumbido. Escrever os votos!
Claro que até esse momento a noiva já me tinha “torrado” a paciência com a porcaria dos votos, ao que eu respondia sempre com um sorriso nos lábios “estão quase quase, Amor”.
No meio de um vazio das ideias, resultado do cansaço daquela efervescência toda, resolvi escrever umas coisas quaisquer, sem pensar nas suas reais consequências. Apenas escrever. E “aquilo”, ao fim de dez minutos estava findo!
Depois de terminados, não mostrei os votos a ninguém. Pior, coloquei o raio do papel onde os escrevi num sítio qualquer e nunca mais me lembrei de semelhante coisa.
Mentira, lembrei-me sim, mas com absoluto terror, quando a noiva já estava na ala central da igreja. Mas como bom idiota que sou, conservei o sorriso.
A noiva notou logo que alguma coisa estava mal, e igualmente com um sorriso falso, questionou-me com os olhos se eu me tinha esquecido das alianças, ao que com um sorriso ainda mais falso lhe disse que não, que era outra coisa, mas sem importância.
Já não sei em que momento da cerimónia em que ambos tínhamos de sacar dos papéis (pois somos os dois fraquitos de memória e não dava para decorar) mas só um sacou. E foi aí que ela me lançou um olhar que me apunhalou três vezes, pelo menos. E garanto-vos que senti ali o meu sangue a escorrer…..
E ela pôs-se a ler o que tinha escrito, e eu só abanava a cabeça, em concordância, mas sinceramente não ouvi absolutamente nada, pois estava a tentar dizer aos neurónios que acordassem, que me tirassem daquela enrascada, e aqueles filhos de uma uva só se riam da minha aflitiva situação.
Vi pela expressão triunfante da noiva que ela estava quase a acabar, e se vocês a vissem naquele momento, reparavam logo que era uma expressão de gozo absoluto, como a dizer “e agora como te vais safar desta, meu parvalhão?”. E a minha aflição aumentou exponencialmente.
Estava eu quase a dizer algo parecido com “faço minhas as tuas palavras”, mesmo sabendo que iria o casamento terminar em divórcio logo ali no final do almoço, quando um dos meus neurónios mais conscientes me segredou “tenho aqui umas memórias vagas do que escreveste”.
Enchi o peito de ar, e resolvi retribuir o olhar à noiva, que intrigada julgou logo que ou a tinha enganado, para ela ler os votos dela primeiro, ou que eu os tinha decorado. Afinal nem era uma coisa nem outra.
E com o neurónio a segredar-me ao ouvido, fui dizendo algumas coisas que efectivamente tinha escrito, e eu estava a ficar mais serenado, os convidados iam ouvindo atentos, e o semblante da noiva estava a ficar desanuviado quando….
...o neurónio disse, …por último acho que escreveste - prometo nunca te mentir - mas estava escuro na sala e a tua letra é muito má, e por isso não tenho a certeza”.
Entrei em pânico. O meu cérebro quase explodiu de actividade, pois reconheceu que jamais noivo algum poderia ter escrito esse voto, mas tinha de terminar a minha intervenção e não tinha tempo para inventar nada.
E disse-o: “E prometo nunca te mentir”. A noiva fez uma expressão inicial de espanto legítimo, e depois de loba a olhar para um cordeiro. Vi logo que estava lixado, no mínimo. A minha cabeça latejava imenso, ameaçando explodir.
Foi aí que ouvi todos os convidados a rir à gargalhada. Olhei para eles, indignado, e eles riram ainda mais alto, pois se inicialmente julgaram que me tinha enganado, constataram que afinal eu estava a dizer um voto verdadeiro. Foi mesmo a loucura, pois até o padre se dobrou de tanto rir.
Acordo do meu sonho, ou melhor, do meu pesadelo, completamente suado. É recorrente desde há uns largos anos. E sempre me afecta muito, pois recria o que poderia ter sucedido....
Efectivamente a situação do papel dos votos esteve prestes a acontecer, mas o meu irmão ficou com o papel e entregou-mo na cerimónia. E, claro está, não havia lá nada escrito sobre nunca mentir à esposa....
Ainda deitado na cama, vejo a minha mulher a passar por mim no quarto, depois de sair do banho, e lanço-lhe um alegre “Bom dia Amor. Olho para ti e vejo-te ainda mais linda do que no dia em que te conheci”.
E tanto ela como eu sabemos que não estou a mentir….

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

A Pirâmide Humana


Já vi a Vida de muitas formas. Muitas mesmo! E agora vejo-a como um intrincado jogo de equilíbrio entre as pessoas.

E nesta visão da Vida, somos todos artistas do Cirque du Soleil, em que cada um de nós ampara e é amparado por um conjunto de pessoas, uns mais próximos e outros mais afastados, mas todos igualmente importantes.

E na minha cabeça, esse jogo de equilíbrio toma a forma de pirâmide humana (por sinal muito popular na Catalunha), encontrando-se nesta estrutura as pessoas mais importantes da minha Vida.

Esta pirâmide, que à primeira vista é sustentada apenas com força muscular e tenacidade, na realidade está suspensa apenas pelo Amor que damos e recebemos dos nossos entes mais queridos.

Nesta estrutura há um acordo tácito de auto-ajuda. Se falhar a força a um, os outros amparam-no, mesmo sabendo que ficarão sobrecarregados e cansados mais rapidamente. Mas quem liga ao cansaço quando a força motriz é o Amor?

Mas que fazer quando sinto estar a ficar animicamente cansado? Que fazer da angústia que sinto por saber que, caso falhe, poderá alguém cair ao chão? Ou muitos até?

Será que apenas a força do Amor será suficiente para todos suster? Antes assim parecia, mas agora sinto que já não. A pressão já era grande e está a aumentar, levando as parcas forças que ainda me restam.

Aguento. Tento desvanecer da minha cabeça os pensamentos de desistência, mas sinto que o Amor que me chega já não me chega, Onde está quando mais preciso dele?


Aguento. Mais um dia. Pelo menos mais um dia. É que pensando bem, o Amor não desaparece assim. E por isso aguento. A bem de todos. A bem de mim!

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Sob um Céu Cor de Chumbo

O céu avisava-me que não estava para brincadeiras, ameaçando ruir. Ribombos ouviam-se ao fundo, alertando que os deuses, de tão doidos, atiravam raios para os incautos que por baixo deles, fugiam.
Eu continuei deitado de barriga para cima, olhando desafiante para as nuvens ameaçadoras, que furiosas pela minha audácia, segredavam umas para as outras, juntando-se cada vez mais. E o ribombar cada vez mais próximo.
Via pelo canto dos olhos o intenso brilho dos relâmpagos a varrerem a planície, lançados pelos insanos deuses, cujo riso se confundia com o troar dos trovões. "Malditos", pensei eu, "Sempre a mesma coisa. Os fortes brincam com a fracos". E desafiante, continuei deitado, olhando as nuvens.
Animais passavam por cima de mim, desesperados de medo pela fúria dos elementos, mal sabendo que eram os deuses os verdadeiros causadores. Aqui e ali focos de incêndio iam surgindo, tal a proficuidade de raios que iam varrendo tudo ao seu redor. "Malditos", pensei eu.
De súbito, um deus menor olhou para mim e mesmo antes de lançar um raio, perguntou-me quase incrédulo “Mas tu não tens medo de mim?” pelo que respondi, apenas com o olhar “Não, não tenho medo nenhum de ti”. E continuei deitado de barriga para cima, olhando desafiante.
Os deuses foram parando de atirar raios, perguntando uns aos outros e às nuvens quem era eu, que fazia ali, e porque não tinha medo deles. E mesmo por cima da minha cabeça espreitavam pelo céu abaixo, para mim. E eu olhava para eles, desafiante, sem medo.
O deus menor colocou uma escada e quando esta tocou no chão desceu, indo ter comigo. Olhou para mim e depois olhou para cima, para os outros deuses e nuvens. Acenou para eles e estes responderam. Tudo estava em silêncio, aguardando.
O deus menor deitou-se ao meu lado, olhando nos olhos para os outros deuses, e parecia mesmo que lançava, como eu, um olhar desafiante. Os outros, lá em cima, estavam atónitos com tamanha audácia. E debandaram de onde estavam.
Julgava eu que os outros deuses se tinham ido embora, que tinham ido infernizar outros, mas não, desciam vagarosamente a escada e encaminhavam-se para mim. E eu olhava desafiante para eles, desta vez junto à ceara. E o mesmo fazia o deus menor.

E findou-se a tarde, comigo a olhar para um céu sem nuvens, completamente rodeado de deuses, todos deitados de barriga para cima, e que deliciados, viam um mundo como nunca imaginaram que fosse.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Crónica de um Fim Anunciado (2 de 2)

A ideia da nossa relação agonizar propositadamente punha-me louco! Tinha a certeza que ambos sabiamos perfeitamente onde isto tudo iria acabar. Só não sabiamos era quando. Eu pelo menos não sabia. Ela sabia, certamente.

Eu sei que não lhe posso dizer nada, caso contrário ela incendeia-se ainda mais. Nesse entretanto vai continuar a falar comigo num modo gélido, e apenas para me culpabilizar, ficando desta forma constrangido, frustrado e zangado com o mundo.

O mais difícil para mim é vê-la a interagir com outras pessoas de uma forma amorosa e queriduxa, enquanto que comigo é exatamente o oposto, roçando a brutalidade.

E mesmo que alguém visse a Cristina a tratar-me com a mais gélida frieza, iria sempre pensar que seria uma justa reação ao que eu lhe certamente tinha feito.

Sei que é assim porque já vi isso antes, nomeadamente em muitos casais. A maioria já se separou, mas alguns ainda moram juntos, mas estes, claro que não são casais. Já o foram. Agora são fantasmas.

É inegável que as mulheres são implacáveis quando querem acabar com as relações. Por isso quando o querem, iniciam “O Plano!

Quando penso nesse Plano vem-me à ideia aquele ditado brasileiro “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”…. Homem, nestes casos, faças o que fizeres estás sempre lixado! Basta o Plano começar. E eu estou no meio dele....

Chego a casa umas duas horas depois de ter saído. A Cristina está na cama a fingir que dormia, e sei antecipadamente o que vai fazer e dizer….

MERDA, ACORDASTE-ME!” grita, olhando-me com olhos cansados de ler, não de ter estado a dormir. “Podias ao menos ter feito menos barulho! Mas afinal que horas são?” pergunta a si própria em voz alta, como se não soubesse com precisão as horas.

Desculpa, ‘mor”, respondo com os olhos a rebentar de rir….. é que quando estamos a ver um filme pela centésima vez, antecipamos os diálogos, e nem sei porquê, dá-me vontade de rir, mesmo que a situação (já) não tenha graça nenhuma.

Deito-me sem lhe tocar e sem sequer lhe dar um beijo de boa noite, como dantes sempre acontecia. E sei que esse "esquecimento" será mais uma acha para a gigantesca fogueira onde estou a ser queimado.

Amanhã será um novo dia. Mais um dia na execução do maldito Plano. Mais um dia dos muitos que aí vêm, e em que tudo avança mais um bocadinho, inexoravelmente. Até ao FIM….

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Crónica de um Fim Anunciado (1 de 2)

Mas afinal o que é que se passa, Cristina?” Perguntei-lhe num tom que sabia ser tudo menos amigável. “Porque é que ainda não estás pronta? Sabes bem que combinámos estar em casa da Célia e do Pedro daqui a meia hora.

Estúpido! Pára de me chatear. Olha, por tua causa agora já não quero ir. Vai sozinho!” Respondeu num tom de irritação e de desprezo, calculado ao milímetro.

Já sabia perfeitamente que ela não queria sair comigo. Eu não deito cartas do tarot nem nunca ganhei nada nos jogos da Santa Casa, mas esse sentimento era-me tão evidente que só faltava colocar-lhe legendas.

Rebobinei a “fita” e revi que, numa única e simples frase, ofendeu-me, culpou-me de ter perdido a vontade de sair e ordenou-me que saísse de casa. Maravilhoso….

Claro que utilizei a pressão para que ela anunciasse ao Mundo e de uma vez por todas o que queria ou não fazer. Hoje não me apetecia jogar jogos longos e complicados, cheios de sinais difusos e contraditórios, e que não levam a lado nenhum.

Apesar de ser homem também sei ler sinais, e ajuda muito haver um histórico. Sei que em circunstâncias normais a Cristina já estaria despachada e a pressionar-me para sairmos. Como tudo muda na vida, especialmente na de um casal….

Sabia que não adiantaria demovê-la, porque a Cristina já tinha antecipado mentalmente ter a casa só para si, e só o facto de eu ficar lá (mesmo quedo e mudo numa divisão longe da sua vista) a ia tirar do sério, e começaria uma querela qualquer.

Nos últimos tempos ela começou por diversas vezes discussões violentas e (aparentemente) sem sentido, e eu tinha respondido saindo porta fora.

Como se estivesse a seguir um guião de um filme, logo que saio, invariavelmente Cristina aparentemente cai num calculado e fingido pranto interminável, telefonando a toda a gente descrevendo-me como uma besta insensível, distribuindo pérolas como “Já nem dá para falar com ele. Estávamos só os dois a falar….. Eu assim não sei se aguento mais…

Cristina está a executar o crime perfeito: Quer acabar com a nossa relação, mas atribuir-me as culpas por inteiro! E pior, pois sabe que eu sei o que ela está a fazer.

Mas afinal porque é que ela não diz simplesmente “Já não quero mais, por mim acabou. Já não te amo!”?

Sou um optimista. Claro que todas as relações sofem algum desgaste, mas para mim quase todas têm conserto. Agora esta já não tem, pois acabou um dos itens fundamentais: o Respeito. E isso acaba com o Amor….

Mas não paro de pensar no mesmo. Porque é que a Cristina tem de nos arrastar para uma situação destas?

Porque temos de desgastar a relação até ao limite, desgastar-se a ela própria, a mim, as nossas famílias, amigos e colegas de trabalho?
(continua)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Acabou!


A mulher dos meus sonhos, a Tal, e com quem (tão tardiamente) fiz tantos planos para a vida, diz-me, num repente….
- Acabou!
E foi só. Ali ficou, a olhar para mim.
Não apontou razões nem prolongou o discurso. Não era preciso. Senti que tinha decidido e comunicado. E foi só.
Não discuti, não argumentei, não reclamei. Escutei-a e fiquei imóvel. Nem olhei para ela.
Entrei em transe, instantaneamente. Entrei no passado e no futuro ao mesmo tempo.
Senti-me transportado ao passado, recordando imagens e sentimentos de quando nos conhecemos, nos amámos, nos juntámos como um só….
E vi-me no futuro. Sem ela. E era uma sensação horrivel, pesada, demasiado cruel.
A minha expressão não mudou. Não disse nada. Só imaginava o meu futuro. Sem ela.
E foi aí que as lágrimas irromperam. Caíam como grossas gotas de chuva. Mas eu não as senti excepto quando me começaram a molhar as mãos, que prostradas, ali estavam….
Só pensava no meu futuro. Sem ela.
Pela primeira vez desde que falou, olhei para ela, pois num ténue vislumbre, reparei que tinha mudado subtilmente a sua expressão.
Os olhos dela sorriam.
E vi que os olhos dela sorriram um pouco mais ao ler os meus sentimentos.
E as minhas lágrimas continuavam a cair.
Pensamentos difusos e confusos percorriam velozmente a minha cabeça. Estará ela a gozar com o meu sofrimento? Será ela uma pessoa má, afinal?
O seu sorriso a despontar nos cantos dos lábios fez-me desconfiar, mas não ousei assumir que aquilo tudo estava a ser uma brincadeira.
Mas, e se não fosse? E se estivesse a perceber mal? Não podia arriscar.
Percebendo o que se passava, e já com um sorriso mais largo, ela disse:
- Amor, não acabou nada. Nunca vai acabar. Tu sabes que és o homem da minha vida.
- O quê? Questionei sem convicção, só para ela dizer algo mais. Só para ter a certeza absoluta de tudo o que tinha acabado de acontecer.
- É que eu queria saber mesmo o que sentias por mim. E agora tenho a certeza.
Confesso que fiquei alguns minutos a decidir se a beijava ou se a estrafegava, se gritava ou se ficava calado, se ficava ou se me ia embora…..
Abracei-a.
- Amo-te, mulher da minha vida.
- Também te amo, meu homem.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O Nevoeiro


De vez em quando sinto-me envolvido numa grande neblina, que tudo cobre, tudo envolve, não me deixando nada ver para além de um palmo à frente do nariz. E por mais que lhe tente fugir, ela estará sempre por cima de mim. Como um urubu!
Dado que não tenho nenhum farol que me alumie ou que emita sinais sonoros, avisando-me de iminente colisão ou encalhamento, nestas ocasiões não me resta senão viver de acordo com os marinheiros, ou seja, parado, aguardando que as nuvens baixas se dissipem para poder seguir a minha viagem.
Ao longo dos anos tenho aprendido que há sempre uma razão para tudo, há sempre um motivo para que determinada situação se nos depare na vida, mesmo que não desconfiemos qual é. Pelo menos nesse momento. E o nevoeiro não é excepção.
Tenho constatado que mesmo o que parece muito negativo normalmente tem um lado positivo. E não em raras ocasiões em que me deparei com situações desesperantes, e descobri que mais não eram que portas para momentos de paz e, por incrível que pareça, de felicidade.
Assim, e nessa perspectiva de haver um lado positivo no que surge como negativo, o nevoeiro traz-me, por exemplo, a vantagem de impedir que esteja demasiado exposto, escondendo-me do escrutínio público, e de estar permanentemente disponível.
É que se há alturas em que não me importo nada de estar sob os holofotes, outras há que necessito de recolhimento, de introspecção, de maior intimidade. Ciclicamente preciso de pensar na vida, no passado e principalmente no futuro, e no que realmente quero.

O nevoeiro traz-me de volta a mim mesmo….